terça-feira, 18 de agosto de 2009

A terra onde não há sinal

Por Thomas L. Friedman
do The New York Times


ILHA DO CHEFE, Botsuana - Se você viajar bastante, para muito longe - como de avião até Johannesburgo, de monomotor até o norte de Botsuana e depois de hidroavião para pousar na água bem no interior do Delta de Okavango - ainda é possível encontrá-la.

É neste lugar especial que os mapas medievais teriam marcado de preto e escrito: "Aqui deve haver dragões!". No entanto, na era pós-moderna, neste lugar o meu BlackBerry, o meu notebook e inclusive o meu telefone via satélite emitem a mesma mensagem: "Sem sinal".

Sim, Dorothy, em alguma parte além do arco-íris ainda existe uma "Terra Sem Sinal" onde as únicas "redes" são tecidas pelas aranhas, onde a única "rede" é a que cerca a sua cama para lhe proteger dos mosquitos, onde os únicos "toques" do amanhecer são os gritos da águia africana e dos babuínos, onde o único GPS pertence à leoa que instintivamente calcula as distâncias entre ela mesma e o antílope que, ela espera, será o seu próximo alimento, e onde a "conectividade" se refere apenas à intrincada cadeia alimentícia que liga os predadores à presa e sustenta este surpreendente ecossistema.

Confesso que cheguei com aparelhagem suficiente para apenas abrir o e-mail por muito pouco tempo. Não estava procurando a "Terra do Sem Sinal". No entanto, os administradores do Delta do Okavango e do Fundo da Vida Selvagem, uma organização sul-africana de preservação que organiza safáris para sustentar o seu trabalho de conservação da natureza, levam a vida selvagem muito a sério. As pessoas do nosso acampamento, no extremo noroeste da Ilha do Chefe, a maior do delta, tinham um rádio, mas os únicos sons que se ouviam eram da orquestra sinfônica da mãe natureza, e a mão de Deus pintou as únicas paisagens, pores do sol e combinações de cores.

Gostando ou não, chegar até aqui nos obriga a pensar nas bênçãos divinas e nas desgraças da "conectividade". "Sem sinal" é algo pelo qual os viajantes do mundo desenvolvido pagam para poder fugir da modernidade e do e-mail, presos a eles como uma bola com corrente de ferro. No entanto, para a maioria da África, "Sem Sinal" é uma maldição porque sem conectividade o povo não consegue fugir da pobreza. É possível um equilíbrio entre as duas situações?

A primeira coisa que um turista que está sem conexão percebe na "Terra do Sem Sinal" é a velocidade com que a audição, o olfato e a vista melhoram num ato de evolução darwinista instantâneo. É impressionante perceber quanto podemos ouvir quando não temos um iPod nos ouvidos, ou quão longe alcançam os olhos quando não estão na frente de uma tela de computador. Na vida selvagem, a diferença entre ouvir e ver de forma aguçada é a diferença entre a sobrevivência e a extinção para os animais, e a diferença entre as experiências prazerosas e a oportunidade perdida para fotógrafos e guias. O nosso guia descobriu um antílope meio devorado na parte mais alta de uma árvore, o que nos chamou a atenção para o seu predador, um leopardo fêmea que lambia tranquilamente suas patas ali perto, bocejando depois do almoço. O estômago da felina subia e descia, ainda estava digerindo a presa. O leopardo tinha sufocado o antílope - ainda era possível ver as marcas no pescoço - e depois o tinha arrastado até a copa da árvore onde o prendeu entre dois galhos e o posicionou perfeitamente entre o V que se formava. E ali estava pendurado, com a cabeça pendendo para um lado, as delicadas patas para o outro, sem a metade do meio que o leopardo tinha devorado. O restante seria o almoço do dia seguinte, muito bem armazenado no alto, onde as hienas não poderiam alcançá-lo.

No entanto, enquanto na vida selvagem manter o "Sem Sinal" é essencial para o ecoturismo na África, o resto do continente necessita desesperadamente da conectividade. Eric Cantor, que dirige o laboratório de Aplicações da Fundação Grameen de Uganda, explica a grande diferença que os telefones celulares e o acesso à internet podem significar para os africanos:

"O proprietário de uma plantação de bananas, que antes estava limitado a esperar que um caminhão passasse pela sua plantação e comprasse a colheita da semana, agora pode usar o mercado da telefonia celular para anunciar a disponibilidade da sua produção e procurar compradores que estejam interessados e que tenham transporte disponível para um mercado maior", disse Cantor. "Também podem comparar os preços para ter mais poder de negociação. Os adolescentes, constrangidos de perguntar aos seus pais sobre as causas e os sintomas de doenças sexualmente transmissíveis, podem pesquisar com privacidade e melhorar a sua própria saúde. Uma agricultora sem dinheiro que necessite de um remédio para combater uma praga que ataca a sua principal colheita pode achar um que esteja disponível na sua região quando for necessário".

Felizmente, Botsuana, que tem uma área aproximada à do Texas, possui diamantes suficientes para poder transformar 40% do seu território em reserva natural. A sua conectividade urbana com os mercados mundiais de diamante permite manter o "Sem Sinal" na vida selvagem. O Zimbábue, no entanto, se transformou praticamente em um país de "Sem Sinal" com a longa ditadura de Robert Mugabe. Como resultado, tanto a população quanto a vida selvagem são espécies em extinção.

Entre os países africanos nos quais o "Sem Sinal" pode ser uma opção e não um destino - uma oferta que pode ser desfrutada pelos ecoturistas, não uma condição a ser superada pelos empreendedores - há mais esperanças de que esse continente possa melhorar ao mesmo tempo as suas maravilhas naturais e a sua população.

Thomas L. Friedman é colunista do jornal The New York Times desde 1981. Foi correspondente-chefe em Beirute, Jerusalém, Washington e na Casa Branca (EUA). Conquistou três vezes o Prêmio Pulitzer, até que em 2005 foi eleito membro da direção da instituição. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

Fonte: Terra - Imagens: mre.gov.br

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