quinta-feira, 26 de maio de 2022

Americanos procuram avião que caiu na Tailândia durante 2ª Guerra Mundial

Sao Yotkantha tinha dez anos de idade e estava ajudando seu pai no arrozal quando ouviu o estrondo de uma aeronave. Olhou para o alto e viu um avião bimotor caindo a menos de um quilômetro de distância e explodindo em chamas. Era a Segunda Guerra Mundial, e a queda do veículos americano foi o maior acontecimento da história do pequeno vilarejo de Baan Mae Kua, no norte da Tailândia.

"Ouvi um som de rugido e vi um barco voador, que é como os tailandeses chamavam os aviões naquela época", contou Sao, que hoje tem 87 anos. "Estava muito perto de nós. Não se parecia com nenhum outro som que eu já tivesse ouvido antes. Vi o avião caindo."

Trabalhadores escavam em busca de destroços de avião americano que caiu na Tailândia
durante a 2ª Guerra Mundial (Foto: Lauren DeCicca/The New York Times)
A aeronave, um P-38 Lightning, estava numa missão de reconhecimento, sobrevoando a Tailândia e a Birmânia –atual Mianmar—, quando provavelmente foi atingido por um relâmpago e caiu do céu. Uma chuva pesada apagou as chamas.

Sao e seu pai correram para ver o desastre, mas a única coisa que restara do piloto era seu tronco. Sao contou que foi a primeira vez que ele viu um estrangeiro e que ficou intrigado com o cabelo ruivo aloirado do homem.

Em março, 77 anos depois, em mais um acontecimento importante para a pequena comunidade, uma equipe das Forças Armadas americanas chegou para escavar o provável local da queda do avião, na província de Lampang, na esperança de conseguir encontrar restos humanos suficientes do piloto para confirmar sua identidade.

Nove americanos do Exército, da Força Aérea e da Marinha, além de profissionais civis, trabalharam ao lado de 30 tailandeses contratados no vilarejo para converter o local numa escavação arqueológica. Antes de concluir a escavação, em abril, encontraram fragmentos que certamente pertenceram a uma aeronave americana e pedacinhos de algo que talvez seja um osso humano.

Uma placa metálica encontrada dizia "Corpo Aéreo do Exército", um precursor da Força Aérea. Um pedaço de outra placa trazia as inscrições "Aviation Corporation" e "New York, N.Y.", mas não oferece outras pistas.

"Estou muito esperançosa", disse a arqueóloga civil Mindy Simonson, que supervisionou a escavação. "As coisas que encontramos até agora são todos bons indícios."

A busca pelos restos mortais do piloto faz parte de um esforço dos Estados Unidos para recuperar os restos de militares desaparecidos e cumprir a promessa das Forças Armadas de trazer todos para casa. Mais de 72 mil pessoas constam como desaparecidas em conflitos no exterior, principalmente na Segunda Guerra Mundial.

Sao Yotkantha, 87, testemunhou a queda de um avião americano na Tailândia durante a
2ª Guerra Mundial (Foto: Lauren DeCicca/The New York Times)
Cabe ao órgão sediado no Havaí Defense POW/MIA Accounting Agency (agência do Departamento de Defesa que localiza prisioneiros de guerra e desaparecidos em ação militar) identificar o último local onde uma pessoa desaparecida foi vista, conduzir escavações e identificar restos mortais. O processo pode levar anos. Com orçamento anual de US$ 131 milhões (R$ 633 milhões), a agência já identificou mais de 1.200 militares desaparecidos desde 2015.

Com sua cauda dupla característica, o P-38 caiu em 5 de novembro de 1944 numa área florestada ao lado de Baan Mae Kua. O vilarejo tinha apenas algumas centenas de habitantes. Não tinha eletricidade, e nenhum dos moradores possuía carro ou motocicleta. A escola local só chegava até a terceira série porque não havia professor disponível para a quarta série.

Metal era uma sucata valiosa, e por isso os moradores da vila levaram a maior parte dos destroços do avião embora em carroças puxadas por búfalos. Não ficou claro o que foi feito com o tronco do piloto.

O local da queda do avião acabou virando um arrozal. Os habitantes mais velhos da vila o chamam de Campo do Tronco do Defunto; os mais jovens começaram a chamá-lo de Campo do Avião Caído.

Desde a guerra o vilarejo se modernizou, mas a vida não mudou muito. Hoje, Baan Mae Kua tem 2.000 habitantes. Eles cultivam arroz e mandioca e criam gado. Muitas das famílias vivem no vilarejo há gerações.

Fragmento de metal tem as inscrições das palavras "Aviation Corporation" e "New York"
(Foto: Lauren DeCicca/The New York Times)
Casas térreas ou sobrados se escondem atrás de muros de blocos de concreto enfileiradas ao lado de ruelas estreitas. Nos quintais veem-se bananeiras, mamoeiros, mangueiras e tamarineiros. Hoje em dia a escola da vila vai até a sexta série, e há uma escola secundária a oito quilômetros de distância. Alguns estudantes chegam a fazer faculdade e depois voltam como professores.

Os moradores mais velhos de Baan Mae Kua dizem que cresceram ouvindo histórias sobre o avião americano. "Ouço falar desse avião desde que me conheço por gente", contou Bai Norkaew, uma das moradoras da vila que recebeu US$ 12 (R$ 58) por dia para ajudar a escavar o sítio.

Com a ajuda de um detector de metais, a equipe plantou centenas de bandeirinhas brancas no solo para assinalar os pontos onde possivelmente havia destroços do avião. A escavação revelou variações nas camadas do solo, indicando uma cratera de impacto. Usando água para peneirar a argila densa, a equipe procurou pedaços de metal, vidro ou osso, por menores que fossem, talvez oriundas de um aparelho caído. A temperatura passou dos 38 graus celsius em alguns momentos.

Usando uma camiseta cinzenta enrolada na cabeça, deixando apenas seus olhos à vista, Bai, que tem 70 anos, estava contente por ter trabalho. "Ainda estou forte", disse ela.

Bandeirinhas brancas fincadas no solo para assinalar pontos onde possivelmente havia
destroços de avião (Foto: Lauren DeCicca/The New York Times)
A diária que estava recebendo era melhor que os US$ 9 (R$ 43) por dia que ela ganha para trabalhar nas plantações de mandioca, e o mesmo se aplica às condições de trabalho, com intervalos para descanso de hora em hora e uma carga de trabalho diária menor. Além disso, Bai gostou de poder fazer uma boa ação para o defunto. "Faz sentido de um jeito tailandês tradicional", explicou. "Recuperar o corpo para conquistar mérito e criar bom carma para o piloto."

O piloto que teria caído tinha a reputação de correr riscos desnecessários. O historiador Daniel Jackson escreveu em seu livro "Fallen Tigers", de 2021, que o piloto, surpreendido por uma tempestade, talvez estivesse voando em baixa altitude para melhor fotografar alvos inimigos.

O local da queda do avião era muito conhecido pelos moradores da vila, mas só chegou ao conhecimento da agência americana em 2018 graças a três aficionados por história: Daniel Jackson; Hak Hakanson, americano residente na Tailândia, e o marechal aposentado da Força Aérea Sakpinit Promthep, historiador do Museu da Real Força Aérea Tailandesa.

Na semana passada, a agência promoveu uma cerimônia de repatriação na base aérea de Utapao, antes de enviar os objetos recuperados na escavação para seu laboratório no Havaí. A agência disse que a confirmação da identidade do piloto vai exigir uma análise detalhada e pode levar meses.

"É bom saber que há pedaços de um avião americano aqui", disse o capitão Jenavee Viernes, da Força Aérea, que dirigiu a operação de busca. "Mas ainda não sabemos se é o avião que estamos procurando."

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