sábado, 12 de julho de 2025

Aconteceu em 12 de julho de 1954: O pouso do avião presidencial que parou Concórdia (SC)


Era um típico dia de inverno na região, onde as chuvas e nevoeiros se faziam protagonistas na paisagem da pequena cidade de Concórdia, bem diferente da que conhecemos hoje. Os produtores trabalhavam no campo, quando de repente um barulho tomou conta do céu. O ronco dos motores da aeronave Douglas C-47A-90-DL (DC-3), prefixo 2041, da FAB - Força Aérea Brasileira, atraiu a atenção dos cidadãos, principalmente por conta da sua baixa altitude. Logo depois um estrondo. Na tarde do dia 12 de julho de 1954 caia um avião presidencial na Capital do Trabalho.

Porém, esse relato é maior do que imaginamos. O avião que caiu nos campos da cidade evoca a Segunda Grande Guerra, levou personalidades históricas do nosso país, como também inspirou narrativas de fé. Apesar de esquecida, parte da história de Concórdia se escreve pelos ares. Desde jovem, a cidade já contava com um movimentado tráfego aéreo, principalmente por conta da Sadia e, posteriormente, da Transbrasil - empresa aérea que figurou entre as maiores do Brasil e teve como berço as atividades da agroindústria em nosso município. Porém, em 1954, a cidade sequer possuía um aeroporto.

Naturalmente, os relatos de incidentes aeronáuticos são variados, principalmente pelo fato dos padrões de segurança das aeronaves da época não serem tão elevados quanto hoje. Assim, o duplo acidente aéreo ocorrido em 1981, que já falamos sobre, definitivamente não foi um fato isolado. No artigo de hoje, vamos conhecer a história não contada do mais emblemático acidente aéreo de Concórdia: a queda do Douglas C-47.

A aeronave


Exemplar do modelo C-47 2009, 1º Esquadrão de Transporte Aéreo (Arquivo Rudnei Dias da Cunha)
O avião Douglas C-47, de matrícula 2041 (número de identificação militar, como se fosse a "placa" da aeronave), pertencia ao Esquadrão de Transporte Especial da Força Aérea Brasileira, servindo ao deslocamento das autoridades federativas do país - este, em específico, ao vice-presidente da república, Café Filho.

Tal modelo de aeronave era a versão militar do clássico Douglas DC-3 (aeronave utilizada, inclusive pela Sadia/Transbrasil), sendo amplamente produzida ao longo da Segunda Guerra Mundial, responsável pelo transporte de tropas americanas, britânicas e demais aliadas. As necessidades da guerra exigiram a produção em massa dessa aeronave, que se provou muito versátil, confiável e uma importantíssima ferramenta no percurso da vitória dos Aliados.

O acidente


O então vice-presidente se encontrava em Foz do Iguaçu em agenda oficial com o governo do estado do Paraná. Com a conclusão dos compromissos naquela cidade, se deslocaria novamente ao Rio de Janeiro (capital do Brasil). Acontece que a aeronave, que se encontrava em Foz, apresentou problema em um dos seus motores. Com isso, foi solicitado uma nova aeronave para fazer o transporte, partindo do Rio de Janeiro.

Nisso, foi acionado o C-47 - 2041 em questão. A aeronave, ao sobrevoar a cidade de Foz, se deparou com uma meteorologia nada favorável ao voo. Como os equipamentos da época eram muito limitados ou inexistentes, não houve outra alternativa a não ser procurar pouso em outro local.

Naquela época o instrumento de navegação mais usado era o radiogoniometro. Como muitos sabem, esse instrumento captava a direção de onde provinham ondas de radiofaróis ou emissoras de rádio comerciais, e uma agulha apontava para onde a aeronave deveria ir (essa a razão pela qual as rádios comerciais tinham que transmitir seu nome e prefixo a intervalos regulares). 

Mas, eis que o bendito radiogoniometro deu problema e tiveram de se orientar pela bússola. Bússola, vento de traves e sem referência no solo resulta quase sempre em desvio de rota, em especial em grandes distâncias. 

Há quem diga que os tripulantes se desorientaram e confundiram o Rio Uruguai com outro rio que estavam procurando e, por conta disso, não encontraram o local para pouso o qual pretendiam. Ao sobrevoarem Concórdia, a aeronave acabou por ficar sem combustível e, como ainda não existia o aeroporto de Concórdia na época, os pilotos optaram por fazer um pouso forçado na região próxima ao local onde hoje encontramos o Santuário Nossa Senhora da Salete.

Por volta das 14h30, a aeronave chocou-se com o solo concordiense. Os danos na aeronave foram substanciais, porém os tripulantes não se feriram. Se considerarmos o relevo de Concórdia, a quantidade de elevações dos morros que existem em nosso município, as limitações tecnológicas da época, foi operado um verdadeiro milagre. E é o que dizem os mais antigos, como Diomedes Tagliare, uma das primeiras pessoas a chegar no local do acidente. "O segundo que chegou lá fui eu, no local me deparei com os quatro tripulantes, o tempo estava fechado e eles só encontraram esse lugar para descer, graças a Deus não se machucaram e não morreu ninguém", relata Diomedes.

Jornal "Correio da Manhã" (RJ)
Na época, a informação não era tão acessível quanto hoje. Os primeiros relatos davam em conta que o próprio Café Filho estava presente na aeronave e havia se ferido com gravidade, narrativa que fora desmentida pelos canais de mídia da época horas após. 


A tripulação da aeronave era composta pelo comandante major Ernesto Lebre, co-piloto major Aroldo Veloso e telegrafistas Vilson Monteiro e Severino Andreis, inclusive, foi fotografada em frente à aeronave acidentada. Possivelmente o único registro fotográfico do ocorrido junto a tripulação.


Após o acidente, uma equipe de mecânicos da Força Aérea Brasileira se deslocou até Concórdia para que fosse feita a avaliação e levantamento do ocorrido. Chegou-se à conclusão que havia a possibilidade de restauro da aeronave, o que ocorreu ali mesmo, no próprio local do acidente. Foi construído um hangar para o restauro da aeronave e, posteriormente, uma pista improvisada, de onde a mesma decolou em definitivo alguns meses após.

Tripulação do Douglas C-47 após o acidente (Foto: divulgação - colorida artificialmente)

Nasce uma nova companhia aérea


Na cidade existia um frigorífico que vendia muito para SP, mas perdia vários embarques pelas estradas muito ruins do caminho. Resolveram tentar levar suas carnes mais nobres de avião – e a coisa deu certo.

Como os aviões voltavam vazios, começaram a trazer passageiros na rota inversa e descobriram um nicho de mercado que nem desconfiavam.

A cidade proxima do local onde pousaram se chamava Concordia. E o frigorifico era a Sadia. Estava criada a Sadia Transportes Aéreos, que mais tarde se tornou a Transbrasil.

Um voo guiado por Nossa Senhora?


Para toda história, há uma lenda. Segundo populares, o acidente do Douglas C-47 teria relação com a construção do Santuário de Nossa Senhora da Salete, pois o fato aconteceu naquele local. Sendo assim, muitos enxergam o acontecimento como um milagre. Inclusive, Diomedes Tagliare, é uma das testemunhas que acreditam nesta tese. "Eles formaram o santuário em agradecimento ao salvamento dos pilotos, pois ninguém se feriu, isso é coisa de Deus, coisa de cinema, um milagre, por isso que quando tem festa lota de gente pedindo por milagres", relembra Diomedes.

Avião que caiu onde é o santuário. Foto de 1955, onde vemos dentro (na janela) Saul Dezanetti e (em cima) Diomedes Tagliari (Foto: Retalhos Históricos das Comunidades - colorida artificialmente)
A relação da data também é intrigante, pois a pequena capela em honra a Nossa Senhora da Salete foi construída em 1956, apenas dois anos após o acidente, em um local muito próximo do ocorrido. Lembrando também que o avião permaneceu no local por alguns meses.

Local apontado por Diomedes onde teria acontecido o acidente (Foto: Lucas Villiger)
"No ano de 1956 foi construída uma pequena capela em honra a Nossa Senhora da Salete, padroeira dos agricultores. Todos os meses rezava-se o terço, reunindo as principais famílias da redondeza. Alguns devotos vinham de longe cumprir promessas." - Frei Belmiro Brondani, no Livro da Crônica do Santuário Nossa Senhora da Salete (1967)

No livro Retalhos Históricos das Comunidades (1995), Adelino Forner conta que o lugar em que viviam não tinha nome, eram apenas quatro moradores. Sendo assim, um dia surgiu a ideia de construir uma capelinha com a imagem de Nossa Senhora da Salete. Adelino Forner, Ângelo Reolon, José Zanfonato e José Resmini construíram a capela e batizaram o local de Linha Salete.

Maria Resmini, nora de José Resmini, relata que os quatro moradores da localidade costumavam fazer compras a cavalo nas 'Lojas Uruguai', em Marcelino Ramos (RS). "Lembro que quando eles iam para Marcelino, eles aproveitavam e iam rezar no santuário de Nossa Senhora da Salete de lá, daí eles tiveram a ideia de fazer uma capela em homenagem a Salete aqui também", rememora Maria.

Arlindo Zanfonato, filho de José Zanfonato, também nega a relação da construção com o acidente, assim como não foi encontrado nenhuma relação do acidente com o santuário em documentos históricos. Porém, as grandes proximidades geográficas e temporais dos fatos, como a peregrinação dos fiéis desde a década de 1950, fazem muitos acreditarem que a construção do santuário aconteceu devido ao 'milagre do Douglas C-47'. Tendo relação ou não, é fato que o local onde se encontra o santuário foi testemunha de uma história milagrosa.

Próxima parada



Em 1955, o Douglas C-47 deixava Concórdia, rumo a novas missões pelos ares. Porém, esse é apenas um dos grandes feitos e ocorridos com o C-47 - 2041 em questão. Além de ter servido ao vice, Café Filho, transportou também o presidente Getúlio Vargas em diversas oportunidades, como o vice-presidente, João Goulart e, até mesmo, o Príncipe dos Países Baixos, Bernardo de Lipa - Biesterfield em seu tour pelo Brasil. Curiosamente, todas essas viagens aconteceram após o acidente ocorrido em Concórdia, provando a plena capacidade operacional da aeronave.

Notícia de jornal da época tratando da visita do Príncipe dos Países Baixos,
Bernardo de Lipa - Biesterfield em seu tour pelo Brasil
Não há registros qual fim da aeronave C-47 2041. Sabe-se que se encontrava em operação até 1973. Sua última missão foi durante o governo Médici, no dia 30 de dezembro de 1973, quando decolou para Natal (RN), em missão de apoio ao 'COMAR-5'. No dia 12 de março de 1976, a aeronave C-47 - 2041 foi entregue ao Parque de Material Aeronáutico de Lagoa Santa (MG). Segundo o Tenente Gabriel Vernec, do Esquadrão Pégaso - Quinto Esquadrão de Transporte Aéreo, esse foi possivelmente o último destino do avião, onde provavelmente ele foi desativado. Mas uma coisa é certa - sempre ficará registrada nos autos da história como um dos fatos mais relevantes já ocorridos em nossa cidade.

Entrega do C-47 - 2041 ao Parque de Material Aeronáutico de Lagoa Santa
(Esquadrão Pégaso - Quinto Esquadrão de Transporte Aéreo)

Epílogo


Neste mesmo dia, há 69 anos, a jovem e pequena cidade, no auge de seus 20 anos, vivenciou muita comoção nacional, mas também muitas informações desencontradas. Diferentemente do acidente de 1981, não foi localizado junto aos órgãos públicos nenhum relatório oficial do ocorrido. Porém, com o auxílio indispensável e essencial do piloto de aeronaves, Eduardo Pellizzaro, foi possível reconstruir o cenário através de depoimentos, fotos e matérias de jornais da época.


Esse artigo demandou um trabalho de pesquisa extenso que reconstrói mais um dos muitos ocorridos fascinantes que acabam, por vezes, esquecidos ao longo dos anos. Fatos que acabam sendo esquecidos pelas memórias quando os mais antigos partem, mas sempre relembrados pela história.

Por isso, cabe a nós manter a história viva, preservando-a para as futuras gerações.


Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos)

Com informações do site Rádio RuralProdução: Rádio Rural de Concórdia / Texto: Lucas Villiger e Eduardo Pellizzaro / Pesquisa: Lucas Villiger e Eduardo Pellizzaro / Audiovisual: Rafael Biesek / Colaboração: Cláudio Perondi / Colaboração: Tenente Gabriel Vernec // Com informações do site AeroJota - Cmte. José Passarelli // E Aviões e Músicas

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