segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Corrida nos céus: Airbus está a um passo de assumir posição detida por Boeing há décadas. Veja qual

Após 40 anos de disputa, rival deve assumir posto de avião mais entregue do mundo.

Fuselagens de alguns modelos de aeronaves no hangar da Airbus (Foto: Luke Sharrett/Bloomberg)
Em 1981, ano em que a Airbus anunciou que construiria um novo jato de corredor único para enfrentar a Boeing, o modelo 737 reinava absoluto. Fabricado nos Estados Unidos e já em uso há mais de uma década, ele remodelou a indústria aérea ao tornar rotas mais curtas mais baratas e lucrativas de operar. Em 1988, quando a Airbus começou a produzir seu desafiador A320, a Boeing já havia conquistado uma vantagem formidável, com cerca de 1.500 entregas do seu best-seller em forma de charuto.

Foram necessários quase quarenta anos, mas a Airbus finalmente alcançou: a série A320 está prestes a ultrapassar sua concorrente americana como o avião comercial mais entregue da história, segundo a consultoria de aviação Cirium. No início de agosto, a Airbus havia reduzido a diferença para apenas 20 unidades, com 12.155 entregas acumuladas da família A320. Essa diferença deve desaparecer já no próximo mês.

“Alguém naquela época esperava que ele pudesse se tornar o número um – e com volumes tão altos de produção?”, escreveu Max Kingsley-Jones, chefe de consultoria da Cirium Ascend, em uma postagem recente nas redes sociais sobre o A320. “Certamente eu não, e provavelmente a própria Airbus também não.”

O sucesso do A320 reflete a ascensão da fabricante europeia, que passou de iniciante a concorrente séria e, por fim, superou a Boeing. No início dos anos 2000, as entregas anuais do A320 e seus derivados já tinham superado as da família 737; os pedidos totais ultrapassaram os do jato da Boeing em 2019. Mas o 737 teimava em permanecer como a aeronave comercial mais entregue de todos os tempos.

No começo, a Airbus enfrentou uma batalha difícil. Criada em 1970 com apoio de governos europeus, a empresa era uma união de fabricantes aeroespaciais que ainda não oferecia uma linha completa de aeronaves. Conflitos internos atrapalhavam desde o planejamento de produtos até a produção, e as decisões de liderança precisavam equilibrar de forma delicada os interesses comerciais e políticos de franceses e alemães.

Ainda assim, já era claro que a Airbus precisava estar presente no segmento de narrowbodies (aviões de corredor único) para se consolidar como principal rival da Boeing. Esses aviões são, de longe, a categoria mais utilizada na aviação comercial, geralmente conectando pares de cidades em rotas mais curtas.

Custos de combustível mais altos e a desregulamentação da aviação dos EUA no fim dos anos 1970 abriram espaço para a Airbus junto a executivos de companhias aéreas americanas, que clamavam por um novo jato de corredor único, segundo a jornalista Nicola Clark, autora de uma história da fabricante europeia.

Para diferenciar o A320, a Airbus assumiu alguns riscos. Optou por controles digitais fly-by-wire, mais leves que os sistemas hidráulicos tradicionais, e deu aos pilotos um manche lateral em vez da coluna central. A aeronave também ficava mais alta em relação ao solo que o 737 e oferecia duas opções de motores, dando mais flexibilidade aos clientes.

A aposta deu certo. Hoje, o A320 e o 737 compõem quase metade da frota mundial de jatos de passageiros em operação. E o sucesso do A320 contrasta com erros estratégicos como o A380, gigante que se mostrou inviável porque as companhias não conseguiam operá-lo de forma lucrativa. A Boeing, por sua vez, defendeu que aviões menores e mais ágeis, como o 787 Dreamliner, teriam vantagem — previsão que se mostrou correta.

Ainda assim, a longa dominância dos dois narrowbodies levanta dúvidas sobre a vitalidade de um duopólio que privilegia a estabilidade em detrimento da inovação. Ambas as fabricantes optaram repetidamente por mudanças incrementais que extraem mais eficiência de seus modelos campeões de vendas, em vez de investir bilhões no desenvolvimento de um substituto do zero.

A Airbus saiu na frente ao introduzir novos motores no A320, transformando o modelo neo em um sucesso entre as companhias aéreas que buscavam reduzir custos com combustível. Sob pressão, a Boeing respondeu, mas sua estratégia foi desastrosa. A fabricante americana lançou o 737 Max, adaptando motores mais potentes à estrutura envelhecida e baixa da aeronave.

Instalou o sistema automatizado MCAS para estabilizar o voo diante do maior empuxo e equilibrar o avião. Mais tarde, reguladores concluíram que o MCAS contribuiu para dois acidentes fatais com o 737 Max, o que levou à paralisação global do modelo por 20 meses, a partir de 2019.

Mais recentemente, a Airbus enfrentou problemas com os motores mais eficientes do A320neo. Revestimentos de alta tecnologia, que permitem que os turbofans (grandes ventiladores que puxam o ar) engrenados da Pratt & Whitney operem em temperaturas mais altas, apresentaram falhas. Isso forçou companhias aéreas a enviar aeronaves para manutenção extra, congestionou oficinas de reparo e manteve centenas de jatos em solo aguardando inspeção e conserto.

Com ambas as famílias de narrowbodies próximas ao fim de sua linha evolutiva, analistas e investidores já perguntam o que vem a seguir. A China, por sua vez, tenta entrar no mercado com o Comac C919, que já começou a operar no país, mas ainda não foi certificado para voar nos EUA ou na Europa

O CEO da Boeing, Kelly Ortberg, disse em julho que a empresa trabalha internamente em um avião de nova geração, mas espera que a tecnologia de motores e outros fatores se consolidem, incluindo a recuperação do fluxo de caixa após anos de dificuldades.

“Isso não é para hoje, e provavelmente nem para amanhã”, disse em uma teleconferência em 29 de julho.

As finanças mais saudáveis da Airbus lhe dão mais margem para explorar saltos de design. O CEO Guillaume Faury chegou a propor o lançamento de uma aeronave movida a hidrogênio — possivelmente com o formato radical de “asa voadora” — para meados da década de 2030, mas adiou a iniciativa para focar em um sucessor convencional do A320.

A empresa, sediada em Toulouse, na França, estuda um motor de rotor aberto, capaz de economizar combustível por meio de sua arquitetura, em vez de depender apenas das turbinas atuais, que já esbarram nos limites da física para extrair ganhos.

Falando no Paris Air Show, em junho, Faury chamou o A320 de “uma plataforma já bastante antiga” e reafirmou planos de lançar um sucessor até o fim desta década, com entrada em serviço em meados da década de 2030.

“Estou muito focado em preparar essa nova geração de aviões de corredor único”, disse Faury. “Estamos sendo consistentes e totalmente comprometidos com isso.”

Via Bloomberg / O Globo

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