sábado, 30 de janeiro de 2021

No limite: como os comissários de bordo estão lidando com as viagens durante a pandemia

Apesar dos decretos que obrigam o uso de máscaras, as medidas de segurança contra a pandemia nem sempre são cumpridas, deixando a saúde de comissários de bordo e passageiros suspensa no ar.


Na foto acima, um comissário de bordo utilizando máscara entrega comidas e bebidas em um voo de São Francisco, Califórnia, com destino a Newark, Nova Jersey, em 27 de outubro de 2020. Comissários de bordo correm mais risco de contrair covid que outras pessoas no avião.

Quando Amber Gibson viajou pela última vez de Chicago para Denver, nos EUA, ela se sentou ao lado de um passageiro que estava usando uma máscara cobrindo a boca, mas não o nariz. Apesar dos sucessivos pedidos dela e das comissárias de bordo, ele se recusou a ajustar sua proteção facial. Como o voo já estava atrasado, Gibson aceitou fazer uma mudança de assento após a decolagem e então se viu rodeada por outras pessoas com as faces parcialmente cobertas.

“Em vez de obrigar [o passageiro sentado ao meu lado] a sair do avião, [a tripulação] fez eu me sentir como a vilã porque o avião já havia saído do portão”, declara Gibson, jornalista de viagens residente em Chicago. “A tripulação me informou que, se eu insistisse, poderíamos voltar, mas isso só aumentaria o atraso, e eu gostaria de fazer todo mundo perder ainda mais tempo?”

O dilema de Gibson ressalta uma das muitas dificuldades das viagens aéreas durante uma pandemia. As pessoas que precisam do transporte aéreo têm que entender os protocolos de segurança de cada companhia aérea e se preocupar com os demais passageiros imprevisíveis, além da forma como a tripulação lidará com eles. As questões são ainda mais problemáticas para comissários de bordo, que precisam enfrentar um vírus que ainda não foi inteiramente compreendido e passageiros relutantes que põem a saúde — e os empregos — da tripulação em risco todos os dias.

Um relatório do Fórum Econômico Mundial em conjunto com o site Visual Capitalist mostrou que os trabalhadores dos transportes têm o maior risco de contágio de covid-19 — 75,7; sendo que a média é de 30,2 — de 966 profissões fora da área da saúde analisadas. Comissários de bordo correm um risco de contágio de covid-19 maior que todas as outras pessoas em um avião, devido à natureza do seu trabalho. O ambiente estreito implica que eles fiquem a menos de dois metros de todos os passageiros e de seus colegas em múltiplas ocasiões durante um voo. Os comissários de bordo ficam vulneráveis ao vírus quando os passageiros retiram suas máscaras para comer e beber e ao tentar convencer pessoas contrárias ao uso de máscaras a seguir as regras.

As garantias federais para a tripulação são limitadas, e cada linha aérea tem suas diretrizes e políticas. O novo decreto federal de uso de máscaras do presidente Biden, exigindo proteção facial em áreas de transporte federais, incluindo aeroportos e aviões, pode dar mais peso às variadas medidas de proteção contra a covid-19 nos Estados Unidos. Mas ainda não está claro quando o novo decreto entrará em vigor ou como ele será fiscalizado.

Enquanto isso, os tripulantes de aviões comerciais ainda terão que lidar com diretrizes abertas à interpretação que variam de uma companhia aérea para a outra — e poucas consequências para os passageiros que as desobedecem. Além disso, outras preocupações com a covid relacionadas ao local de trabalho permanecem, como políticas inconsistentes de rastreamento de contato, teste e quarentena, além de consequências potencialmente punitivas para membros da tripulação que perdem turnos para se isolar após exposição ao vírus.

Os aviões são relativamente seguros


A pesquisa estabeleceu que o ar dentro dos aviões é mais limpo do que em quase todos os outros ambientes internos, graças a sofisticados sistemas de circulação de ar e filtros Hepa. Além disso, a higienização por pulverização eletrostática, as regras de uso de máscaras da companhia aérea e as mudanças de procedimentos para reduzir os pontos de contato ajudaram tripulantes, como Roshonda Payne, a se sentirem mais seguros. “Acho que simplesmente aprender mais sobre todos os produtos, processos e sistemas ajudou a mim e aos meus clientes a ganhar confiança”, disse a comissária de bordo de Los Angeles do serviço de jato sob demanda da JSX.

Mesmo assim, os aviões não são totalmente seguros. No final do ano passado, os pesquisadores determinaram que quatro pessoas provavelmente contraíram covid-19 em um voo de 18 horas de Dubai para Auckland em setembro. Duas delas não usaram máscaras durante o voo, que estava com lotação de apenas um quarto.

A exigência da apresentação de um teste negativo para covid-19 antes do embarque, como nova regra para viagens aéreas com destino aos Estados Unidos, não elimina o risco de contágio. Em janeiro, as pessoas que viajavam para o torneio de tênis Aberto da Austrália de fevereiro de 2021 em voos fretados tiveram que apresentar um teste negativo. No entanto, na chegada, ao menos cinco pessoas de três voos diferentes testaram positivo.

Para agravar as incertezas, surgem diversas novas e mais contagiosas cepas do vírus e notícias da Europa de que as máscaras de tecido não são uma proteção adequada. Áustria, França e Alemanha agora exigem máscaras cirúrgicas no transporte público. Embora a distribuição de vacinas seja um motivo de esperança, ainda não sabemos se elas evitam a transmissão da doença e, até agora, apenas uma pequena fração da população mundial foi vacinada.

Verificação de máscaras — a parte mais difícil do trabalho


Apesar das incertezas, os cientistas afirmam que as máscaras ainda são a melhor proteção contra o vírus. Ainda assim, no ar, os comissários de bordo sofrem ao lidar com passageiros que se recusam a cumprir as regras de uso de máscaras. Um comissário, que não estava autorizado a falar oficialmente, contou que alguns infratores alegam discriminação ou zombam e questionam a autoridade da tripulação.

Outros profissionais relataram histórias de passageiros aproveitando a exceção do uso da máscara para comer e beber. Esses passageiros, declarou uma fonte, passaram todo o voo bebendo de copos quase vazios ou mordiscando lanches lentamente quando a tripulação estava por perto.

“Realmente não é fácil ser contestada repetidamente”, declara Payne sobre o uso de máscaras. Ela encontra semimascarados relutantes várias vezes por semana nos aviões para 30 passageiros da JSX, que voam entre terminais privados. “Eu entendo que algumas [pessoas] não gostam de usar máscaras. Eu também não gosto, mas é de importância vital manter todos seguros e protegidos”, observa ela.

“Idealmente, todos deveriam querer usar uma máscara para o bem dos outros, ou então pelo seu próprio bem-estar”, explica Sharona Hoffman, professora e codiretora do Centro de Direitos da Saúde da Universidade Case Western Reserve. Ela explica que as companhias aéreas têm maneiras de obrigar as pessoas a obedecer, incluindo a retirada de passageiros que se recusam a usar máscaras enquanto o avião ainda está no portão de embarque e a inclusão de violadores das regras em uma lista de impedimento de viagem. Em 2020, as companhias aéreas dos Estados Unidos baniram mais de 1,4 mil viajantes por infrações de máscara.


Entretanto, os comissários de bordo têm autoridade limitada para impor o cumprimento das regras e enfrentar orientações inconsistentes de seus superiores. Alguns são instruídos a não fazer nada além de alertar os passageiros sobre o uso de máscaras. Todavia afirmam que a administração é rápida em repassar reclamações de passageiros que acusam a tripulação de não fazer o suficiente.

A indústria do transporte aéreo de passageiros tem a esperança de que o decreto do uso de máscaras do presidente Biden ajude a minimizar os conflitos a bordo. “Agora que o decreto de uso de máscaras do executivo federal vai além das políticas das companhias aéreas, sabemos que isso dará o suporte necessário aos comissários de bordo e trabalhadores da aviação que estão na linha de frente desde o início desta pandemia”, declara Taylor Garland, porta-voz da organização sindical Associação dos Comissários de Bordo (CWA), que representa tripulantes de 17 companhias aéreas.

O decreto de Biden pode impulsionar a instrução de 13 de janeiro de 2021 da Administração Federal de Aviação (FAA). Essa instrução intensificou a fiscalização contra o mau comportamento dos passageiros, incluindo opositores do uso de máscaras desordeiros, após os incidentes em voos seguidos do cerco ao Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021. Agora, os passageiros que “agredirem, ameaçarem, intimidarem ou interferirem” com tripulantes das companhias aéreas têm uma probabilidade maior de receberem multas de até US$ 35 mil ou pena de prisão.

Mas a falta de fiscalização do decreto deixa as coisas um pouco de pernas para o ar. “Decretos locais e estaduais certamente nos ajudaram a fazer cumprir a regra de uso de máscaras”, esclarece Payne, “mas resta saber que impacto o decreto federal trará em nossos voos”.

Preocupações persistentes


Mesmo se fosse compulsório, o decreto de uso de máscaras não aborda outras preocupações fundamentais para os comissários de bordo: a falta de rastreamento de contato das tripulações nacionais, os testes e os padrões de quarentena que as companhias aéreas devem seguir. Isso se aplica aos tripulantes que temem ter sido expostos à covid-19 e querem ser testados, àqueles que estão aguardando os resultados dos testes e àqueles que testaram positivo, e deveria ser uma preocupação para os passageiros também.

Um comissário, que pediu para permanecer anônimo para proteger seu trabalho, afirma que as diretrizes federais deixam muito a critério da companhia aérea. Ele conta que as orientações atuais permitem que as companhias aéreas criem políticas — como notificações de exposição à covid-19 — que favorecem a manutenção dos comissários de bordo no trabalho em vez da segurança dos funcionários e passageiros.

Outro comissário citou a política de sua companhia aérea de enviar notificações por e-mail sobre testes positivos como exemplo. Esta política não garante que todos os funcionários sejam notificados antes de seus turnos. Consequentemente, um comissário de bordo soube por meio de colegas de trabalho — e não da gerência — que dois colegas com quem tinha voado recentemente haviam testado positivo.

A política da American Airlines é dispensar do serviço todos os tripulantes que trabalharam com uma pessoa infectada. Mas várias companhias interpretam as diretrizes da FAA e dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que definem de maneira irrealista “contato próximo”, com uma conotação bastante ampla, considerando a forma como os comissários de bordo trabalham em espaços estreitos. O teste é obrigatório apenas em circunstâncias específicas; caso contrário, a tripulação é instruída a continuar trabalhando e atentar aos sintomas. Isso é arriscado, quando estudos mostram que 59% dos casos de covid-19 são transmitidos por pessoas assintomáticas ou pré-sintomáticas.

Os testes generalizados são problemáticos devido às políticas diferentes de cada companhia aérea. Algumas companhias aéreas oferecem testes em domicílio se os funcionários forem expostos, mas apenas se apresentarem sintomas. Em algumas companhias, aqueles que desejam realizar testes de PCR mais conclusivos devem pagar por eles e fazê-los quando puderem, mesmo que tenham recebido uma notificação de exposição no trabalho. Independentemente disso, um teste não comprova que uma pessoa não está contaminada com covid, especialmente logo após a exposição.

Faltar ao trabalho devido à exposição ao coronavírus também pode ser estressante. Uma pessoa, que também não quis ser identificada, conta que alguns tripulantes têm medo de faltar ao trabalho se estiverem doentes ou acreditarem que contraíram o vírus, mesmo quando a exposição foi no trabalho. Eles explicam que a garantia salarial se aplica apenas se o teste for positivo.

Os sindicatos de tripulantes seguem pedindo por maior consistência nos protocolos de segurança e uma “resposta proativa e abrangente do governo federal à covid na aviação e em outras áreas”, declarou a AFA. Tornar obrigatórias diretrizes como o Alerta de Segurança de dezembro de 2020 da FAA, ajudaria. Atualmente, esse alerta menciona apenas que os “CDC não recomenda permitir que tripulantes com exposições conhecidas continuem a trabalhar, mesmo que assintomáticos”.

Padrões que fossem estabelecidos para toda a indústria ajudariam a garantir a utilização das práticas mais eficazes para proteger todos os tripulantes e passageiros, fosse com rastreamento de contato, detecção de sintomas com verificações de temperatura, organização de métodos de embarque e desembarque, bloqueio de assentos no meio da fileira, alteração do serviço de comidas e bebidas (especialmente a venda de lanches em voos de curta distância), ou determinação de exceções para o uso de máscaras. Isso também evitaria que os viajantes precisassem pesquisar as medidas de segurança de cada companhia aérea e que a tripulação de voo explicasse as políticas de cada companhia aérea.

Até o momento, 25% dos quase 100 milhões de casos de covid-19 do mundo estão ativos. Mais de dois milhões de pessoas morreram por causa da doença. Apesar dos riscos e das advertências contínuas contra viagens, milhões de pessoas viajam no transporte aéreo todos os dias.

Até que a maior parte do mundo esteja vacinada e o número de infecções diminua significativamente, seguir as regras pode ser a melhor maneira de voltar ao normal para todos. Quer venham das companhias aéreas ou do governo federal, regras simples para o uso de máscaras podem salvar milhões de vidas.

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