O instrumento de análises químicas da sonda Phoenix encontrou sinais de percloratos, um tipo de sal comum no deserto chileno de Atacama, no solo da região ártica de Marte. Percloratos, formados por um átomo de cloro e quatro de oxigênio, não são especialmente hostis à vida, segundo os cientistas da Nasa: há plantas que convivem bem com eles, e bactérias que os utilizam em seus metabolismos. Além disso, alguns percloratos têm propriedades anticongelantes, o que levanta a possibilidade de haver pequenas quantidades de água em estado líquido em Marte.
O engenheiro Ramon De Paula, administrador da missão Phoenix, diz, no entanto, que não há comprovação da presença de água líquida na região de Marte investigada pela sonda. "O que vimos, até agora, foi uma coisa gelatinosa que está mudando, de uma foto para a outra", explica ele, referindo-se a imagens do solo marciano feitas pela nave. "Pode ser que o gelo, misturado com o sal, tenha o efeito anticongelante. É possível, mas ainda não foi investigado o bastante. Primeiro, precisamos medir direito o sal". Ele lembra, ainda, que a baixa pressão atmosférica de Marte faz com que o líquido, se houver, evapore muito rapidamente.
De Paula falou com a reportagem do estadao.com.br depois de uma entrevista coletiva convocada para responder a boatos que percorreram a mídia americana no último fim de semana - inclusive o de que a Casa Branca teria recebido um informe especial sobre descobertas feitas no planeta vermelho - e que apresentou os resultados, ainda inconclusivos, sobre o perclorato.
Trincheira escavada pela Phoenix no solo marciano
Tanto Michael Meyer, cientista-chefe do programa de exploração de Marte da Nasa, quanto Peter Smith, principal cientista da Phoenix, afirmaram que a divulgação dos resultados ocorria antes do momento ideal, e só era feita como reação à onda de boatos.
"O processo não está completo. Estamos abrindo uma janela no projeto, mostrando a vocês a ciência enquanto é feita", disse Smith.
A Nasa diz que vinha evitando divulgar a descoberta de percloratos em Marte porque a detecção, feita pelo analisador de microscopia, eletroquímica e condutividade (Meca, na sigla em inglês) - que misturou uma amostra de solo a água levada da Terra, e analisou a solução resultante -, ainda não foi confirmada por outro instrumento, o analisador térmico e de gás evoluído (Tega), que queima amostras em fornos para estudar os gases liberados.
Além disso, os pesquisadores ainda esperavam eliminar a possibilidade de os sinais de perclorato terem sido criados por uma contaminação causada por partículas do combustível do último estágio do foguete que levou a Phoenix a Marte. Essa hipótese de contaminação, disseram os cientistas na coletiva, é tida como "remota".
"Queríamos eliminar as explicações mais improváveis, porque o resultado é improvável", disse o cientista responsável pelo Meca, Michael Hecht. Os pesquisadores consideraram a descoberta de percloratos surpreendente, em vista de resultados anteriores que indicavam que o solo marciano era muito parecido com o terrestre.
A presença de percloratos, segundo Richard Quinn, outro cientista que tomou parte na coletiva, "pode nos dizer muito sobre a história da água em Marte", já que esses sais são altamente solúveis e podem ter sido transportados para seus depósitos atuais por água corrente, no passado. Quinn, que já realizou pesquisas em Atacama, disse ainda que informes feitos anos atrás, de que era impossível encontra vida nesse deserto, já estão superados. "Quando olhamos melhor, vimos vida ao redor do nitrato e do perclorato" típicos da região, declarou.
O perclorato é um oxidante, membro de uma classe de substâncias que costumam ter um efeito corrosivo em outros materiais. Nos anos 70, as sondas Viking, da Nasa, descobriram um forte efeito oxidante no solo marciano, o que levou muitos cientistas a especular que o ambiente marciano seria inóspito demais para suportar vida, ao menos na superfície. Mas Peter Smith disse que os percloratos são um tipo de oxidante diferente. "São muito estáveis e não destroem matéria orgânica. Há micróbios que vivem disso", afirmou.
Além de confirmar em definitivo a presença de percloratos, os cientistas da Nasa ainda têm que determinar quais minerais estão ligados a eles, em quais quantidades, e eliminar de vez a hipótese de contaminação pelo foguete da Phoenix. "Ainda temos muito trabalho pela frente", disse o cientista responsável pelo Tega, William Boynton.
Fonte: estadao.com.br - Foto: NASA