sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Governo vai estudar efeitos da radiação cósmica em comissários e pilotos

(Imagem: naillul autar/via Unsplash)
O governo federal e o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) firmaram na semana passada um acordo de cooperação técnica para investigar os efeitos da radiação ionizante e da pressão atmosférica e baixa umidade sobre pilotos e comissários de voo. O estudo será conduzido pela Fundacentro, órgão público vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, e marca o início de uma nova etapa de pesquisa sobre saúde ocupacional na aviação civil.

A iniciativa retoma uma preocupação antiga da categoria: o impacto de agentes físicos a que estão expostos os profissionais da aviação em longas jornadas a bordo de aeronaves pressurizadas.

A investigação vai buscar dados científicos atualizados sobre o efeito cumulativo da radiação cósmica e de outros fatores ambientais (como variações de pressão e baixa umidade) na saúde de pilotos e tripulantes. Ocorre que esse tipo de fenômeno, formado por partículas subatômicas de alta energia que chegam à Terra vindas do espaço, atingem em maior parte tripulantes e passageiros de aviões que estão voando entre 9 km e 12 km de altitude, já que não contam com a atmosfera como escudo natural.

"Essa parceria simboliza um compromisso conjunto com a saúde e a segurança dos profissionais da aviação", afirmou o presidente do SNA, comandante Tiago Rosa, durante o evento de assinatura do acordo, em meados de outubro. "A segurança de voo depende não só da tecnologia ou da qualificação técnica, mas também das condições de trabalho e bem-estar físico e mental de quem está a bordo", conclui o piloto.

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, destacou que a medida integra um esforço do governo para reconstruir políticas públicas de proteção ao trabalhador. "O país vive um momento de reconstrução. Estamos resgatando o valor do trabalho e o papel das instituições públicas, que haviam sido desmontadas", afirmou o ministro. Ele reconheceu que há resistência das empresas a estudos que possam implicar custos adicionais, mas defendeu que o debate deve priorizar a saúde e a dignidade dos profissionais.

O presidente da Fundacentro, Pedro Tourinho, ressaltou que o acordo é o primeiro passo para uma agenda de pesquisas contínuas sobre os riscos específicos da aviação civil. "Nosso objetivo é produzir conhecimento técnico que auxilie o estado e as empresas na formulação de políticas preventivas e na proteção dos trabalhadores", afirmou.

O estudo anterior


O novo acordo dá continuidade ao relatório "Fatores de riscos ocupacionais entre os aeronautas civis", publicado pela Fundacentro em 2022. O documento foi o primeiro levantamento nacional a analisar sistematicamente as condições de trabalho dos tripulantes e a identificar lacunas científicas sobre o tema

O estudo de 2022 apontou que os aeronautas estão sujeitos a diferentes fatores de estresse físicos e ambientais, como radiações ionizantes, pressão hipobárica (baixa pressão atmosférica), ruído, vibração e baixa umidade. A exposição constante a esses fatores, somada à fadiga e aos longos turnos, pode aumentar a incidência de problemas cardiovasculares, distúrbios do sono, dermatites e até casos de câncer de pele.

A Fundacentro também destacou naquele momento a falta de dados robustos sobre os níveis reais de exposição à radiação cósmica, um tipo de radiação ionizante mais intensa em grandes altitudes. O relatório concluiu à época que "os estudos científicos até agora publicados são insuficientes para identificar com precisão os riscos ocupacionais" e recomendou novas pesquisas para subsidiar futuras regulações.

Como é no exterior


A preocupação com a exposição de tripulantes à radiação cósmica não é exclusiva do Brasil. A Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA) e a FAA (Federal Aviation Administration, ou, Administração Federal de Aviação), dos Estados Unidos, reconhecem oficialmente a radiação como um risco ocupacional para pilotos e comissários. Na Europa, companhias aéreas são obrigadas a monitorar a dose anual recebida por cada tripulante e a ajustar escalas de voo quando há risco de ultrapassar limites recomendados pela Comissão Internacional de Proteção Radiológica (ICRP, na sigla em inglês).

Nos Estados Unidos, a FAA mantém um programa de pesquisa contínuo sobre os efeitos da exposição a altas altitudes, embora a regulação ainda não imponha limites compulsórios de dose. O tema também é acompanhado pela Ifalpa (International Federation of Air Line Pilots' Associations, ou, Federação Internacional de Pilotos de Linha Aérea), que há anos defende parâmetros globais para monitoramento de radiação em voos comerciais.

No Brasil, a legislação trabalhista não reconhece oficialmente os tripulantes como categoria exposta a agentes nocivos, o que os impede, por exemplo, de se aposentar sob regras especiais, o que é uma reivindicação antiga do SNA. Projetos de lei nesse sentido já tramitaram no Congresso, mas sem avanço.

O que se sabe até agora


Estudos internacionais reforçam a importância de se investigar o impacto da radiação cósmica e da pressão reduzida na saúde dos aeronautas. Pesquisas conduzidas pela Universidade de Oslo, pela Nasa (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos EUA) e por instituições europeias indicam correlação entre o tempo de exposição em altitude e o aumento de casos de câncer de pele e catarata em pilotos e comissários.

Já pesquisas brasileiras, citadas pela Fundacentro, apontam prevalência elevada de fadiga crônica e transtornos do sono entre tripulantes, além de indícios de sobrepeso e doenças cardiovasculares associados ao ritmo irregular de trabalho e ao descanso insuficiente.

Segundo o comandante Tiago Rosa, o novo acordo deve permitir que o Brasil produza dados próprios e atualizados. "Queremos que a ciência brasileira olhe para dentro das cabine de comando e de passageiros e entenda o que realmente acontece com o corpo de quem vive entre o solo e o espaço", afirma o comandante.

Via Alexandre Saconi (Todos a Bordo/UOL)

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