Era dezembro de 1942, e o auge da Segunda Guerra Mundial, quando ela recebeu notícias de seu irmão. “Nancy,” sua mãe disse calmamente pelo telefone. “Perdemos o John”.
“Quando escutei aquelas palavras, meu coração simplesmente afundou”, conta Nancy Pritchard Morgan, de 87 anos, moradora de Annapolis, em Maryland.
Duas semanas antes, em 29 de novembro, seu irmão e dois outros aviadores da Guarda Costeira haviam sido listados como desaparecidos depois que seu avião perdeu contato pelo rádio – durante uma tempestade na costa sudeste da Groenlândia.
Resgate sofisticado
Agora, 68 anos depois, a Guarda Costeira encarregou uma equipe particular de resgate para tentar localizar, escavar e repatriar os três homens sepultados num biplano J2F-4 Grumman Duck numa geleira daqui. A equipe partiu no mês passado com um arsenal da mais avançada tecnologia: radar de penetração no solo, que pode identificar objetos metálicos próximos à superfície; avançados equipamentos de derretimento de gelo, que apontam precisamente objetos enterrados enquanto dissolve o gelo ao redor deles; e uma câmera que consegue fotografar o interior de profundas cavidades de gelo.
A equipe também instalou dois dispositivos GPS que rastrearão o movimento da geleira em questão. O objetivo é encontrar os soldados antes que seus familiares estejam mortos e que o gelo onde eles estão enterrados se mova para o mar.
“Qualquer ramo de serviço quer recuperar seus membros perdidos, se for possível”, disse John Long, oficial-chefe da Guarda Costeira e líder da missão de resgate “Duck Hunt” (caçada ao pato). “É a coisa certa a fazer”.
A equipe de 15 membros, incluindo três da Guarda Costeira e um repórter, não esperavam passar mais de cinco dias investigando seis locais identificados como promissores. Mas a chuva contínua, ventos fortes e a baixa visibilidade seguraram os helicópteros no solo, deixando a equipe presa no gelo e incapaz de explorar todos os locais. Onze dias se passaram antes que eles conseguissem retornar ao aeroporto, em Kulusk.
O esforço de resgate teve início há três anos, quando Long começou a reunir pistas históricas. O relatório original do acidente, de 1943, incluía um mapa desenhado à mão pelo coronel Bernt Balchen, o aviador polar dos EUA que administrava uma base de treinamento na Groenlândia durante a guerra.
Long determinou que o acidente teria ocorrido numa área de três milhas quadradas, cerca de 700 metros acima de Koge Bay.
Em 2008, Long ordenou uma pesquisa aérea da região com o uso de um radar Essex de penetração no solo, que transmitia ondas eletromagnéticas a partir de um avião Orion P-3 voando a mil metros acima da geleira. Um grande objeto metálico como o J2F-4 Grumman Duck – que seria um objeto valioso a se recuperar, já que apenas 32 foram construídos – apareceria como uma mancha branca. Das manchas no mapa do Essex, três coincidiam com as coordenadas do mapa de Balchen, e uma tinha o formato de um biplano.
Biplano J2F-4 Grumman Duck igual ao que teria afundado nas geleiras da Groenlândia
Para levar o projeto adiante, a Guarda Costeira tercerizou e contratou Luciano Sapienza, chefe executivo da empresa North South Polar Recoveries, em Jersey City. Em 1992, ele fez parte da expedição que recuperou o “Glacier Girl”, um avião P-38 Lightning abatido sobre a Groenlândia em 1942. Ele e sua equipe partiram para Koge Bay no final do mês passado.
Kate McKinley, de 34 anos, geofísica de Charleston, na Carolina do Sul, estava encarregada do kit portátil do radar com penetração no solo. Ela usava um produto chamado Antena de Topografia Dura, feito por uma empresa sueca, a Mala Geoscience. Segurando uma tela de dados à sua frente, ela ancorou o radar em suas costas e arrastou um sensor de 3,5 metros, lembrando uma enorme cauda de rato, através do gelo.
Com a maioria dos radares de penetração no solo, “nós teríamos que definir uma grade e ir do ponto A ao B, marcando fisicamente sobre o gelo onde obtivemos alguma leitura”, explicou McKinley. Com o Mala, coordenadas exatas são rastreadas via GPS.
“É como pilotar um barco sobre a superfície do gelo com uma sonda”, disse ela.
O radar detecta qualquer coisa metálica, assim como rochas e rachaduras, dentro dos primeiros 30 metros. A leitura mostra uma seção cruzada do solo numa tela preta e branca com anomalias em formato de hipérboles. Quando McKinley encontrou uma anomalia que parecia promissora, ela marcou o local para perfuração. No total, ela conseguiu marcar 10 locais antes da chuva tornar o gelo lamacento demais.
Derretendo gelo
Weegee Smith, de 57 anos, especialista em construir instrumentos personalizados de campo, assumia em seguida, operando uma poderosa máquina de derreter gelo. O aparelho puxava água de um poço que ele havia cavado e a aquecia a 180 graus. Smith pulverizava a água quente na área marcada, escavando uma fossa com 40 metros de profundidade.
Infelizmente, “o gelo derreteu sem nenhuma resistência até o fundo”, disse Smith. Alguma resistência, segundo ele, teria indicado “que atingimos algo e que era hora de dar uma olhada”.
No terceiro dia de perfuração, ele sentiu alguma resistência – então foi trazida a câmera sub-superfície. Projetada por Alberto Behar, de 42 anos, engenheiro elétrico do Laboratório de Propulsão de Jatos da NASA, a câmera possui uma lente grande-angular cercada por 27 luzes LED, que poderiam iluminar a fossa aberta por Smith e transmitir imagens em tempo real. Qualquer indicação de metal, óleo ou lascas de tinta do J2F-4 faria com que Smith tivesse de cavar mais buracos.
Enquanto tudo isso ocorria, duas outras equipes saíram em busca dos outros locais candidatos na geleira, navegando cuidadosamente em meio a grandes buracos, pontes de neve e rachaduras de 2,5 metros. Eles marcaram os locais secundários e instalaram duas unidades permanentes de GPS, que rastreiam movimento e velocidade da geleira.
“Um dos maiores desafios desta missão foi não saber a velocidade com que a geleira está se movendo, ou em que direção”, explicou Behar.
Suas unidades de GPS enviam sinais via satélite, a cada quatro horas, a um receptor remoto em Los Angeles. Eventualmente, os dados darão `equipe de Sapienza uma ideia mais clara sobre até onde o avião pode ter se movido desde o acidente.
Após quatro dias de perfurações sob chuvas e ventos congelantes, os cientistas no local primário não encontraram indicações de que as anomalias detectadas pelo radar fossem algo além de grandes rachaduras. A equipe conseguiu descartar aquele local e focar nos outros pontos.
O tempo está se esgotando para a Guarda Costeira, que já gastou US$579 mil no esforço de resgate do Grumman Duck, incluindo US$314 mil para a viagem mais recente. Com temperaturas mais amenas, segundo os cientistas, a geleira e o avião estão avançando na direção do oceano com velocidade maior do que estimado inicialmente.
“Este é o verão mais quente da Groenlândia nos últimos 150 anos”, disse McKinley.
Sapienza afirmou: “Estamos desapontados por não conseguirmos fazer mais, mas aprendemos muito e a Guarda Costeira está no caminho para os próximos passos. Aqueles homens fizeram o sacrifício definitivo, e é nosso dever trazê-los para casa”.
Morgan recebeu as novidades com muita calma, enquanto a equipe retornava. Ela tem ótimas lembranças de seu irmão mais velho, que a apresentou ao homem que se tornaria seu marido.
“É maravilhoso saber que John não foi esquecido”, disse ela. “Não podemos desistir – ainda não”.
Clique aqui e veja mais fotos da operação de resgate.
Fonte: The New York Times via iG - Fotos: The New York Times
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