Fevereiro de 1968. Um hidroavião catalina da Força Aérea Brasileira sobrevoa a Floresta Amazônica. A bordo, 44 pessoas - 38 passageiros e seis tripulantes.
“Eu ia para o Acre, com minhas duas filhas, a de cinco meses e uma de um ano”, conta a aposentada Maria Édna Oliveira.
O trajeto do avião: do Forte Príncipe da Beira, um pelotão do Exército, em Roraima, para a cidade de Guajará-Mirim. De repente, um dos motores começa a falhar e o avião cai em região de mata fechada.
“Quando acordei, minha filha de um ano estava perto de mim, mas a de cinco meses não”.
Quatro passageiros morrem. Para os 40 sobreviventes, começava um drama que marcaria para sempre a vida de todos.
“Um garoto que sobreviveu estava bastante ferido nas pernas e à noite as formigas o atacavam. Ele reclamava, pedia ao pai pra fazer alguma coisa, mas o pai também não conseguia fazer”, lembra Lauro Eduardo Souza Pinto, piloto do avião.
“Tinha gente com perna quebrada, bacia quebrada, fêmur quebrado, coluna quebrada. Tinha gente com ferimentos generalizados e tinha gente perfeitamente sã”, conta Jadir Camops Albuquerque, co-piloto.
Jadir e Lauro eram os dois jovens pilotos do catalina. A passageira Maria Édna tinha apenas 18 anos. Nas revistas e jornais da época, a guerra do Vietnã era assunto de todo dia. Mas o desastre de Roraima também ganhou destaque.
O caso mais comentado na imprensa era o de dona Maria Édna, a jovem mãe que conseguiu sobreviver com as duas filhas pequenas. Na queda, Simone, de cinco meses, havia sido jogada para fora do avião.
“Ouvi o choro muito distante. Comecei a gritar quando eu não vi minha filha. Aí eu disse que era minha filha, e o rapaz foi lá apanhar”.
Os sobreviventes passaram dois dias e duas noites na selva, rezando para serem localizados pelos aviões de salvamento.
“As saúvas comeram toda a minha roupa no meu corpo. Aí um soldado me deu a camisa dele. A gente já estava com 24 horas, tava só de calcinha porque era muita saúva no meu corpo. E não dava tempo, porque eu tirava das meninas e esquecia de mim. Eu cuidava muito bem delas, fiz o que pude, parece que eu tava anestesiada”.
O soldado que deu a própria camisa para dona Maria Édna e ajudou a cuidar dos feridos até hoje é lembrado como um herói.
“Esse soldado ajudou muito. Ele cortava o cipó e botava as gotinhas na boca das meninas, aquela água bem roxinha do cipó”, conta Maria Edna.
O Fantástico foi encontrar Francisco Martins do Nascimento, o soldado Leão, em Guajará-Mirim, onde vive com a família. Aos 60 anos de idade, tem oito filhos, 21 netos e oito bisnetos. Até hoje ele se emociona ao recordar o drama da jovem mãe.
“Essa senhora dizia pra mim só assim: ‘Leão, Leão, salva minha filha, eu sei que eu vou morrer, mas salva minha filha’”.
O avião foi localizado, no dia 10 de fevereiro de 1968, graças às fogueiras feitas pelo soldado Leão.
“O avião passou já olhando pra gente, acenando. Foi uma gritaria, foi uma alegria tão grande...”, conta o solado.
“Estávamos voando mais ou menos há uma hora, uma hora e pouco, e nós vimos uma fumaça pelo lado esquerdo, se elevando da floresta. Nesse momento nós tivemos certeza que era o avião”, recorda o coronel Torres Júnior, piloto do avião de busca.
O helicóptero do Pára-Sar, serviço de salvamento e resgate da Aeronáutica, foi logo acionado. Alguns soldados desceram e abriram uma clareira na mata para o aparelho pousar.
“No momento em que nós providenciamos o resgate, nós demos prioridade a essa criança que tinha cinco meses. Me parece que foi a primeira a ser içada pelo guincho do helicóptero”, diz Doc Santos, médico da operação de resgate.
Ainda hoje o coronel Jadir lembra, impressionado, da reação de dona Maria Édna, no momento em que a filha de cinco meses foi resgatada.
“Ela entregou a criança nos braços de alguém e desmaiou”.
Quarenta anos depois, o ex-piloto ainda quer terminar uma última missão.
“Faz parte do meu projeto de vida localizar essa criança e eu acho que vou localizar”.
Demorou muito tempo, mas finalmente chegou a hora.
No aeroporto de Brasília, dona Maria Édna chega para o encontro com a filha Simone, o bebê que tinha cinco meses em 1968. Hoje ela tem três filhos e mora em Itapema, Santa Catarina.
Logo depois chega o coronel Jadir, que mora no Recife.
“A minha vida toda eu comecei a acreditar que não era verdade e sim era um sonho, não tinha acontecido”, diz Simone Castro de Azevedo, filha de Maria Édna.
“Sua imagem nunca saiu da minha cabeça. Você me ajudou muito, muito obrigada, nas minhas orações eu nunca esqueci”, diz Maria Édna para o soldado Leão.
Simone fica impressionada ao ver, pela primeira vez, a foto do momento do resgate.
Esquecido durante tantos anos, o soldado Leão não tem, na sua ficha de serviço, nenhuma referência ao episódio de 68. Mas diz que, ainda assim, se sente recompensado.
“O maior estímulo disso tudo é saber que pelas minhas ações eu sou amado, eu sou admirado, eu sou respeitado. Então eu acho que esse é o melhor presente para o ser humano”.
Fonte: Fantástico - 20/01/08 (TV Globo)
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