Simulação de saída de túnel com ponte sobre o Rio Paraíba do Sul, em trecho de serra no Rio
Por mais tentador que seja sair da zona norte de São Paulo às 8 horas de um típico domingo cinzento paulistano e chegar pontualmente às 9h33 ao centro ensolarado do Rio, a ideia ainda não passa de um sonho sem prazo para se concretizar - e mais importante, sem garantia nenhuma de realmente acontecer. Além de entraves ambientais, problemas de logística e desapropriações, definição de quem vai arcar com o valor mínimo de R$ 68 milhões por quilômetro construído e toda a sorte de aspectos legais, o projeto do trem de alta velocidade (TAV) que pretende unir Campinas e Rio por trilhos e túneis, até a Copa de 2014, vai esbarrar também numa questão histórica - nunca, em todo o mundo, levando em conta os projetos de trem-bala, foi construído algo parecido em menos de cinco anos e meio.
A análise das mais de mil páginas do relatório da Halcrow Group - empresa inglesa líder do consórcio encarregado do estudo de viabilidade do trem-bala - mostra outras informações que não batem com a viabilidade do projeto até 2014. O TAV teria no mínimo 100 quilômetros de túneis - o metrô de São Paulo tem até hoje 62. Nos bastidores, o governo federal, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), já começa a assumir que o prazo de 2014 é realmente apenas um sonho - a mudança de discurso se tornou mais evidente depois que várias prefeituras de cidades por onde o trem-bala vai passar enviaram reclamações sobre o traçado. Já no governo de São Paulo se fala que, se o projeto começar, o único trecho viável num futuro próximo seria entre Campinas e a capital.
O lado político é um fator que não aparece no estudo do Halcrow Group, mas que ajuda a explicar a fixação com a ideia. Um lobby formado pelas empresas internacionais de tecnologia para trens de alta velocidade e também de empreiteiras nacionais levou o governo federal a lançar o projeto do trem-bala. A ação é integrada por 22 grandes empresas, como Alstom, Siemens e Bombardier, entre outras, que constituíram em 2006 a Agência de Desenvolvimento do Trem Rápido entre Municípios (AD-Trem).
Essa organização foi dissolvida em setembro do ano passado, depois da certeza de que o projeto havia sido incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "A nossa ideia era fechar a agência em 2008 mesmo. Ela foi criada para motivar o governo a desenvolver o projeto", explicou Guilherme Quintela, presidente da extinta AD-Trem. "Há condições de concluir toda a via em cinco anos, mas é possível que o trecho entre Campinas, São Paulo e São José dos Campos possa ser o primeiro a entrar em operação."
Contrapartida para a concessão é de até R$ 6 bi
Um entrave para que o trem de alta velocidade (TAV) saia do papel é a definição de quem vai arcar com os custos referentes à obra civil. O modelo econômico-financeiro em debate aponta que o governo deve custear 20% dos R$ 34,6 bilhões orçados para implementação. Esse porcentual equivale à compra dos trens e do sistema de operação. Os 80% restantes seriam financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas o consórcio que ganhar a licitação terá uma contrapartida de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões.
As empresas entendem que há necessidade de inclusão de um banco no modelo econômico-financeiro. Os consórcios deverão fazer parte da composição de uma sociedade de propósito específico (SPE) a ser criada para gerir o trem-bala. Isso significa que o vencedor, além de construir e operar, deverá manter o projeto como acionista.
As empresas que querem participar da concorrência são Alstom (França), Mitsubishi, Kawasaki, Toshiba e Hitachi (Japão), Ansaldo Breda (Itália), Hyundai (Coreia do Sul) e Voith Siemens (Alemanha). O governo federal deverá criar uma empresa estatal para gerenciar o processo de instalação do TAV. Projeto de lei que cria a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav) será encaminhado ao Congresso Nacional. Enquanto o modelo não fica pronto, Rio, São Paulo, São José dos Campos, Jundiaí e Campinas já avisaram que querem alterações para evitar danos ambientais e segmentação de bairros e áreas rurais. Como resultado houve adiamento do edital de licitação de escolha do consórcio que construirá o TAV, uma vez que a consulta pública da ANTT deveria se encerrar na semana passada e seguirá até 15 de setembro.
O governo federal ainda espera que o projeto do TAV não fique restrito entre São Paulo e Rio. O objetivo é criar linhas entre São Paulo e Belo Horizonte e São Paulo e Curitiba. Estudos mostram que nos percursos de até 150 quilômetros o automóvel é viável como meio de transporte. Até 600 quilômetros de distância, o TAV se torna economicamente bom. E acima dessa distância o avião tem o melhor custo-benefício, segundo José Geraldo Baião, presidente da Associação de Engenheiros e Arquitetos de Metrô de São Paulo (Aeamesp). Ministério dos Transportes e ANTT só se pronunciarão ao fim da consulta pública.
Professor questiona sistema de roda escolhido, em vez de suporte magnético
A justificativa apresentada pelas empresas Halcrow (inglesa) e Sinergia (brasileira) para "desconsiderar" a tecnologia de Levitação Magnética (MagLev) nos estudos do TAV é "incoerente" para o engenheiro eletricista Richard Stephan, professor titular da Universidade Federal do Rio (UFRJ).
O projeto encomendado às empresas de consultoria, disponível no site da ANTT, apresenta um comparativo entre as tecnologias MagLev e roda-trilho, escolhida para o trem-bala. Segundo o texto, as vantagens do MagLev são: alta aceleração e desaceleração (o que permitiria paradas com menor comprometimento do tempo total de percurso); baixo ruído e impacto ambiental; alta capacidade e traçados que podem evitar áreas ambientalmente sensíveis e reduzir comprimentos de túneis e pontes. As desvantagens: limitações operacionais da construção de linhas de traslado; dificuldade de conectividade; custo de capital e exigência de vias elevadas ou longos túneis para os quais não há experiência de serviço.
O relatório também aponta que um trem MagLev pode seguir traçados muito mais íngremes e perfazer curvas mais fechadas. E conclui: "Um traçado MagLev seria completamente diferente para um TAV com roda-trilho e necessitaria um procedimento diferente para aprovação de projeto e planejamento. Por essas razões, Maglev não foi ativamente considerado no desenvolvimento do TAV."
Stephan afirma que a tecnologia preterida tem outras vantagens, além daquelas apresentadas no relatório, como menor consumo de energia e manutenção mais simples. Em relação às desvantagens, o engenheiro afirma que a primeira delas, a limitação para equipamentos de mudança de via, não se justifica. Para Stephan, "evidentemente pode-se concluir que o traçado para o MagLev seria extremamente favorável". "Não cabe privilegiar a tecnologia roda-trilho, como concluiu o relatório Sinergia-Halcrow, uma vez que estaríamos comprando o obsoleto", afirma ele.
Fontes: Eduardo Reina e Rodrigo Brancatelli (O Estado de S. Paulo) / Felipe Werneck
Nenhum comentário:
Postar um comentário