Em dezembro, o voo 844 da Southwest Airways vindo de Minneapolis havia acabado de pousar no Midway International Airport de Chicago e estava prestes a cruzar uma pista de decolagem, a caminho do terminal de desembarque, quando o copiloto notou um jato comercial vindo em sua direção. Ele gritou para que o capitão parasse.
O avião que levava 74 passageiros derrapou e parou a poucos metros da pista de decolagem, enquanto o pequeno jato passava em frente a seus olhos.
Segundos mais tarde, o piloto da Southwest entrou em contato com a torre de controle.
"Quero deixar claro que vocês nos deram permissão para cruzar a pista enquanto um avião decolava'", afirmou. "Tivemos que frear e o jato passou bem em cima de nós."
Ainda que muitos passageiros não estejam cientes dos perigos no solo, esse tipo de situação ocorre com frequência. Desde 2008, ocorreram cerca de 3 incidentes desse tipo por dia, nos quais um avião ou um veículo passou por engano em uma pista de decolagem ativa, uma média de 1.000 incidentes por ano. Esse número tem sido o mesmo nos últimos quatro anos, ainda que o número de voos tenha diminuído durante o mesmo período.
De tempos em tempos, colisões catastróficas são evitadas por pouco – às vezes por pura sorte.
Entretanto, a questão ficou estagnada, mesmo que os órgãos reguladores e a indústria aeronáutica tenham obtido vitórias importantes na redução dos maiores perigos da aviação, sobretudo durante os voos. Os avanços em tecnologias de navegação das últimas décadas, por exemplo, reduziram drasticamente colisões entre aeronaves e choques contra montanhas e outros obstáculos, duas das causas de acidentes mais comuns.
Entretanto, especialistas afirmam que não foram realizados esforços similares para evitar acidentes em terra. Há poucos anos, os 35 maiores aeroportos instalaram novos radares de solo, que fornecem uma melhor visão das pistas de decolagem aos controladores de tráfego. Além disso, um punhado de aeroportos está testando um novo sistema de alertas visuais nas pistas de decolagem.
"Esses incidentes nos fazem lembrar do quão vulneráveis estamos quando pessoas e procedimentos falham", afirmou Deborah Hersman, diretora do Escritório Nacional de Segurança no Transporte, que inclui a segurança das pistas de decolagem entre suas 10 principais prioridades desde 1990.
A Administração Federal de Aviação (FAA, sigla em inglês) afirmou que o número de incidentes em pistas de decolagem que a agência inclui entre os mais severos – quando as colisões são evitadas por pouco – diminuiu drasticamente na última década. No ano 2000, houve 67 incidentes graves, metade dos quais envolvendo aeronaves comerciais, ao passo que em 2011 foram registrados apenas 12 incidentes dessa natureza.
Ainda assim, a Secretaria de Responsabilidade Governamental, uma espécie de órgão de auditoria do Congresso dos Estados Unidos, afirmou que ocorreram 18 incidentes para cada milhão de voos em 2010, enquanto que em 2004 o total foi de 11 por milhão. O conselho de segurança afirmou que cerca de 12 incidentes são considerados perigosos o bastante para justificar uma investigação todos os anos.
Aeroportos, em especial os de grande porte, são locais agitados que recebem mais de cem voos por hora, enquanto milhares de caminhões-tanque, bagageiros, transportadores e muitos outros veículos cruzam o aeroporto.
A maior parte dos incidentes envolvia aviões, mas também ocorreram casos nos quais caminhões de bombeiro, helicópteros, veículos de controle de animais, viaturas policiais e até mesmo pedestres cruzaram a pista de decolagem por engano nos últimos anos.
Em um caso, um Boeing 767 que pousava no Aeroporto Internacional de Honolulu em 2009 foi obrigado a pisar nos freios para não atingir um caça F-15 que estava parado na pista. O piloto notou a presença do obstáculo quando viu a cauda do F-15 e parou a 61 metros do caça.
Em 65 por cento dos casos, a culpa é dos pilotos, segundo a FAA. Em casos extremos, alguns pilotos pousaram na pista de taxiamento. Em 2009, por exemplo, um Boeing 767 da Delta Airlines vindo do Rio de Janeiro confundiu a pista de taxiamento com a pista de pouso no Aeroporto Internacional Hartsfield-Jackson, em Atlanta.
Com a expansão do tráfego aéreo nas próximas décadas, é provável que aumentem os perigos na pista de decolagem, afirmou James M. Burin, diretor de programas técnicos da Flight Safety Foundation, uma empresa de consultoria em aviação. "O congestionamento está começando a se tornar um problema e isso aumenta o risco de colisões", afirmou Burin.
Em 1977, um acidente na pista de decolagem causou a maior tragédia da história da aviação, quando dois Boeings 747 – um voo da PanAm e outro da Royal Dutch KLM – colidiram no Aeroporto de Tenerife, nas Ilhas Canárias, matando 583 pessoas.
Em 1991, um Boeing 737 da US Airways partindo do Aeroporto Internacional de Los Angeles colidiu com um jato regional que estava prestes a decolar. Trinta e quatro pessoas morreram.
O último acidente fatal em pista de decolagem ocorreu após a colisão de duas aeronaves comerciais nos Estados Unidos em 1996, quando um jato regional e um bimotor colidiram no cruzamento entre duas pistas, matando 14 pessoas.
Após uma série de incidentes, o maior sindicato de pilotos, a Air Line Pilots Association, avisou em 2007 que "o risco de colisões em pistas de decolagem que poderiam matar milhares de pessoas é real e não para de crescer".
Naquele ano, a FAA deu início a um programa de segurança nas pistas de decolagem, exigindo que os aeroportos instalassem sinais mais claros para demarcar pistas e decolagem e taxiamento, além de aumentar o uso de um sistema de radar de solo chamado ASDE-X. Esses radares dão aos controladores de tráfego uma visão em tempo real da localização das aeronaves no aeroporto e disparam um alarme caso detectem um problema.
Há dois anos, a FAA mudou o procedimento das pistas de decolagem, exigindo que os pilotos que tivessem permissão para taxiar recebessem aprovação da torre antes de cruzar uma pista de decolagem.
Em um relatório de julho de 2010, o inspetor geral do Departamento de Transporte também questionou os relatórios da FAA, descrevendo o processo de avaliação dos incidentes como "inconsistente, subjetivo e potencialmente suscetível a erros, tornando questionável a precisão das comparações anuais de acidentes sérios".
No caso do voo da Southwest, no Aeroporto de Midway em dezembro, a FAA determinou que o avião teve "tempo de sobra" para parar e classificou o incidente na categoria C, menos séria que a categoria A, definida como "incidentes em que a colisão foi evitada por pouco", ou B, "incidentes com aproximação de aeronaves e com significativo potencial de colisão".
Os críticos também destacam que os radares de solo nem sempre emitem dados precisos e, de acordo com a Secretaria de Responsabilidade Governamental, a tecnologia passou por "dificuldades operacionais com a função de alerta". Em alguns casos, o alarme soou quando não havia risco. Em outros, simplesmente não soou. Em 2010, um veículo entrou sem ser detectado em uma pista de decolagem no Aeroporto de Denver enquanto um avião da Air Canada decolava.
Alguns aeroportos têm construído pistas de taxiamento que desviam das pistas de decolagem. O Aeroporto de Atlanta, um dos mais movimentados do mundo, terminou recentemente uma reforma desse tipo, reduzindo para 600 o número total de cruzamentos por dia. Mas muitos aeroportos, incluindo os três da cidade de Nova York, não têm espaço para crescer.
"O que resta são os níveis de segurança", afirmou Jacqueline Yaft, vice-diretora executiva de operações e gestão de emergência no Aeroporto de Los Angeles. "Apenas um sistema não é capaz de eliminar ou resolver todos os riscos."
Fonte: The New York Times News Service/Syndicate via R7 – Fotos: Reprodução