Diante de uma falha catastrófica ou em emergências extrema a bordo de aviões militares, o último recurso de segurança para pilotos é "cair fora". Na maioria dos casos, usando assentos ejetores, também chamados de assentos ejetáveis.
Projetado para lançar o ocupante rapidamente para longe da aeronave, esse dispositivo aumenta a chance de sobrevivência em situações que costumam ser fatais, como ser atingido por míssil inimigo ou uma falha mecânica. Hoje, é quase impossível existir um caça sem ele, que já salvou milhares de vidas ao longo das últimas décadas.
Histórico
A ideia de um sistema de ejeção nasceu nas primeiras décadas do século 20. Os modelos iniciais tinham conceitos rudimentares em comparação com os atuais, com o paraquedas se abrindo com ar comprimido, mas nada funcional até anos depois.
A necessidade de se ter um sistema para salvar a vida dos pilotos como esse crescia conforme as velocidades e altitudes de voo aumentavam. Chegou ao ponto em que se tornou praticamente impossível abandonar um avião em queda livre apenas saindo dele e saltando com um paraquedas.
Teste de assento ejetor em voo: Dispositivo é usado para salvar vidas em caso de falhas catastróficas em aviões (Imagem: Reprodução/Martin-Baker) |
Foi a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que esse sistema se tornou mais prático e similar aos da atualidade. À época, pilotos que precisavam saltar dos aviões corriam diversos riscos na tentativa, desde amputações devido à força do vento fechando a cabine em seus braços até traumatismos graves ao colidirem com a parte traseira dos aviões durante a tentativa de fuga.
O grande salto aconteceu com o desenvolvimento de um modelo pelo britânico James Martin, cofundador da empresa Martin-Baker. Foi o seu produto que revolucionou o mercado nos anos 40, tornando o assento ejetor um dispositivo eficiente e confiável, amplamente utilizado até os dias atuais.
Nas décadas seguintes, surgiram outros concorrentes para a empresa do Reino Unido, como a Collins Aerospace (ex-Rockwell Collins) e a russa Zvezda, que também inovaram nessa tecnologia.
Como funciona?
De maneira resumida, quando não há alternativa, os pilotos acionam o sistema, que inicia uma sequência de ações. Em linhas gerais, a cobertura da cabine dos pilotos (chamada de canopi) é rompida por meio de explosivos ou pelo próprio assento.
Canopi de um avião militar: cobertura precisa ser quebrada antes do piloto ejetar (Imagem: James Hensley/Força Aérea dos EUA) |
Na sequência, um sistema de propulsão arremessa o piloto para fora da cabine. Por fim, o sistema de paraquedas é acionado automaticamente, já que a pessoa pode ter desmaiado durante o procedimento.
Quantas pessoas já foram ejetadas?
É difícil ter o número exato de pessoas ejetadas, já que não há um registro oficial de todas as vezes em que houve uma ejeção, mas estima-se que mais de 12 mil pilotos já tenham sido salvos por assentos ejetáveis ao longo da história da aviação. Esses dados têm como fonte registros de alguns dos principais fabricantes.
A Martin-Baker tem um contador em seu site que soma 7.732 ejeções apenas com seus dispositivos (veja aqui). O último foi realizado no Brasil (leia mais logo abaixo).
Ali é possível acompanhar quais foram as ejeções, o modelo do assento e de qual aeronave o sistema foi acionado.
Duas ejeções no Brasil recentemente
Aeronave da FAB caiu no interior de São Paulo no começo de novembro, mas a piloto sobreviveu após ejetar (Imagem: Reprodução de vídeo) |
O piloto de um caça F-5, que apresentou problemas nos motores durante o voo, acionou o dispositivo que o lançou em segurança para fora da cabine. Antes, o avião havia sido direcionado para uma área desabitada.
No começo de novembro, uma cadete da Força Aérea Brasileira precisou usar o sistema após o avião em que estava, um Embraer T-27 Tucano, colidir com outro no ar. A outra aeronave conseguiu pousar em segurança, mas o avião da militar não conseguiu, e ela precisou ejetar.
Após ser ejetada, ela ficou desacordada devido à força com que o procedimento é realizado. A cadete foi resgatada e levada para um hospital para em seguida para passar por exames.
'Clube dos Ejetados'
A Martin-Baker possui o Tie Club (Clube da Gravata), uma espécie de "Clube dos Ejetados", que mantém como associados aqueles que usaram o sistema da empresa para sair de aeronaves. Ele conta com mais de 6.000 participantes, que, ao se inscreverem, recebem:
- Certificado
- Cartão numerado de membro
- Gravata alusiva
- Prendedor de gravata
- Emblema de tecido
Direito de comprar o relógio Bremont MBI Exclusive Ejectee, que apenas quem já foi ejetado em um dos assentos da Martin-Baker pode adquirir
O "agraciado" ainda pode enviar sua história para a empresa, que disponibiliza o relato publicamente. Esse clube é composto por diversos brasileiros, entre eles o militar André Ricardo Moreira, ejetado de número 6.139 da fabricante.
André Ricardo Moreira em avião de treinamento da FAB (Força Aérea Brasileira): Ele sobreviveu a uma ejeção após falha na aeronave em que voava (Imagem: Reprodução/Martin-Baker) |
Ele conta que precisou ejetar durante um voo realizado em 2007 na Academia da Força Aérea, órgão da Aeronáutica na cidade de Pirassununga, no interior de São Paulo. Após um voo de teste, o avião teve uma falha no motor, e precisou ejetar a 400 metros da pista. Ele saiu sem nenhum ferimento do acidente.
Curiosidades
Assento ejetor: Mecanismo é montado em uma cabine de teste e acelerado em trilhos para atingir velocidades extremas antes de ser aprovado (Imagem: Reprodução/Martin-Baker) |
- Caso o canopi não seja quebrado na ejeção, o piloto pode se chocar contra a estrutura e até mesmo ficar preso do lado de dentro.
- Alguns aviões contam com um sistema que ejeta a cabine inteira, e não apenas o piloto em seu assento.
- Militares dos EUA testaram um sistema em que o piloto era liberado pela parte de baixo da aeronave, mas ele não prosperou.
- Após ser lançado para fora, o piloto pode continuar preso ao assento ou ser solto dele, caindo sozinho com seu paraquedas, que abre automaticamente em direção ao solo.
- No momento da ejeção, é possível que o piloto desmaie, já que a força exercida é muito grande, podendo diminuir a concentração do sangue no cérebro e levar a pessoa a "apagar".
- A força de uma ejeção pode chegar a 25 vezes a força da gravidade. Isso garante que o piloto seja arremessado rapidamente para longe da aeronave e em segurança.
- Alguns desses sistemas só podem ser acionados a uma certa altitude, com o piloto ainda em voo. Caso seja acionado do solo ou em baixa altitude, o paraquedas pode não abrir a tempo.
- Em 2016, um caça F-5 pousou sozinho no Rio de Janeiro após os pilotos ejetarem. A aeronave foi recuperada sem grandes danos estruturais, mas acabou não sendo consertada e foi leiloada este ano como sucata pela FAB.
- Um assento ejetor da Martin-Baker pode custar cerca de R$ 1,5 milhão e é completamente inutilizado após seu uso.
- Pilotos que ejetam podem ficar mais baixos devido à compressão dos discos da coluna vertebral.
- Cada pessoa pode suportar apenas um número pequeno de ejeções (muitas vezes, não passa de duas), devido às forças extremas às quais o corpo é submetido nessas situações.
- Um estudo de 2015 apontou que a chance de sobreviver a um acidente aéreo em caso de ejeção é de 90%. Em comparação, nos casos em que não foi feita a ejeção, essa porcentagem caiu para 35%.
Via Alexandre Saconi (Todos a Bordo/UOL) - Fontes: Collins Aerospace, Martin-Baker, Air Force Magazine, Força Aérea dos EUA, entre outras.
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