quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Justiça dos EUA estipula indenização de R$ 4,8 bi para vítimas do voo da Chapecoense

Decisão em processo na Flórida é considerado passo inicial para receber o dinheiro.


Decisão do juiz Martin Zilber, da corte estadual da Flórida, nos Estados Unidos, deu procedência ao pedido de indenização das famílias de 40 vítimas do voo da Chapecoense.

As sentenças, uma para cada familiar ou sobrevivente, foram expedidas no final de agosto e vistas pela Folha. Somadas, o valor total chega a US$ 844 milhões (R$ 4,77 bilhões na cotação atual), que serão acrescidos de juros.

O número de beneficiados representa mais da metade dos 77 passageiros do voo 2933 da companhia boliviana La Mia que levava o time da Chapecoense para a final da Copa Sul-Americana de 2016. O avião caiu nas proximidades do aeroporto de Rionegro, em Medellín, na Colômbia, e matou 71 pessoas.

A decisão não significa que haverá pagamento imediato do valor, mas abre a porta para que o processo continue já com um parecer inicial favorável.

"Essa foi uma decisão extremamente importante paras as famílias. É uma vitória inicial, que nos habilita a questionar e cobrar a seguradora e a resseguradora, bem como a Aon, corretora, por todos os erros na avaliação do risco da apólice do seguro", diz Marcel Camilo, advogado de nove famílias.

Em paralelo, há uma ação civil pública no Brasil que une familiares dos mortos e sobreviventes. O acidente é objeto ainda de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado Federal.

No caso das ações que correm nos EUA, foi contratado o Podhurst Orseck, escritório de advocacia americano especializado em acidentes aéreos. O entendimento é que o processo pode ser aberto no país porque há troca de emails entre os acusados tratando da compra de equipamentos e combustível em Miami. Além disso, todas as empresas envolvidas têm representações comerciais no EUA.

"Esta corte se reserva ao direito jurisdicional de considerar aplicável quaisquer propostas para tributar custos ou atribuir taxas, conforme previsão legal, bem como se reserva no direito de fazer cumprir a sentença exarada e ou o acordo celebrado que deu origem a este julgamento", escreveu o juiz Martin Zilber em sua sentença.

As famílias e sobreviventes que integram o processo não teriam direito a uma divisão igual dos valores. Algumas poderiam receber US$ 30 milhões (R$ 169,5 milhões), mas haveria indenizações menores, como de US$ 18 milhões (R$ 101,7 milhões), por exemplo.

O processo foi aberto contra a LaMia, Kite Air Corporation (dona da aeronave), Marco Antonio Rocha Venegas (proprietário da Kite) e Ricardo Albacete (um dos sócios da LaMia).

Devido aos valores, a estratégia dos advogados das vítimas não é tentar receber dos donos da LaMia ou da aeronave. Os alvos de fato são as empresas Aon (responsável pela corretagem do seguro), Bisa (seguradora) e Tokio Marine Klin (resseguradora).

Pelas leis americanas, quando a empresa acusada de irregularidade não é assistida pela seguradora, torna-se possível que as vítimas acionem os responsáveis por essa apólice.

A questão do seguro é a maior batalha dos parentes das vítimas e dos sobreviventes do voo da Chapecoense. Aon, Bisa e Tokio Marine Klin afirmam que a apólice proibia que a LaMia voasse para a Colômbia e, por isso, o documento se tornou inválido.

A Tokio Marine criou o que chamou de "fundo humanitário" e ofereceu para cada família de vítima US$ 225 mil (R$ 1,27 milhão), com a condição de que esse seria o único valor devido pela empresa. Quem recebê-lo se compromete a desistir de todas ações judiciais abertas no Brasil ou em outro país.

As vítimas apontam irregularidades na apólice, que invalidariam as argumentações das empresas. Um dos documentos apresentados é uma troca de emails entre Aon, Tokio Marine Klin, os donos da LaMia e da aeronave. As mensagens mostrariam que todos tinham conhecimento de que eram realizados voos para a Colômbia.

Há também um questionamento sobre como o seguro da LaMia teve redução em US$ 276 milhões (R$ 1,55 bilhão) a partir do momento em que a companhia aérea passou a fazer voos comerciais e transportar equipes de futebol. A avaliação dos advogados é que o valor da apólice deveria subir, não cair.

"A gente espera que isso [a sentença na Flórida] tenha repercussão na ação civil pública e na CPI no Senado, para que tenhamos todas as famílias indenizadas de uma forma justa", diz Camilo.

A decisão do juiz Zilber foi dada à revelia. Os acusados não constituíram advogados para a defesa apesar de, segundo Steven C. Marks, advogado da Podhurst Orseck, eles terem manifestado interesse em fazer um acordo.

Tanto Marks quanto Camilo reconhecem que ainda existe um longo caminho a ser percorrido para receber o dinheiro, mas a sentença na Flórida se tornou uma peça importante para o desenvolvimento do caso.

A Folha não conseguiu entrar em contato com Ricardo Albacete e Marcos Rocha. A Bisa não tem mais escritórios no Brasil. A reportagem telefonou para o escritório da empresa na Bolívia, mas não obteve sucesso em falar com nenhum representante.

A Tokio Marine Klin preferiu não comentar a decisão da justiça. A Aon não respondeu até o momento.

Em respostas enviadas para outras reportagens, a Aon havia dito ter sido apenas a corretora da apólice, sem responsabilidade pelo pagamento do seguro. A Tokio Marine Klin havia argumentado que, por ter voado para a Colômbia, a LaMia havia invalidado a apólice, mas que a resseguradora havia estabelecido o fundo humanitário para ajudar as famílias das vítimas.

Fonte: Alex Sabino e João Gabriel (Folha de S.Paulo)

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