Pilotos da Air France chegam ao cemitério Père Lachaise para participar de inauguração de monumento em homenagem às vítimas
A primeira cerimônia aconteceu pela manhã no Parque Floral de Paris. Os familiares foram levados em ônibus para local, onde a imprensa era afastada pela polícia e organizadores do evento. Foram lidos poemas e passagens religiosas em 15 línguas diferentes, em um ato que reuniu 1.150 participantes de 29 países, representando 77% das vítimas. A Air France, companhia que operava o voo, arcou com os custos da viagem.
O momento de maior emoção, conforme relatos dos presentes, foi quando foram lidos os nomes de todas as 228 vítimas, sob o som de uma orquestra. "Não tinha como resistir. Nesta hora, os poucos que estavam contendo a emoção foram às lágrimas", afirmou Sylvain Owondo, 28 anos, cujo pai morreu no acidente. "Várias pessoas tiveram que sair da sala para respirar e se recompor. Parece que foi ontem", disse a irmã de Sowondo, Julienne.
Segundo a Air France, 138 brasileiros estavam presentes. O ministro francês dos Transportes, Dominique Bussereau, discursou e reiterou o empenho do país em prestar auxílio e encontrar a verdade sobre o acidente. Bussereau deu a entender que haverá uma nova fase de buscas pelas caixas-pretas, uma reivindicação das famílias. "Eu posso lhes garantir que nós não abandonaremos as buscas. O BEA vai continuar as suas investigações para ter mais uma chance de encontrar a carcaça e as caixas-pretas do avião, que são elementos-chave para compreender as razões deste drama", disse o ministro.
À tarde, as famílias seguiram para o cemitério Père Lachaise, um dos mais tradicionais de Paris, onde foi inaugurado um monumento de lembrança às vítimas. Os familiares puderam depositar flores no local e, os que desejarem, poderão ter o nome do parente falecido gravado no marco. A emoção, no entanto, não substituiu a indignação de algumas famílias diante da demora do BEA em encontrar as caixas-pretas do avião e apontar as causas para o acidente.
O presidente da Associação de Familiares das Vítimas do Voo AF 447, Nelson Marinho, que perdeu o filho, preferiu não participar dos eventos porque considera o trabalho realizado pela França insuficiente. Para ele, a companhia deveria fornecer mais apoio psicológico às famílias ao invés de realizar cerimônias.
Desde que chegou em Paris, Marinho se encontrou com pilotos e sindicatos franceses ligados à aeronáutica, e afirma que os relatos lhe permitem concluir que o acidente poderia ter sido evitado. "Chegamos à conclusão de que a França não quer investigar coisa nenhuma. A aeronave estava com defeito de fabricação e a Air France não estava fornecendo a manutenção adequada", afirmou Marinho. "Se eles tivessem trocado certas peças, toda essa tragédia poderia ter sido evitada."
O brasileiro também reclamou da falta de transparência do BEA e de o escritório não possuir a independência necessária para aprofundar a investigação, devido à íntima ligação que possui com a Air France, a fabricante Airbus e o Estado francês. O representante da associação de famílias alemãs, Wini Schmidt, tem a mesma queixa. "Há muito tempo se sabe que o BEA não é suficientemente independente. Mas se eles não nos trouxerem as respostas que procuramos, vamos acionar a União Europeia", disse Schmidt, que também perdeu uma filha no acidente.
"O governo francês protege descaradamente a Airbus e a Air France e não quer que se encontrem essas caixas-pretas. Com a culpabilidade dessas empresas sendo esclarecida, as indenizações seriam de valores altíssimos", afirma.
Dagmar Hellhammer, mãe de uma das vítimas, acha que as informações acerca das investigações estão sendo manipuladas. "Tudo está sendo filtrado e eles só divulgam o que querem. Tenho certeza de que sabiam delimitar há pelo menos 11 meses a zona onde provavelmente estão as caixas-pretas", disse.
Já os franceses são mais comedidos e parecem confiar no trabalho realizado pelos investigadores. "Sei que existem interesses por trás, como em qualquer lugar do mundo. Mas acho que eles querem, sim, encontrar a verdade, senão não teriam envolvido tantas pessoas e equipamentos nessas buscas", afirma Camille Lacome. Ela perdeu o marido, de quem estava grávida, e hoje cria sozinha o filho do casal, de nove meses. "O que importa para mim são as lembranças que tenho dele e a memória que vou resgatar para o nosso filho."
Fonte: Lúcia Müzell (Terra) - Foto: Lúcia Jardim/Terra
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