Em 14 de março de 1970, o avião Fairchild FH-227B, prefixo PP-BUF, da Paraense Transportes Aéreos, operava o voo 903, um voo doméstico de passageiros entre o Aeroporto Internacional de Recife-Guararapes, em Pernambuco, e o Aeroporto Internacional Belém/Val-de-Cans, no Pará, com escalas em Fortaleza, Parnaíba e São Luís.
O Fairchild Hiller FH-227 era uma versão do Fokker F27 (desenvolvido na Holanda como sucessor do Douglas DC-3) fabricada pela Fairchild nos Estados Unidos sob licença da Fokker. Por conta de suas qualidades, o F27 se consagrou como um dos turbohélices mais vendidos no mundo. A versão da Fairchild Hiller possuía fuselagem mais larga, aviônicos modernos para a época e uma capacidade para até 56 pessoas (4 tripulantes e 52 passageiros).
A aeronave prefixo PP-BUF fazia parte de um lote de cinco aeronaves encomendadas pela Paraense Transportes Aéreos. Fabricada em 1967 pela Fairchild, a aeronave receberia o número de construção 556 e seria entregue no mesmo ano à Paraense, onde receberia o prefixo PP-BUF. As aeronaves FH-227 seriam batizadas de Hirondelle (andorinha em francês) pela empresa do Pará.
A bordo do avião estava o comandante Alípio Rodrigues Franco, tendo no assento a sua direita o coronel reformado da FAB, Paulo Gruber de Araújo Lima. O radioperador Norberto Castro da Fonseca completava a tripulação técnica da aeronave. Além deles, os comissários de bordo Mansour Cadais e Paulo Roberto Reis.
O voo 903 decolou na noite de 13 de março do Aeroporto Internacional do Recife, fazendo escalas em Fortaleza, Parnaíba e São Luiz. A bordo estavam 35 passageiros e cinco tripulantes.
Por volta das 5h00 da manhã do dia 14 chegaram aos arredores de Belém, enfrentando tempo ruim, com muita chuva e baixa visibilidade. Durante a manobra de aproximação para efetuar o pouso na pista 06 do Aeroporto Internacional de Belém/Val de Cans, o piloto não conseguiu visualizar a pista.
Às 5h30 min, voando abaixo do teto de segurança por conta da baixa visibilidade e da perda de noção de profundidade, acabou tocando a asa direita nas águas da Baía do Guajará, perdendo o controle e mergulhando na baía pouco tempo depois, cerca 800 metros da cabeceira da pista 06.
O acidente matou de imediato 37 dos 40 ocupantes, sendo que alguns corpos seriam retirados apenas no dia 30 de março.
Entre os mortos estavam os humoristas Luiz Jacinto Silva (conhecido pelo personagem Coronel Ludugero), Irandir Costa e toda a equipe de produção que havia embarcado em São Luiz do Maranhão para desembarcar em Belém onde fariam uma apresentação. Apenas 3 pessoas sobreviveram à queda, sendo que 1 morreria algum tempo depois no hospital. Sobreviveram ao acidente o radioperador Norberto, e a ex-vedete Nédia Montel, que fazia parte do grupo de Luiz Jacinto.
O humorista Coronel, retratava com bom humor a figura lendária dos coronéis, muitos dos quais pertenciam à Guarda Nacional e gozavam de grande prestígio junto a população. Contador de histórias fantásticas, era casado com dona Filomena. Bom aboiador, bom cantador de viola e poeta. Mantinha um secretário (Otrope) que o orientava nos negócios e nas questões políticas. Ludugero se sentia feliz em contar histórias, dando expansão ao seu gênio brincalhão, quando não estava em crises de impaciência e nervosismo.
A precariedade das operações da Paraense Transportes Aéreos (PTA) ficou fortemente evidenciada após esse acidente. Durante os anos 1960, a empresa receberia da sociedade paraense a alcunha de 'PTA Pobre também avua', por conta das baixas tarifas e da precariedade de suas operações (constatada após 13 acidentes ocorridos num intervalo de 12 anos).
Após o acidente, a empresa ficou com apenas um Hirondelle, enquanto que outros três estavam em terra por falta de peças e uma aeronave se encontrava em revisão nos Estados Unidos. Por conta da falta de meios para cumprir sua concessão, além da precariedade de suas operações, a empresa teve sua licença de voo cassada pelo Ministério da Aeronáutica, encerrando suas atividades logo em seguida.
Como curiosidade deste fato, vale ressaltar que no ano de 1986, o escritor paraense Walcyr Monteiro(1940-2019) publicou em seu livro "Visagens e Assombrações de Belém" o conto intitulado "O Fantasma do Hirondelle" que relata uma lenda urbana sobre o ocorrido.
Lenda "O Fantasma do Hirondelle"
A data 13 é considerada aziaga na crença popular. Aliás, não é somente a data, mas tudo o que se refere ao número 13. O mesmo acontece com a sexta-feira, para a qual existe até o dito "sexta-feira, dia da feiticeira". E se existe tal crença em relação à data do mês e ao dia da semana, também dentre os meses do ano há um que é considerado nefasto: agosto, o mês dos desgostos. Já houve época na vida política brasileira em que este mês era esperado com angustiante expectativa. Afinal, havia fortes razões para isto: crises políticas as mais sérias inquietando a vida do País aconteceram neste mês. Basta lembrar o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954, e a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961. A crença relaciona-se ainda ao ano bissexto, considerado azarento e anunciador de desgraças.
Quando coincidem as datas, como, por exemplo, sexta-feira 13 ou 13 de agosto, ou ainda as sextas-feiras de agosto, é então como que aumentada a crença de que coisas ruins acontecerão, talvez pela influência, em um mesmo dia, de forças maléficas. E se, finalmente, há coincidência de três delas - sexta-feira, 13 de agosto - então nem é bom falar...
1970. Março, 13, sexta-feira. No aeroporto de Fortaleza, a inquietação natural de pessoas que vão viajar ou se despedir ou simplesmente apreciar o movimento do aeroporto. Entre os que iam viajar, estavam os passageiros do Hirondelle da Paraense Transportes Aéreos, com destino a Belém. A conversa ia animada, notava-se a presença do famoso astro de televisão Coronel Ludugero, que faria apresentações na capital paraense.
Num determinado grupo, dois amigos discutiam: o primeiro queria a continuação da farra que vinham realizando desde a tarde; o segundo afirmava precisar estar em Belém no dia seguinte. lá sem argumentos, o primeiro olha para a sigla da companhia - PTA - e, numa última tentativa, diz: "Prepara tua alma! Olha, além desta sigla já ser agourenta, lembra-te que hoje é 13, sexta-feira! É melhor que não viajes hoje!" Ou porque desejasse continuar na farra ou por ter sofrido a influência do prenúncio agourento, o relutante resolveu ficar em Fortaleza, onde belas garotas já estavam a espera para continuar a noitada alegre...
Enquanto o grupo se retirava, os demais passageiros continuavam esperando a hora da viagem, tendo alguns recriminado a brincadeira de mau gosto relativa à data. Afinal de contas, nem se lembravam disto e eis que surge um estraga-prazeres para criar um ambiente de mal-estar. Finalmente embarcaram. Durante a viagem, pouca conversa. Afinal, mesmo os bons conversadores estavam com sono...
Estavam chegando a Belém, da qual viam-se as luzes. "Finalmente", pensou um dos passageiros que ouvira a conversa dos farristas no aeroporto. "Chegamos bem. Nem sei porque me preocupei com aquela bobagem". O avião neste instante descia rumo ao aeroporto de Val-de-Cans. De repente, um baque surdo, acompanhado de choque. Era o avião que se chocava contra as águas barrentas da Baía do Guajará, afundando em seguinda...
Era madrugada do dia 14, cerca de 3:30 horas. O desastre chocou Belém e todo o País. Além de suas proporções - restou única sobrevivente -, vinham a bordo pessoas de destaque da vida cearense, maranhense e paraense, sem falar no Coronel Ludugero, cômico dos mais queridos da televisão brasileira. O Norte estava enlutado. Em Fortaleza, ao acordarem curtindo enorme ressaca, os farristas da noite anterior ouviram os jornaleiros anunciando o desastre com um avião. Compraram o jornal, e o que vinha para Belém, ao tomar conhecimento que o desastre tinha sido com o aparelho em que viajaria, empalideceu, exclamando: "Olha só o que me estava reservado! Não te disse? Não te disse?", falou o amigo. "Sexta-feira, 13, é sempre dia de azar. Podes dizer que me deves a vida". O outro, pensativo e cabisbaixo, pensava nos estranhos mistérios da superstição popular...
Em Belém, seguem-se as buscas para localizar os destroços do aparelho sinistrado, realizadas pela Marinha de Guerra, que solicitou uma cábrea (espécie de guindaste flutuante) da Petrobrás. Os trabalhos foram bastante difíceis e prolongaram-se por vários dias. O clima era de mal-estar generalizado, quer pelo tipo de trabalho realizado, quer pela dificuldade com que se processava. Vez por outra, cadáveres subiam à tona, o que forçava uma vigilância constante, a fim de que não fossem arrastados pela correnteza.
Jornalistas de várias partes acompanhavam os trabalhos, entre os quais, Álvaro Martins, que é o informante desta história. No terceiro dia de buscas, um cadáver de mulher boiou ao lado do motor que rebocava a cábrea. Tentaram puxar com um gancho, porém todas as tentativas foram infrutíferas. Então, um dos que assistiam, talvez dotado de mais coragem que os outros, jogou-se n'água e, abraçando-se com a morta, trouxe-a para perto da embarcação, para onde foi içada.
Na expectativa do aparecimento de outros corpos, o motor ali permaneceu três horas, tempo em que a morta ficou na popa, quase defronte à casa de máquinas, após o que foi conduzida para o dique seco de Val-de-Cans. Ali, foi entregue à Polícia para as providências de praxe.
Comentou-se o caso algum tempo, sendo depois esquecido pelo aparecimento de outros corpos. Apenas o que intrigara alguns tripulantes foi amaneira pela qual se deu o aparecimento daquele corpo, ou seja, próximo ao motor, para depois afastar-se, obrigando a um jogar-se n'água para apanhá-lo...
O motor, rebocando a cábrea, voltou ao local do acidente e continuou as buscas. À noite, Domingos Ferreira, cozinheiro da cábrea, tomava banho debalde na popa do motor. Não se lembrava mais do fato e pensava apenas em dormir, após um extenuante dia de trabalho. Apesar de estar só, sentia como se houvesse outra pessoa em sua companhia.
E, ao olhar para o mesmo lado da popa, no local onde estivera o cadáver, estava uma mulher. Sentada, como quem está meditando, olhava para as águas da Baía do Guajará, que escondiam os destroços do Hirondelle...
Domingos sofreu um impacto e, num relâmpago, pensou em quem seria que, àquela hora, ainda estivesse ali, no motor. Afastou a ideia de jornalista se, como não lhe passasse pela cabeça quem pudesse ser, resolveu investigar com a própria. Mas isto tudo foi numa fração de segundo. Quando dirigiu-se à mulher, esta, como que só então sentindo-se notada, levantou-se rapidamente e dirigiu-se à casa de máquinas. Domingos foi atrás. Mas ao chegar à casa de máquinas, a mulher misteriosamente sumira...
Domingos contou aos companheiros o que acontecera. Se aquele trabalho já não era agradável, mais desagradável ainda se tornou, com aquela estranha aparição. Não se falava em outra coisa e havia receio, à noite, de ir à popa do motor. Como, segundo a crença, aparições, assombrações e visagens só aparecem no escuro, uma possante lâmpada, que iluminava todo o local, foi colocada na popa do motor, a fim de afastar o fantasma do Hirondelle...