sexta-feira, 18 de junho de 2010

Após 70 anos, discurso de Churchill ganha novas percepções

Os historiadores definiram o momento como um dos maiores discursos já pronunciados no idioma inglês, e certamente um dos maiores já pronunciados por um inglês, e em um momento de perigo nacional sem paralelos na era moderna.

Há exatos 70 anos, em 18 de junho de 1940, Winston Churchill, que assumira apenas seis semanas antes o posto de primeiro-ministro britânico, ante a ameaça de invasão vinda do território francês ocupado pelos nazistas, subiu ao pódio da Câmara dos Comuns e, em 36 minutos de altaneira oratória lutou por reanimar seus compatriotas, com um discurso que ganhou lugar na história como "o discurso do melhor momento".

O discurso - encerrado pelas palavras: "Preparemo-nos, assim, para cumprir os nossos deveres, e de tal maneira que, se o império e a Commonwealth britânicos durarem mil anos, as pessoas continuem a dizer que 'aquele foi o seu maior momento'" - vem ecoando desde então. Dos dois lados do Atlântico e em muitas outras regiões do planeta, foi saudado como o momento no qual a Grã-Bretanha redescobriu sua resolução de continuar lutando, depois da queda da França, para, com ajuda futura do poderio militar norte-americano e soviético, derrotar os exércitos alemães que haviam ocupado a maior parte da Europa.

O rascunho datilografado original do discurso, pesadamente alterado por Churchill com anotações em tinta azul e vermelha, está guardado em uma das 2,5 mil caixas de documentos e artefatos - um total de mais de um milhão de peças- que lotam os pavimentos superiores cuidadosamente vigiados do Churchill Archives Center, na Universidade de Cambridge, uma instituição criada em 1960, cinco anos antes da morte do líder.

Agora, o discurso e outros documentos referentes ao período - entre os quais trechos do diário de John Colville, o secretário do primeiro-ministro, e uma carta de reclamação quanto ao temperamento ranzinza de Churchill para com seus subordinados escrita pela mulher dele, Clementine - foram reunidos e colocados em exibição para estudiosos visitantes, jornalistas e outros observadores, com o objetivo de ajudá-los a compreender de que maneira Churchill escreveu o discurso - revisado extensamente até o momento em que ele subiu ao pódio para proferi-lo - e a descobrirem o quanto ele estava irritável e disperso naquele período.

O momento da exposição se relaciona primordialmente ao aniversário do discurso e a uma série mais ampla de celebrações que estão sendo realizadas em todo o Reino Unido para comemorar aquilo que Churchill, falando aos seus colegas do Parlamento naquela tarde de primavera de 1940, descreveu como uma batalha que "determinaria a sobrevivência da civilização cristã".

Apenas duas semanas antes do discurso, navios de guerra britânicos e uma frota de pequenas embarcações privadas haviam concluído a evacuação de 338 mil soldados britânicos, franceses e de outros países aliados, que corriam o risco de ser aniquilados pelas forças alemãs nas praias de Dunquerque - um feito que foi reproduzido para comemoração no final do mês passado, com a participação de muitos dos barcos envolvidos na operação original.

Cerca de um mês depois do discurso, tal como Churchill previu para seus colegas, os caças da força aérea britânica começaram a enfrentar a Luftwaffe alemã no confronto que se tornou conhecido como a Batalha da Inglaterra, outra saga que está sendo celebrada ao longo deste ano por caças Spitfires e Hurricanes da era da guerra, em voos realizados de muitas das bases aéreas britânicas.

A atenção renovada que a liderança de Churchill em tempo de guerra vem recebendo também ecoa de certa maneira na cena política atual, tendo em vista o fato de que o Reino Unido volta a enfrentar uma crise nacional, desta vez na forma de uma recessão econômica e de uma dívida nacional que atinge níveis alarmantes. Uma vez mais, a tarefa de reanimar o país e iniciar a restauração cabe a um novo primeiro-ministro, David Cameron, representante, como Churchill, do Partido Conservador, e também no poder há pouco mais de um mês ¿à frente, como o ilustre predecessor, de um governo de coalizão formado em eleição parlamentar, o primeiro governo de coalizão a chegar ao poder no Reino Unido desde o gabinete de união nacional a que Churchill presidiu entre 1940 e a derrota de seu partido na eleição geral de 1945.

Que Cameron venha a obter sucesso semelhante ao de Churchill, e conduza o Reino Unido de volta às "amplas e ensolaradas planícies" que Churchill previu em seu discurso como recompensa da vitória contra Hitler, é algo em que muitos britânicos parecem relutantes em acreditar, talvez com mais motivos do que o grande número de céticos que escutaram sem se deixar convencer ao discurso histórico de Churchill em 1940.

Churchill, afinal, já era uma figura muito conhecida, se bem que controversa, ao assumir o posto, e há muito tem estabelecida a sua posição no panteão da história britânica. Em uma pesquisa que envolveu mais de um milhão de telespectadores britânicos em 2002, ele foi escolhido como a maior figura da História inglesa, superando, entre outros dos 10 primeiros colocados, Isaac Newton, a princesa Diana e John Lennon.

O que revelam os documentos preservados no Churchill College, de maneira talvez surpreendente para aqueles que se acostumaram com o estilo de abrangente confiança da oratória de Churchill, é até que ponto ele alterava seus discursos mesmo no último minuto, acrescentando sentenças em determinados pontos, reescrevendo trechos e realizando outras alterações de improviso, em meio às suas falas.

No famoso trecho final do discurso, a frase que ele usou para descrever o mundo ao qual Europa e os Estados Unidos seriam arremessados caso Hitler saísse vitorioso - "o abismo de uma Era das Trevas, tornada ainda mais sinistra, e talvez mais longa, pelas luzes da ciência usada indevidamente" - foi emendada em tinta vermelha, talvez no último minuto, em busca de uma aliteração mais perfeita.

Igualmente intrigante é que o rascunho datilografado final do discurso, ao menos no trecho final que culmina com "seu maior momento", toma a forma de versos brancos, com parágrafos de cinco linhas em blocos com forma de estrofe, uma estrutura que Allen Packwood, o diretor do Churchill Archives Center, compara à do Livro dos Salmos no Velho testamento, visto por muitos estudiosos da literatura como influência decisiva sobre o estilo literário e retórico de Churchill, em companhia dos trabalhos de Shakespeare.

Packwood tem uma teoria pessoal sobre o motivo para que o rascunho adote a forma de versos brancos: "Porque o texto tomava a forma de poesia, na página, creio que isso lhe propiciasse o ritmo que dava vida à sua oratória. Temos ali um homem que elevou a arte do discurso público ao patamar da mais elevada literatura".

Outra característica dos discursos de Churchill que surge do estudo de seus papeis, de acordo com Packwood, é que, ao contrário de muitos políticos contemporâneos, era ele mesmo que redigia suas falas. "Ainda que houvesse pessoas que lhe davam ideias, ele não contava com redatores de roteiros, no sentido moderno do termo", disse Packwood. "Aquele discurso, como os demais, era criação isolada de um homem".

Mas o primeiro-ministro tinha ajuda vinda de outros quadrantes, na forma de uma correspondência com sua mulher que pode tê-lo ajudado a conter os momentos de profunda depressão que muitas vezes o afligiam e podiam prejudicar o tom de otimismo e determinação que procurava exprimir em seus discursos.

"Meu querido", escreveu Clementine a Churchill pouco antes do maior discurso da carreira de seu marido, "espero que você me perdoe se lhe digo algo que creio você deva saber. Um dos homens de sua equipe, e seu amigo dedicado, me procurou e disse que havia o risco de você perder o afeto de seus colegas e subordinados devido aos seus modos brutos, sarcásticos e autoritários". Ela acrescentou: "Irascibilidade e rudeza não lhe propiciarão os melhores resultados, e resultarão em que as pessoas próximas deixem de gostar de você, ou adotem uma mentalidade de escravos".

Fonte: John F. Burns (The New York Times) - Tradução: Paulo Migliacci ME - Foto: The New York Times

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