domingo, 16 de maio de 2010

Japão: base americana corrói governo

Popularidade do primeiro-ministro Yukio Hatoyama perde aprovação devido à falta de liderança diante das pressões dos EUA.

A questão da base americana de Futenma, em Okinawa, transformou-se na principal fonte de dores-de-cabeça do primeiro-ministro Yukio Hatoyama, do Japão, corroendo o seu governo e ameaçando tirá-lo do poder.

Segundo sondagem do jornal Yomiuri, publicada dia 11, a sua popularidade caiu no fundo do poço, com o índice de aprovação ao seu governo caindo para 24% - entrando, indiscutivelmente, na zona de perigo de naufrágio. Os entrevistados, que representam estatisticamente as opiniões gerais da população japonesa, acham que Hatoyama carece de liderança para resolver o problema de Futenma e as questões cadentes que incomodam a população nipónica. O motivo são as recentes idas e vindas de Hatoyama, e os fracassos que tem colhido ao tentar resolver esse que se tornou o seu grande pesadelo.

A ocupação americana e a questão das bases

Com a derrota na Segunda Guerra Mundial, em 1945, os americanos passaram a ocupar o arquipélago japonês. Com a Constituição de 1947, através do seu artigo 9, o Japão renuncia ao direito de declarar guerra ou usar a força militar para resolver disputas internacionais. Em 1952, a assinatura do tratado de São Francisco entre Japão e Estados Unidos finalizou a ocupação.

Após a derrota, o Japão transformou-se numa monarquia constitucional, com o imperador a desempenhar apenas um papel figurativo - e dispendioso - com o gabinete do primeiro-ministro a exercer o poder de facto.

Mesmo renunciando ao direito de declaração de guerra, o Japão possui uma moderna força armada composta pelo exercito, marinha e aeronáutica, cujo objectivo é zelar pela defesa do país.

Em 1960, foi assinado o Tratado de Cooperação Mútua e Segurança, que substituiu o Tratado de Segurança de 1951. A assinatura desse tratado levou a massivas manifestações populares contrárias, assim como inúmeros confrontos. E continua a ser uma das questões não solucionadas da política japonesa. Nesse tratado, o Japão reafirma a sua responsabilidade de garantir a segurança interna do país, e deixa aos americanos o apoio no caso de conflitos ou ataques às ilhas nipónicas. Mas é claro que se trata de uma capitulação vergonhosa das elites japonesas, permitindo aos ianques a manutenção das suas bases, da derrota na guerra aos dias actuais.

Os americanos possuem 135 instalações por todo o pais. Desde Hokkaido, no extremo norte, a Okinawa, no extremo sul. São instalações para garantir a presença de cerca de 50 mil soldados estacionados no arquipélago, mais milhares de familiares que também vivem no pais. Além das bases, são alojamentos, depósitos, tanques de combustível e materiais que fazem parte da logística americana.

A presença das bases americanas no Japão não está ligada apenas às questões nipónicas, basta lembrar que os comunistas tomaram o poder na China e os americanos temiam que o Japão seguisse o exemplo. Além disso, as bases no Japão têm o objectivo de garantir um equilíbrio militar e preventivo na esfera asiática.

A questão da base de Futenma

Okinawa, que foi palco da sangrenta luta conhecida como Batalha de Okinawa, no final da Segunda Guerra Mundial, é a localidade que possui o maior contingente de tropas americanas estacionadas no arquipélago japonês. A relação histórica entre as tropas americanas em Okinawa, composta por 20 mil militares, e a população local é de um interminável conflito. A indesejada presença militar americana tem um gosto amargo, já que milhares de crimes foram realizados por militares americanos durante todos esses anos.

O que causou maior repugnância ocorreu no dia 4 de Setembro de 1995, quando 3 militares americanos (Marcus Gill, Rodrico Harp e Kendrick Ledet) sequestraram e violaram uma estudante de 12 anos no interior de uma van alugada. Esse acontecimento comoveu as notícias do país e provocou massivas manifestações de repúdio em Okinawa.

A base de Futenma (Marine Corps Air Station) tem uma tropa de 4 mil recrutas, uma pista de pouso de 2.470 metros e está encravada no meio de uma populosa área residencial, causando grandes inconveniências aos moradores da cidade de Ginowan, onde está localizada. É considerada a mais perigosa das bases e, mesmo nos EUA, não há nenhuma base que se assemelhe a Futenma nas suas características.

Após esse episódio ultrajante de violação, foi feita a promessa de retirada da base de Futenma num prazo de cinco a sete anos, como forma de aliviar a celeuma causada aos okinawanos.

A solução desse problema arrasta-se até hoje e o actual primeiro-ministro tinha prometido, em campanha, aos 127 milhões de japoneses, transferir a base para outra localidade ou mesmo para fora do país. Hatoyama prometeu dar uma solução a esse problema até ao final de Maio, prazo que já se esgota, sem ter encontrado ainda nenhuma solução. Nesta semana, apresentou a proposta aos americanos de construção de uma pista em Henoko, sustentada por pilares no mar, que, segundo ele, causaria menos impacto ambiental. Mas uma sondagem recente do jornal Asahi, um dos principais do pais, publicada no dia 13, demonstra que 76% da população local se opõe à mudança de Futenma para outra localidade de Okinawa. E na última quinta-feira afirmou ter abandonado a ideia de resolver a questão até ao final do mês, alegando ser necessário ouvir melhor a população local, assim como explicar com mais clareza as posições do governo. Sem duvida, perante a opinião publica, após esse anúncio, fica claro que o governo se encontra num beco sem saída. E, se encontrar alguma solução, certamente, será do desagrado da maioria.

Japoneses dizem não

Os japoneses estão entre os povos politicamente mais conservadores do planeta, basta ver que, durante anos, na maioria dos casos, o governo foi uma sucessiva mudança de líderes das diversas facções do PLD (Partido Liberal Democrático). O actual ministro Hatoyama, do Partido Democrático do Japão, também da direita, rompeu esse ciclo, mas em poucos meses ja se encontra em profundo desgaste, assolado por denúncias de corrupção e por falta de liderança.

Um dos líderes de seu partido, Ichiro Ozawa, considerado o principal chefe do partido e mentor da vitoria de Hatoyama, está a ser investigado pela terceira vez sobre a falsificação na declaração de 4,3 milhões de dólares no seu fundo político. Nas investigações anteriores, os promotores não conseguiram provar a culpa de Ozawa, mas três dos seus assessores foram indiciados por violação da Lei de Controle de Fundos Políticos. Recentemente, um dos assessores de Hatayoma foi preso, também, acusado de não ter registado correctamente milhões que a mãe do primeiro-ministro doara, durante vários anos, ao fundo político do filho. Hatoyama desculpou-se dizendo que não sabia nada sobre as doações da mãe, afirmação que não foi possível provar, mas em que também ninguém acreditou. Com assessores de Ozawa e Hatoyama na prisão, é difícil acreditar que os seus chefes não sabiam de nada.

Os americanos querem que Futenma seja transferida para Henoko, de acordo com o acordo firmado em 2006 entre os dois governos, também em Okinawa. Mas desde que surgiu a sugestão, a população de Henoko é completamente contrária à ideia e não aceita a construçãoo de uma base que, além da inconveniência ja vivida por outras localidades, teria um profundo impacto ambiental. Entre outras coisas, a construção afectaria os recifes locais, ameaçando ainda os populares dugong (mamíferos marinhos) que habitam as águas de Henoko e cuja existência já se encontra ameaçada.

Toda a população de Okinawa se opõe a que Futenma seja transferida dentro das suas ilhas.

A proposta do Hatoyama de transferir para a ilha de Tokunoshima, na província de Kagoshima, a cerca de 200 km de distância, parte das operações militares - a dos helicópteros -, também recebeu um grande repúdio. A população saiu às ruas para massivamente dizer um grande não. Os presidentes das câmaras locais, consultados por Hatoyama, disseram que não são necessárias reuniões suplementares para discutir um assunto que por parte deles já se encontra encerrado. Também os militares americanos são contra essa proposta, alegando que seria anti-operacional, devido à distancia.

Apesar de todo o conservadorismo político, os japoneses dizem não às bases americanas. E é esse repúdio que impede Hatoyama de encontrar uma solução ao problema. O que levou o presidente americano, Barack Obama, a perguntar agressivamente ao primeiro-ministro japonês se ele é realmente capaz de resolver essa questão. O que tem levado a vários atritos com a administração americana, e que, segundo alguns analistas, tem espirrado lama também sobre as relações económicas.

CRONOLOGIA DO NÃO

Em Janeiro de 2010, 6 mil manifestaram-se em Tóquio contra a construção de uma nova base em Okinawa. O protesto contou com a presença de várias organizações de Okinawa contrárias às propostas do governo.

No dia 18 de Abril, 15 mil manifestaram-se na ilha de Tokunoshima, afirmando que a construção da base nas suas terras estava fora de questão.

No dia 27, 90 mil pessoas manifestaram-se em Yomitan, Okinawa, contra a construção de uma nova base. Foi a maior manifestação dos últimos anos, que superou a de 58 mil, que saiu às ruas em 1995, em repúdio à violação da estudante de 12 anos.

No ultimo dia 8, milhares manifestaram-se na cidade de Kagoshima, na provincial do mesmo nome. Entoavam: Não precisamos de bases!

Fonte: Tomi Mori, de Tóquio, para o Esquerda.net - Imagens: cato-at-liberty.org / aviationspacenewsfromjapan.blogspot.com / globalsecurity.org / virtualginza.com

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