terça-feira, 4 de maio de 2021

Companhias aéreas se equilibram na crise enquanto aguardam “faxina regulatória”

O novo período de baixa demanda de passageiros na aviação doméstica, iniciado em fevereiro, freou a retomada iniciada em setembro e resultou em novas dificuldades para as companhias aéreas brasileiras. Equalizar o preço do bilhete e os custos já era uma tarefa difícil em um cenário de alta demanda de 2019, ano com o maior número de passageiros da história da aviação comercial brasileira, e se tornou quase impossível em meio a crise do coronavírus, com custos altos e pouca procura.

A tarifa doméstica real (ajustada pelo IPCA) teve em 2020 o menor valor da história, R$ 380,48. Em contrapartida, o caixa das companhias foi afetado, além da queda de receitas, pelo aumento de 29% na cotação dólar no ano passado, moeda que compõe cerca de 52% dos custos do setor. Somente até o terceiro trimestre de 2020, as principais companhias do Brasil, Azul, Gol e Latam, haviam acumulado um prejuízo de R$ 19,7 bilhões.

Tarifas médias dos voos domésticos
Com este impacto no caixa, a rápida ação de todo o setor no ano passado foi fundamental para evitar a quebra dos principais players do mercado doméstico. Secretaria de Aviação Civil (SAC), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e Ministério do Turismo trabalharam junto com as companhias para garantir condições de sobrevivência durante a maior crise do setor aéreo. Soma-se ao grupo a Anvisa, que trabalhou em normas que dessem às companhias o aval legal para a implementação de protocolos, como o uso de máscara em voos.

“Nunca vimos uma crise tão grave, tão séria, tão profunda, e mais complicado, tão longa. Talvez isso tenha justificada a quantidade de medidas que foram tomadas e de maneira tão rápida. O setor de aviação civil foi o que teve uma reação mais rápida, pois a gente viu a onda chegando”, afirmou o secretário de Aviação Civil, Ronei Glanzmann, durante audiência na Câmara dos Deputados no fim de abril.

Os acordos, resultaram em medidas como a malha aérea essencial, que permitiu a todos os estados manterem conexões aéreas durante o início da pandemia, o acordo com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) para a MP 925, que deu o prazo de 12 meses para reembolso de bilhetes, além de negociações com Infraero e com o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DCEA) para flexibilização do pagamento de tarifas.

“Todos eles atuaram de maneira muito parceira conosco. Os pontos relevantes foram a malha essencial, que nos permitiu seguir voando do auge da crise em março e abril do ano passado. Segundo o acordo que nos permitiu remarcar bilhetes sem custo por até um ano. Terceiro estacionamento das aeronaves nos pátios da Infraero, flexibilização no pagamento de tarifas do DCEA. Somente essas tarifas são centenas de milhões. A gente ganhou prazo para pagar. Cada companhia está negociando e os prazos dependem dos volumes podem chegar a 30 meses, pois são valores muito altos”, explica Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear).

Para ter uma ideia do alívio de caixa proporcionado por essas medidas, em 2019, o custo dos serviços aéreos somou R$ 43,7 bilhões, de acordo com dados da Anac. Deste total, 7% (R$ 3 bilhões) corresponderam a tarifas de navegação aéreas (4,2%), pagas ao DCEA, e tarifas aeroportuárias (2,8%), pagas à Infraero e concessionárias.

Custos da aviação em 2019 (companhias nacionais)
As companhias também tiveram apoio dos estados, com a dispensa das contrapartidas de voos mínimos, prevista nos acordos de redução do ICMS sobre o combustível de aviação (QAV).

Outro ponto fundamental, foi a transformação da MP 925 em lei (14.034/2020), que trouxe uma segurança jurídica, retirando das companhias áreas a responsabilidade por atrasos ou cancelamentos decorrentes de restrições em aeroportos, no espaço aéreo ou por condições meteorológicas, alvo de grande parte dos processos contra as empresas. A medida deu base para reduzir custos com ações judiciais.

Eduardo Sanovicz, Presidente da Abear

“Primeira consequência é que deu tranquilidade às empresas de como agir neste cenário de crise. A segunda consequência é que aproximou o Brasil um pouco mais do cenário internacional. Isso aponta para o futuro com Brasil tendo mais um ponto de incentivo para ampliação de investimento internacional na aviação. O Brasil já demonstrou que mais de 115 milhões de pessoas podem pegar avião todos os anos e isso cresce na razão direta na diminuição dos custos, eliminando as distorções em relação ao mercado internacional, e com o ganho de segurança jurídica”, salienta Sanovicz.

“O Brasil já demonstrou que mais de 115 milhões de pessoas podem pegar avião todos os anos e isso cresce na razão direta na diminuição dos custos” – Eduardo Sanovicz, presidente da Abear

MP do Voo Simples


Essa flexibilização ganhará um reforço, com a chamada MP do Voo Simples, que deve ser publicada pelo governo neste mês de maio. A medida consiste em uma “faxina regulatória” que vai simplificar tarifas, desburocratizar procedimentos e atualizar legislações do setor.

“São procedimentos que parecem menos relevantes, mas quando se somam 60 e tantos procedimentos faz uma grande diferença. Ela vai reduzir o número de tarifas e taxas que o setor paga, simplificar o registro aeronáutico, mudar a forma de atribuição da empresa. Uma série de mudanças que estão propondo que tornam a vida de quem está operando mais simples e mais alinhada com o século 21”, explica o presidente da Abear.

Falta de ajuda financeira e imposto do leasing


Se na flexibilização regulatória e no pagamento de tarifas o governo foi fundamental para manter as empresas voando, pelo lado da legislação tributária e e no apoio financeiro o cenário foi diferente. Enquanto os principais grupos aéreos do mundo foram objeto de algum tipo de aporte financeiro de seu governo, aqui isso não ocorreu. Para citar alguns exemplos, Lufthansa, Air France/KLM e TAP, além de todas as companhias dos Estados Unidos, receberam ajuda por meio de compra de ações, aporte direto e até nacionalização.

No Brasil, a alternativa foi a criação de uma linha de crédito junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com a participação de bancos privados. As partes, no entanto, não chegaram a um acordo sobre os moldes. O plano, que previa um pacote de R$ 6 bilhões, esbarrou nas contrapartidas exigidas, como o percentual de participação acionária nas companhias. Chegou-se a cogitar um percentual de 30% no capital das áreas, com base na cotação das ações no segundo trimestre do ano passado, quando apresentavam valores muito abaixo do habitual por conta dos efeitos da pandemia.

Jerome Cadier, CEO da Latam Airlines Brasil

Em entrevista ao jornal O Globo, em abril do ano passado, o CEO da Latam Airlines Brasil, Jerome Cadier, citou o exemplo dos Estados Unidos, onde foi exigida uma participação de até 3%, ao afirmar que a proposta de 30% era inviável para as companhias. “Não tem que ser como foi nos EUA, onde o governo injetou US$ 50 bilhões, sendo metade doado (US$ 25 bilhões), com uma diluição, no pior dos casos, de 3%. Estamos pedindo R$ 10 bilhões de crédito. Com 30% de diluição, a matemática não fecha. Esse não é um setor que vai desaparecer. Pode ter o risco de uma ou outra, mas não de as três desaparecerem”, analisou o executivo em abril do ano passado.

Com isso, as principais companhias áreas do país tiveram que encontrar outras alternativas para se sustentar na crise. A Latam Brasil entrou no processo de recuperação judicial da holding, que já corria na justiça dos EUA por meio do Capítulo 11, a Azul emitiu R$ 1,6 bilhão em debêntures conversíveis em ações, enquanto a Gol tomou medidas para conservar o caixa, negociou com fornecedores e, com a segunda onda, anunciou no último dia 28 de abril o aumento de capital de R$ 512 milhões.

Mas não foi só na falta de apoio financeiro que marcou esta parte negativa que criou uma dualidade na atuação do governo, mas também o surgimento do imposto de renda sobre o leasing de aeronaves. Desde 1997, o setor era amparado legalmente com a isenção de imposto, mas ainda no fim de 2019, a Medida Provisória que transformou a Embratur em agência de promoção (MP 907), criou o tributo com um aumento escalonado, iniciando com alíquota de 1,5% em 2020 e subindo para 3% em 2021 e 4,5% de 2022 em diante.

No Congresso o texto foi modificado, zerando a alíquota a partir de 2021. A isenção de imposto, no entanto, foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, criando um vácuo jurídico e elevando a alíquota para 15%, com base em uma indicação da Receita Federal. Com isso o setor passou a arcar com um imposto que nunca esteve entre oscustos das aéreas brasileiras

Uma nova isenção do imposto chegou a ser anunciada pelo Ministro do Turismo, Gilson Machado Neto, em sua posse, em dezembro do ano passado. O tema será alvo de uma nova MP, que dependia da aprovação do orçamento 2021 para ser publicada.

Via Mercado & Eventos

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