O diálogo abaixo foi travado no fim da tarde da quarta-feira 24, instantes depois que o consultor agrícola Francisco Vivoni, num lance único, no valor de R$ 436 milhões, adquiriu uma das maiores propriedades rurais do Brasil, a Fazenda Piratininga, que pertenceu ao ex-dono da Vasp, Wagner Canhedo:
– Alô, eu gostaria de falar com o Francisco Vivoni. Aqui é da revista Istoé Dinheiro.
– É ele.
– Soube que o sr. comprou a fazenda do Wagner Canhedo.
– Isso.
– Quais são suas atividades?
– Temos várias empresas. Está tudo lá no site da Conagro.
– Eu entrei, vi que são 11 empresas, mas só tem fotos de bois, frangos, porcos, plantações e nenhuma informação efetiva sobre faturamento, local das atividades...
– Somos uma empresa de capital fechado, não temos que prestar informações financeiras.
– Mas é estranho. Vocês dizem que têm frigoríficos, empresas de bioenergia, de higiene e limpeza, companhias de papel e celulose...
– Nós vamos dominar toda a cadeia do agronegócio.
– A empresa não foi criada especificamente para este negócio da fazenda?
– Ela existe desde 2005.
– Fazendo o quê?
– Foi criada lá fora.
– É uma multinacional, então?
– Tem um escritório em Londres para captar dinheiro de investidores estrangeiros.
– Quem são os investidores?
– É uma empresa fechada.
– Onde é o escritório de vocês?
– Estamos chegando em São Paulo, mas eu fico também em Brasília.
– Seu cartão diz que é na (avenida) Faria Lima o escritório.
– Isso, lá perto do Largo da Batata, não sei direito o nome do prédio.
– Qual era sua atividade antes desse negócio? O sr. trabalhou em alguma empresa rural?
– Sempre mexendo com terra, com fazenda.
Francisco Vivoni é tão misterioso quanto o grupo que comanda. Ele se diz presidente da Conagro, um grupo de 11 empresas, com atuação em alimentos, frigoríficos, higiene e limpeza, pecuária, bioenergia, logística, armazéns-gerais, sementes, celulose e papel, fertilizantes e agricultura.
Mas a empresa não faz parte de nenhuma associação de classe do agronegócio e o site da companhia (www.conagro.com.br), finalizado neste ano, traz apenas fotos genéricas de vários setores do agronegócio.
Seu cartão de visitas indica um endereço em São Paulo (um edifício na avenida Faria Lima, 628, sem indicação do andar ou do número da sala), com telefones de Brasília. E o condomínio localizado naquele endereço diz não conhecer nenhuma Conagro. “Nunca ouvi falar”, diz o porteiro do edifício.
O mistério em relação ao grupo comprador é mais um capítulo de um leilão cercado de batalhas judiciais e marcado por cenas inusitadas. Embora os leiloeiros que organizaram a venda demonstrassem confiança na conclusão do negócio, do lado de fora do auditório do Fórum Trabalhista de São Paulo, era difícil encontrar alguém que mantivesse o mesmo otimismo.
Quando já se preparavam para encerrar o evento, eis que Vivoni, timidamente, ergue o braço e arremata a propriedade. “Estamos acompanhando esse caso já há algum tempo e achamos uma ótima oportunidade de negócios”, afirmou Vivoni.
Até mesmo os leiloeiros se mostravam surpresos com os compradores. “Recebemos várias consultas de grandes grupos e esperávamos até uma disputa maior”, comentou o leiloeiro Antonio Carlos Seavanes.
“As pendências jurídicas foram resolvidas e podíamos ter vendido por um valor maior”, lamenta. Já o empresário Wagner Canhedo, cujas dívidas com a falência da Vasp somam cerca de R$ 1 bilhão, por meio de seu advogado, Carlos Campanha, disse que não iria se manifestar sobre a venda.
Campanha, aliás, protagonizou uma das cenas mais tensas do evento, ao se aproximar dos compradores da fazenda, para dizer que havia uma liminar que suspendia os efeitos do leilão.
“Vocês podem comprar, mas não vão levar até que se tramite o processo. Espero que estejam bem assessorados juridicamente”, disse. Mal acabou a frase, e a juíza Elisa Andreoni ameaçou dar voz de prisão ao advogado.
“O senhor não pode tumultuar o leilão”, bradou. Vitorioso, o empresário Francisco Vivoni se declara otimista. “A fazenda voltará a ser uma das mais produtivas do Brasil”, diz ele.
Mas será que Vivoni, desconhecido por todas as lideranças do agronegócio e dono de uma empresa que hoje possui apenas um website construído às pressas, comprou mesmo a fazenda em seu nome? Uma pergunta que não foi respondida no misterioso leilão da fazenda de Wagner Canhedo.
Fonte: Eduardo Savanachi (IstoÉ Dinheiro) - Imagem: Divulgação/Rogério Albuquerque