Os dez milhões de brasileiros que vão viajar de avião nas próximas quatro semanas, até 15 de janeiro, devem se preparar para exercitar aquela que é reverenciada como a mais nobre das virtudes: a paciência. Ao que tudo indica, serão revividas cenas de caos nos aeroportos, filas intermináveis e embarques cancelados. A demanda por voos cresceu 38% em novembro na comparação anual e deve continuar aumentando em dezembro, mas o governo não fez a sua parte. De um lado, as obras para a expansão dos aeroportos estão atrasadas - dos R$ 2,5 bilhões previstos no PAC, só 20% foram executados. De outro, a Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, incapaz de enfrentar o problema, adotou uma solução curiosa: restringiu o número de voos.
Estipulou um teto de pousos e decolagens nos dois maiores aeroportos de São Paulo e também do País - são 30 por hora em Congonhas e 45 por hora em Guarulhos. Com isso, vários voos charter terão de ser remanejados. "É uma restrição absurda, que demonstra como os aeroportos brasileiros estão completamente esgotados", disse à DINHEIRO Leonel Rossi Júnior, diretor da Associação Brasileira das Agências de Viagem, a Abav. "É provável que tenhamos muitos problemas graves no fim do ano."
Teoricamente, as empresas aéreas teriam todo o interesse em reclamar da política da Anac. Mas não é bem assim. Num mercado que é quase um duopólio entre TAM e Gol - elas têm mais de 80% do tráfego aéreo -, a restrição de voos tem feito bem aos balanços das companhias. As ações das duas subiram mais de 35% nos últimos 30 dias. E as promofoto ções tarifárias praticamente desapareceram. Na inflação medida pelo IPC-S, calulado pela FGV, na primeira semanda de dezembro, as passagens aéreas pesaram muito, com alta de 4,5%. E essa tendência deve persistir, segundo as próprias empresas. "Oferta menor do que a demanda é uma equação simples, que resulta em aumento de tarifas", disse à DINHEIRO Paulo Castello Branco, vicepresidente comercial e de planejamento da TAM. Ele destaca que a expansão estrutural dos aeroportos está parada há dez anos. "Nesse período, pátio para aeronaves e pistas novas foram construídos apenas em Brasília", ressalta. Um contrassenso, considerando que, nesse mesmo período, a política econômica contribuiu para o maior acesso das classes C e D ao transporte aéreo, aumentando a demanda. E mesmo Brasília poderá enfrentar restrições de pousos e decolagens, segundo a política da Anac, comandada por Solange Vieira.
Uma das saídas seria permitir que as empresas aéreas construíssem seus próprios terminais. Os maiores da Inglaterra, por exemplo, pertencem à British Airways e não à empresa estatal, como é o caso da Infraero no Brasil. TAM e Gol são favoráveis à concessão de aeroportos à iniciativa privada, desde que não se permitam situações de dúzia, especialmente se o novo controlador for uma única companhia aérea. A falta de concorrência nos aeroportos poderia gerar aumento de tarifas", disse à DINHEIRO Fernando Roquete Magalhães, vice-presidente de operações da Gol. A Azul, por sua vez, tem interesse em administrar terminais próprios. Ela concentra suas operações em Viracopos, Campinas, onde o fluxo de passageiros saltou de 1,2 milhão para três milhões neste ano. "Um terminal próprio nos permitiria mais controle do serviço", diz Adalberto Febeliano, diretor de relações institucionais da companhia.
Enquanto o Brasil se prepara para um novo apagão aéreo, a consultoria Bain & Company projeta que o setor tem potencial para triplicar de tamanho nos próximos 15 anos, mas ressalta que os gargalos nos aeroportos, principalmente os de São Paulo, são um grande obstáculo. O Estado representa 60% da geração de todo o tráfego aéreo brasileiro. "A consequência natural de se limitar a oferta de assentos num cenário de demanda crescente é empurrar os preços para cima", alerta André Castellini, sócio da consultoria. Má notícia num país que já tem as passagens aéreas mais caras do mundo.
Fonte: Carolina Matos e Flávia Gianini (IstoÉ Dinheiro)