terça-feira, 14 de julho de 2009

Família argentina perdida vive há duas semanas no aeroporto Tom Jobim

O endereço da família Sava, na maior parte dos 34 últimos dias, tem sido o Aeroporto Internacional Tom Jobim (foto). Lá eles dormem, banham-se, almoçam, jantam e tomam café da manhã. À noite, Liliana Edith Sava, 43 anos, lava a roupa das filhas Elizabeth Guadalupe Sava, 6 anos, Bianca Carolina Sava, 4 e Johana Elena Sava, 2, na pia dos banheiros, e as pendura debaixo das mesas da praça de alimentação. As maiores, ela estica sobre os carrinhos usados para carregar malas. Tudo é feito com muita discrição, para não interferir no dia a dia do lugar.

– De manhã já estão secas – garante Liliana.

Elas, Carlos Ignacio Chavez, 49 anos, o pai das crianças, e Edith Noemi Villanueva, 49 anos, irmã dele, esperam uma solução, que não fazem ideia de onde poderá vir, para voltar para casa, no Panamá. Chegaram ao Rio no dia 11 de junho, dia de Corpus Christi, vindos de uma atribuladíssima viagem de ônibus de Buenos Aires. Quatro dias após a decolagem do voo. Não adiantaria nada se tivessem sido pontuais. No Galeão, descobriram que a passagem reservada por uma amiga não havia sido paga. E o dinheiro que tinham havia sido gasto no trajeto até o Rio.

– Chegamos por volta de 11h. Tivemos que esperar até as 2h para o guichê da companhia aérea abrir – lembra Carlos.

Ligaram para todos que conheciam para pedir ajuda em dinheiro. Enquanto o auxílio não vinha, um amigo panamenho pagou, com cartão de crédito, quatro dias de hospedagem e alimentação em um hotel da Praça Tiradentes, no Centro. Foi providencial. Neste período puderam tratar da gripe da caçula. Terminada a estada por falta de dinheiro, ligaram para o consulado da Argentina. Foram informados de que só poderiam receber passagens de ônibus para retornar a Buenos Aires.

– Não temos casa nem emprego em Buenos Aires. O consulado nos deu R$ 50 e um saco com pacotes de fraldas – contou Carlos.

Com o dinheiro, a família foi a um supermercado da Ilha do Governador comprar leite, pão e queijo. Liliana achou tudo muito caro no Galeão. Na mesma quadra do supermercado, havia uma igreja evangélica. Resolveram bater à porta e pedir ajuda. Os fiéis condoeram-se da situação dos Savas. Principalmente Buchecha (que compunha com o morto Claudinho uma dupla de funk melody), que lhes comprou sacolas e mais sacolas de alimentos e ainda pagou quatro dias de hospedagem em um hotel da Praia da Bica, na Ilha.

– Ficamos esperando para ver se nossos amigos conseguiam reunir dinheiro para nossa volta. Mas não deu e tivemos que voltar para o Galeão – lamentou Liliana. – Procuramos ser discretos pra não incomodar ninguém. Não queremos ser expulsos para rua. Aqui pelo menos é seguro.

Mas a situação dos Savas era tão difícil, que permitiram que usassem as dependências do aeroporto enquanto não a resolviam. Usavam o berçário para dar banho nas crianças com uma ducha de mão. Quando terminavam, os adultos se viravam como podiam para se lavar. Em uma das vezes que entrou no banheiro para lavar o rosto, Carlos teve o celular, que deixara em cima do cesto de lixo, roubado.

– Fomos a um departamento de assistência social da prefeitura, no Centro. Encontramos Jaime e Cida, duas pessoas de coração muito grande – relatou Liliana. – Eles fizeram contato com consulados e conseguiram um abrigo para nós na Praça da Bandeira. Mas achamos perigoso ficar lá com as crianças.

Voltaram, então, para as mesas da praça de alimentação, vizinhas a um salão de beleza, cujas funcionárias se encantaram pelas três despachadíssimas crianças. Contaram a história para uma cliente do salão, que trabalha no aeroporto. Ela decidiu que levaria todos para casa.

Nesta terça-feira, a família Sava ainda não sabia onde iria passar a noite. Tinham uma promessa de abrigo na casa de alguém, na Ilha do Governador. Agora esperam por uma resposta para ver se podem viajar em um avião da FAB para Boa Vista. De lá, um amigo os levaria de carro à Venezuela. Depois? Não sabem.

– Não conhecemos o Corcovado, o Pão de Açúcar nem as praias – conta Liliana. – Mas deu para conhecer o coração do carioca. E ele é muito bom.

Fonte: Carlos Braga e Vasconcelo Quadros (Jornal do Brasil)




O outro lado da história

O Consulado da Argentina divulgou nota alegando que ofereceu passagens aéreas para a família ir para a Argentina, porém os responsáveis não teriam comparecido na data acertada para o acordo. O Consulado também informou que ofereceu hospedagem, o que foi negado, além de dinheiro e fraldas para a família.

Ainda de acordo com o Consulado, a família não teria residência legal no Panamá e teria permanecido no país com a ajuda da Embaixada da Argentina no Panamá, além de algumas entidades panamenhas.

De acordo com a Secretaria de Assistência Social do Rio, a família se recusou a ficar em abrigos da Prefeitura, para onde foi encaminhada quando entrou em contato com o órgão. Liliana teria considerado mais seguro ficar no aeroporto.

PM sensibilizado

Desde quinta-feira (2), o PM José Walber dos Santos e a sua mulher, que é funcionária do aeroporto, se sensibilizaram com a história e levaram a família para dormir em um hotel próximo ao Galeão.

“Eu estava levando eles para um hotel, minha mulher fazia compra de supermercado e a gente levava eles de volta para o aeroporto durante o dia. Eles passaram o fim de semana com a minha família e fizemos churrasco, para aliviar um pouco o estresse deles. Na terça um amigo nosso disponibilizou a casa para eles dormirem, mas durante o dia eles continuam no aeroporto”, afirmou o PM.

De acordo com Walber, eles não estão conseguindo êxito com as autoridades para solucionar o problema, porém há uma esperança através da mulher dele, que trabalha na companhia aérea TAM. Ela teria direito a três passagens e iria pedir aos amigos da companhia para também cederem as passagens fornecidas pela empresa. Nesta quinta-feira (16) eles esperam algum retorno da TAM.

Entenda o caso

De acordo com o relato do PM e dos funcionários do Galeão, Liliana teria ido para Buenos Aires no fim de 2008, com toda a família, para visitar o pai dela, que teria sofrido um AVC (acidente vascular cerebral). O estado de saúde do pai teria se agravado e a família precisou permanecer mais tempo na capital argentina. O casal teria esgotado toda a reserva financeira destinada à compra das passagens de volta.

Segundo Walber, eles decidiram vir para o Rio de Janeiro porque a passagem do Rio para o Panamá teria um custo mais baixo do que se eles partissem de Buenos Aires. Uma amiga da família teria comprado as seis passagens com saída do Rio. A família, já sem dinheiro, teria feito baldeações de ônibus para chegar de Buenos Aires ao Rio, o que atrasou em quatro dias a chegada na cidade carioca. Eles teriam perdido o vôo e a amiga teria resgatado o dinheiro e desistido de pagar novamente.

Fonte: Carolina Lauriano (G1) - Atualizado em 15/07/09 às 23:31 hs.

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