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(Foto: Carlos Pedretti/VOCÊ S/A) |
Suiam Maritê nasceu em Nova Araçá, uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul com menos de 5 mil habitantes. Seu primeiro contato com a aviação aconteceu ainda na infância, quando a passagem de uma aeronave no céu da cidade se tornava uma atração para a menina, que corria animada para a rua com seu irmão mais novo para observar o voo.
No ensino médio, ela aprendeu a profissão ao ler um anúncio sobre as faculdades da região, que incluía o curso de Ciências Aeronáuticas. Suiam comentou com uma amiga, que disse que seu primo estava aprendendo a pilotar. “Eu pensei 'alguém comum, de família simples do interior, vai ser piloto? Ué, por que eu não posso também?'”, Relembra. Foi quando decidiu seguir uma carreira.
No começo, enfrentou uma certa resistência - seu pai chegou a dizer que “nunca viu menina ser piloto”. “Tu nunca viu. Mas agora vai ver”, ela respondeu.
E viu. Suiam serviço um aeroclube de uma cidade vizinha para aulas teóricas. “Só que eu olhei e penso: 'mas são esses aviõezinhos?''', Recorda, se referindo aos monomotores do local. “Eu falei: 'Não, eu quero voar um jato com 150 passageiros.''' Mas, como tudo começa do começo, ela seguiu nas aulas - e, aos 18 anos, fez seu primeiro voo solo.
O início para quem quer virar piloto vem um pouco antes, na verdade.
O caminho das pedras
O primeiro passo é procurar um aeroclube ou uma escola de aviação reconhecida pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). É lá que você vai ter as aulas necessárias para passar em uma prova teórica da Anac para aspirantes a piloto. Só depois de aprovado nela, dá para sonhar em voar (também dá para estudar por conta própria, se você for o rei do autodidatismo).
Você ainda precisa tirar o CMA - Certificado Médico Aeronáutico. Caso você seja daltônico, tenha problemas cardíacos, pulmonares ou alguma deficiência auditiva, pode não ter o seu.
E agora vem a parte mais complexa: acumular no mínimo 35 horas de voo numa escola de aviação, como fez Suiam. A partir daí, você pode obter a licença de Piloto Privado (PP).
Essa habilitação, porém, não permite o trabalho remunerado. Para isso, é preciso voltar à sala de aula por cerca de três meses e repetir o processo de aprendizado teórico, desta vez de forma mais profunda, e passar novamente pela prova da Anac. Após acumular 150 horas de voo, o piloto pode ser avaliado novamente pela agência para tirar finalmente a licença de Piloto Comercial (PC).
O processo custa caro, já que o preço da hora de voo (ainda que varie bastante regionalmente) sai por umas boas centenas de reais cada uma. Em média, para ter todas as horas necessárias e cobrir outros custos, você vai desembolsar entre R $ 120 milhões e R $ 130 milhões, segundo Josué de Andrade, diretor da EJ - Escola de Aeronáutica Civil.
A partir daí, você teoricamente já vai estar habilitado para trabalhar. Mas na prática a teoria é outra: as grandes companhias aéreas mais requisitos para contratar profissionais do manche: inglês avançado, preferência por ensino superior em Ciências Aeronáuticas e uma quantidade maior de horas de voo. Ela varia de empresa para empresa - 200 na Azul, 250 na Gol e 500 na Latam, por exemplo.
Para acumular essas horas todas, é comum iniciar a carreira na área de táxi aéreo ou se tornar instrutor - caminhos que geralmente não obtêm horas de voo para além da licença de piloto comercial e permissão o acúmulo de experiência. Vale tudo, na verdade: pilotar avião que puxa faixa na praia, pulverizar plantação… O que interessa é juntar horas. Quanto mais você tiver, melhor para o currículo.
Para as grandes companhias aéreas, o conhecimento técnico na área é, obviamente, indispensável. Mas não é tudo. Essas empresas procuram profissionais com perfil organizado, centrado, e, principalmente, de boa liderança - afinal, o piloto é, por lei, uma autoridade maior dentro da aeronave e responsável pela segurança e bem-estar de todos. “Um piloto precisa ter uma liderança para tomar a decisão junto com a equipe. Tem de entendre o que se passa sem ser autoritário”, diz Josué.
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(Foto: Carlos Pedretti/VOCÊ S/A) |
A saga de Suiam
Depois de tirar sua licença de piloto comercial, Suiam entrou no curso de Ciências Aeronáuticas pela PUC-RS, onde estudou por três anos até se formar em 2006. Nesse ano, um jovem se encontrou aquela situação comum a muitos pilotos: “Eu tinha tudo, menos [uma boa quantidade de] horas de voo”, relembra. Suiam decidiu procurar emprego em táxi aéreo, mas a busca não foi exatamente fácil. “Eu penso: onde é que mais forma piloto? No Sul e no Sudeste. Então, vou ter que ir para os lugares onde mais tem avião e menos tem piloto. Eu vou para o Norte ou Nordeste.”
Foi enviando currículo para empresas aéreas regionais nesses Estados que ela conseguiu uma oferta - em Marabá, um município no interior do Pará. “Quando eu olhei no mapa e percebi que estava indo para um lugar muito longe, caiu a ficha e começou a bater um desespero”, conta.
Mas ela topou o desafio: foram 24 horas só de transporte até chegar a Marabá, onde ficaria por dez meses adquirindo experiência e somando boas horas de voo. Depois, voltou para o Rio Grande do Sul e conseguiu mais um emprego em táxi aéreo. Ficou por seis meses. E voilà: experiência conseguiu suficiente para ser chamada pela Tam (atual Latam) em abril de 2008.
Suiam construiu sua carreira na empresa. E hoje, 13 anos e 8 mil horas de voo depois, pilota os Airbus A320 da companhia, em linhas nacionais e internacionais. Os A320 levam justamente 150 passageiros - como a jovem sonhava em sua primeira visita ao aeroclube.
Quando perguntada sobre sua rotina, ela ri, e brinca que “as únicas coisas certas são as folgas que estão na escala de voos do mês” - afinal, quando se é piloto, não faz sentido falar na rotina diária, e mesmo o planejamento mensal de voos pode variar dependendo do clima ou de outros contratempos.
Para quem sonha em voar, Suiam tem um conselho especialmente importante para a época em que vivemos: nada de desanimar por causa do esfriamento da área durante uma pandemia. “Não é para esperar o 'momento ideal'. Eu acho que essa é a hora de se preparar: quando está tudo parado e você está começando.”
E é melhor você correr, porque o setor já dá sinais de recuperação. Projeções recentes da Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) prevêem que as companhias conseguirão zerar os prejuízos em 2022, com o avanço das vacinações.
Suiam ainda é uma exceção em sua área. As mulheres são apenas 3% dos pilotos comerciais, segundo dados de 2020 da Anac. Mas há uma boa notícia: a proporção está crescendo: o número aumentou 64% nos três anos.
Mais: Suiam garante que a presença feminina é muito bem aceita pelos colegas de profissão, com pouco ou nenhum preconceito enfrentado em sua carreira. “Não fiquem presas às crenças que trazemos do passado. É preciso seguir o sonho.” Afinal, essa é uma das profissões em que a expressão “sonhar alto” tem um sentido quase literal.
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(Arte: VOCÊ S/A) |
Via VOCÊ S/A (Agradecimento: Ubiratan dos Santos Rocha, presidente da Associação Brasileira de Pilotos da Aviação Civil (Abrapac))