Viva Air, a colombiana de baixo custo que iniciou suas operações no fim de junho de 2022 no Brasil: País está preparado para as low costs? (Imagem: Divulgação/Viva Air) |
Diversas mudanças recentes na legislação brasileira buscaram atrair novas aéreas para o Brasil e aumentar a concorrência. Desde a abertura para empresas com capital 100% estrangeiro operarem dentro do país até a flexibilização de regras para que novas companhias passassem a voar por aqui, o setor passou por uma série de mudanças nos últimos anos.
Entre as principais novidades, está a chegada de empresas low cost, que oferecem preços mais baixos para os clientes. Isso ocorreu a partir de flexibilizações que ampliaram a liberdade de atuação e a observância de padrões internacionais, como a recém-aprovada MP do Voo Simples.
Entretanto, será que o país está preparado para receber esse tipo de empresa que oferece voos mais baratos?
Tudo é cobrado à parte
Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, um dos principais entraves para a aceitação dessas companhias pode estar na questão cultural. Há o consenso de que há mercado para a expansão do setor de aviação, mas o brasileiro não está acostumado com o tipo de serviço prestado pelas low costs, e pode confundi-lo com o tipo de voo realizado por empresas no modelo tradicional.
Para baratear o valor da passagem, companhias do tipo comercializam o máximo possível de rendas auxiliares além do bilhete em si, como o despacho de bagagem, marcação de assentos, check-in presencial, entre outras. Com isso, o valor da passagem fica realmente mais baixo, e os penduricalhos aumentam a receita das companhias.
Para Neil Montgomery, advogado especialista em direito aeronáutico e fundador do escritório Montgomery e Associados, as empresas têm trabalhado para explicar melhor ao público como o modelo funciona.
Isso inclui o investimento em campanhas de marketing em redes sociais nas quais as companhias mostram como o modelo funciona de fato, distanciando sua imagem dos modelos tradicionais.
O passageiro brasileiro espera uma viagem de primeira classe pagando o mínimo possível. A entrada das low costs e ultra low costs ainda terá de passar por uma adaptação cultural [quanto aos viajantes], pois o que elas fazem, literalmente, é levar o passageiro do ponto A ao ponto B pelo menor preço possível, sem adendos, declarou Neil Montgomery, advogado.
País está preparado
Francisco Lalinde, diretor operacional da low cost colombiana Viva Air, diz que o Brasil e toda a região têm capacidade para receber esse modelo de transporte.
"O mercado da América Latina, como um todo, está preparado para receber as empresas low cost e ultra low cost. Trabalhamos com a importância do planejamento para que a viagem seja realmente de baixo custo", diz o executivo.
A empresa, que iniciou as operações no Brasil em junho deste ano, investe para explicar aos passageiros como funciona o modelo das low costs.
"É uma questão de comunicação e educação para compreender o modelo e poder obter o máximo de vantagens possíveis dele. Oferecemos um cardápio de produtos. O prato básico é a passagem e a mochila, e os demais itens você pode escolher de acordo com o que você precisar para a sua viagem", diz Lalinde.
O executivo continua: "Assim como a alimentação, os serviços são mais caros no aeroporto do que em casa. A compra de bagagem online, de maneira antecipada, oferece um desconto de 40%, por exemplo. No aeroporto, isso não ocorre. O passageiro, planejando bem a viagem, a torna, de fato, de baixo custo".
Espaço para crescer
Ricardo Fenelon Jr., advogado especialista em direito aeronáutico e ex-diretor da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), também entende que o Brasil está preparado para essas empresas, mas ainda há desafios a serem enfrentados.
Eu entendo que, sim, o passageiro, obviamente, está preparado para ter uma empresa que é mais agressiva nas tarifas, oferecendo custos menores, disse Ricardo Fenelon Jr..
O Brasil ainda conta com um enorme capacidade de crescimento do setor aéreo, tanto pelo seu espaço territorial quanto pela quantidade de pessoas que ainda não voam.
"Quando comparamos o número de habitantes e de pessoas que voam nos Estados Unidos e no Brasil, fica visível o tamanho do potencial de crescimento para o setor por aqui. O espaço para ampliar a quantidade de pessoas voando é muito significativo, e isso, obviamente, depende de tarifas mais baixas para que mais pessoas tenham acesso ao transporte aéreo", declara Fenelon.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 10,2% das viagens realizadas em 2021 no país foram feitas de avião. No mesmo período, cerca de 57,2% foram em carro particular ou de empresas e 12,5% em ônibus de linha, por exemplo.
"A questão é o desafio que hoje existe para essas empresas operarem no Brasil. Apesar de os órgãos reguladores estarem muito atentos a isso e trabalharem para aumentar a concorrência no país, nós, infelizmente, ainda temos custos estruturais muito relevantes", diz o advogado.
Entre esses custos, destaca Fenelon, estão os preços elevados dos combustíveis, o alto índice de judicialização e a insegurança jurídica no país. "Essas empresas ainda não vieram para o Brasil justamente por causa desses custos estruturais", afirma o especialista.
Low costs no Brasil
O primeiro voo de uma low cost estrangeira no Brasil aconteceu em 2018, com a vinda da Sky Airline após sua reformulação no mercado chileno. Um dos fatores que teria tornado o país mais atrativo foi o fim da gratuidade no despacho de bagagens, aprovado no ano anterior.
Atualmente, existem quatro empresas do ramo operando por aqui:
- Flybondi (Argentina)
- JetSmart (Chile)
- Sky Airline (Chile)
- Viva Air (Colômbia)
O serviço prestado por elas possui algumas diferenças fundamentais em comparação com outras empresas de modelo tradicional. Entre eles, estão maior quantidade de passageiros a bordo, menor espaço para as pernas, proibição de levar malas a bordo sem pagar (costuma ser permitida apenas uma mochila), e cobrança por todo serviço que não seja o bilhete em si, como marcação de assento, despacho, check-in e alimentação.
Ainda viriam para o Brasil nos últimos anos a Avian e a Norwegian, mas ambas empresas desistiram após reformulações internas em seus grupos controladores.
Atrativos e desvantagens do modelo
A advogada Larissa Paganelli, especialista em direito aeronáutico do Montgomery e Associados, elenca os principais atrativos e desvantagens para as empresas:
Atrativos
- Brasileiro viaja bastante
- Malha aérea brasileira é enorme e ainda pouco explorada
- Potencial da aviação regional e recente incentivo na melhoria de aeroportos mais periféricos, que tendem a praticar tarifas mais baratas
- Polos estudantis e industriais bem definidos e também com rotas poucos exploradas para tais regiões
Desvantagens
- A judicialização pode ser entendida como um problema em razão das estatísticas ainda mostrarem um alto número de demandas dos passageiros e da falta de conhecimento dos viajantes sobre as regras desse modelo
- A insegurança jurídica, ou seja, alteração e criação de novas regras. Como exemplo, há a discussão sobre a volta da gratuidade da bagagem, que foi incluída da noite para o dia na redação da MP do Voo Simples convertida em lei recentemente, mas que teve parte vetada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL)
- Não observância de convenções e tratados internacionais pelas decisões judiciais que regem o transporte aéreo
- Altos custos em aeroportos e com fornecedores e empresas de apoio operacional no Brasil, eventuais riscos trabalhistas e complexidade do sistema fiscal
Via Alexandre Saconi (UOL)
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