Uma semana depois do pedido emergencial, o presidente Jair Bolsonaro e o governo do Amazonas ainda não conseguiram viabilizar o apoio aéreo militar dos Estados Unidos para acelerar o suprimento de oxigênio hospitalar no Estado. O fim do estoque em Manaus e cidades do interior levou a um colapso na rede pública de saúde e provocou mortes, nos últimos dias. O Brasil queria o empréstimo de aviões com maior capacidade de carga do que os da Força Aérea Brasileira (FAB).
Além de o Itamaraty ter sido pressionado a agir por congressistas e feito apelo ao embaixador norte-americano em Brasília, Todd Chapman, a Embaixada do Brasil em Washington formalizou um pedido de empréstimo de avião cargueiro ainda ao governo Donald Trump, no fim da semana passada. O pedido inicial era para o envio de duas aeronaves cargueiras. Até agora, no entanto, não houve resposta oficial confirmando a liberação, segundo a embaixada dos EUA.
Há desentendimentos políticos do lado brasileiro, nos bastidores, e demora para definir as necessidades mais urgentes de saúde. Uma ala do governo passou a defender a remessa de oxigênio por parte dos EUA. O embaixador Todd Chapman disse nesta quinta-feira, 21, manter "constante comunicação" com o governo brasileiro, mas foi evasivo sobre a confirmação do envio da aeronave. Chapman citou a necessidade de as autoridades do Brasil definirem a "necessidade do momento".
"Recebemos várias sugestões e pedidos do governo que estão sendo analisados, com muita atenção, para sabermos exatamente quais são as necessidades do momento. Sempre quando tem crises deste tipo mudam os temas tratados, e com muito prazer oferecemos apoio", afirmou Chapman.
"O retorno que tive do governador do Amazonas é que a embaixada americana disponibilizou o avião, mas que o Ministério da Saúde ainda não estabeleceu qual a necessidade", disse o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que pressionava publicamente pelo empréstimo. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a dizer que o problema de abastecimento estava "equacionado", apesar das mortes no Amazonas e no Pará.
Houve também contatos diretos do governo Wilson Lima (PSC) com a embaixada dos EUA e o Itamaraty. Em nota ao embaixador Chapman, o governador agradeceu e disse que as tratativas estão "em andamento para estabelecer a cooperação". No Congresso e no Itamaraty há suspeitas de que o governo Bolsonaro não queria usar o avião militar para não dar demonstração de fraqueza.
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Lockheed C-5 Galaxy, o modelo de avião que o Brasil queria emprestado dos EUA |
O modelo que o Brasil queria emprestado é o Galaxy C-5 da US Air Force, há décadas um dos maiores cargueiros militares em operação no mundo. Diplomatas e parlamentares fizeram pressão pela ajuda. O chanceler Ernesto Araújo acompanha o caso e chegou a manter contato com parlamentares.
Entre oficiais do Ministério da Defesa, porém, a avaliação era que o socorro seria útil se os aviões viessem dos EUA carregados com cilindros de oxigênio até Manaus. Um oficial general disse, reservadamente, que as Forças Armadas estavam "dando conta do recado" no transporte, após as dificuldades iniciais.
Depois das cobranças da Justiça Federal, o governo mudou o plano de abastecimento de Manaus. Na terça-feira, um navio-patrulha oceânico APA da Marinha levou um tanque da White Martins com 90 mil metros cúbicos de oxigênio para Manaus. A embarcação com oxigênio líquido partiu do Porto de Santos (SP). O consumo diário em Manaus atingiu 70 mil metros cúbicos por dia. A estimativa é que a viagem demore cerca de 10 dias. Serão seis por via oceânica até Belém (PA) e de lá mais quatro de balsas por rios até Manaus
A operação de abastecimento da rede hospitalar com transporte de cilindros de outros Estados brasileiros também foi modificada. Desde segunda-feira, a operação está centralizada na Base Aérea de Brasília (DF) e não mais em São Paulo. Os aviões empregados trazem cilindros vazios que são recarregados na própria pista do aeroporto pela White Martins, uma das principais fornecedoras do insumo, para acelerar o processo de retorno à capital amazonense.
Um oficial das Forças Armadas relatou que foi necessário fazer adaptações nos aviões por causa dos riscos inerentes ao transporte do oxigênio sob pressão em cilindros de metal. Uma válvula foi instalada em alguns modelos, como o KC-390, maior e mais moderno cargueiro da frota nacional, como medida preventiva. Essa válvula seria acionada em caso de acidente, para que o oxigênio fosse liberado dos cilindros. A operação também usa aeronaves C-130 Hércules e C-105 Amazonas.
O Estadão apurou com militares da Aeronáutica que a necessidade de revisões constantes e eventuais panes nos aviões da frota atrasam o transporte de oxigênio e até de vacinas. O Ministério Público Federal vinculou, em ação na Justiça, o problema com uma aeronave ao fim do estoque de oxigênio hospitalar na quinta-feira passada. A Força Aérea Brasileira (FAB) disse que eventuais serviços de manutenção são necessários durante a operação contínua de socorro a Manaus.
Via Estadão