Faça uma viagem no tempo e conheça a história dos primeiros homens e mulheres a se aventurarem além das fronteiras do nosso planeta.por Marcelo Conforto de Alencar MoreiraNeste artigo, que hora se inicia, vamos abordar o início dos programas espaciais tripulados. Vamos fazer uma viagem pela história, guerra fria, drama, derrotas e vitórias. Vamos ter a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre os homens e espaçonaves, que, na segunda metade do século XX, finalmente capacitaram o ser humano a abandonar a superfície do planeta que habitamos há milênios.
Ao final da segunda guerra mundial, as principais potências (EUA e URSS) acabaram por fazer uma “partilha” com os cientistas e técnicos alemães responsáveis pelas armas secretas mais avançadas do 3º Reich. Entre elas, as mortíferas V-2, que semearam a morte entre os ingleses até o final da guerra na Europa. É sabido que os americanos acabaram por ficar com a “parte do leão”, isto é, a equipe comandada por Wherner von Braun, Güenther Wendt e outros, mas os Soviéticos também contaram com os préstimos de Helmut Gröttrup e outros cientistas.
Ao contrário do programa espacial americano, a estrutura do programa espacial soviético era puramente militar (portanto, secreta) e baseada em equipes de projeto, que competiam não apenas no campo técnico, mas também no político. O programa era chefiado por Sergei Korolev (foto), cujo cargo era o de Projetista-Chefe. Sob Korolev, a URSS, desenvolveu a partir da V-2, toda uma série de mísseis balísticos. De 1953 a 1957 foi desenvolvido o R-7, considerado o primeiro míssil balístico intercontinental, que possuía dois estágios e era extremamente confiável. Com a adição de um terceiro estágio, chegou-se à conclusão que ele seria capaz de lançar uma carga de até 5 toneladas em órbita terrestre.
O projeto do que seria a primeira espaçonave tripulada da história foi iniciado na primavera de 1957. Após cerca de um ano de intensas pesquisas nos mais variados campos (física de reentrada, escudos térmicos, sistemas de navegação, e muitos outros), os planos iniciais do que se tornaria a Vostok foram divulgados. Por terem optado por uma trajetória de reentrada balística, a mais estável forma possível seria a esfera, por sua simetria. Com a colocação do centro de massa (pela distribuição interna dos equipamentos) na parte de trás, a espaçonave naturalmente assumiria a atitude correta na reentrada. A simplicidade do design e da instrumentação era uma das suas principais características.
A construção da Vostok era um esforço do qual participavam 123 diferentes organizações e 36 fábricas para os mais variados componentes, tanto da espaçonave, quanto do lançador e do sistema de apoio à vida (incluído o traje espacial), ficando a direção do projeto por conta do próprio Korolev.
A arquitetura da Vostok era tão eficiente que serviu de base não só para a série subsequente de espaçonaves soviéticas, a Voskhod, como também para uma série de satélites espiões e de reconhecimento fotográfico (Zenit) que continuaram em uso por mais de 30 anos.
Na sua configuração básica, era composta por dois módulos: o de reentrada, de forma esférica, que continha no seu interior o cosmonauta e o de serviço, que possuía todos os tanques de combustível, foguetes de manobra e retrofoguetes (utilizados para a reentrada). A Vostok também foi a primeira espaçonave onde o conceito de redundância de sistemas foi empregado para aumentar a segurança. Ao contrário de sua contrapartida americana, a Mercury, o cosmonauta ficava acomodado num assento ejetável e fazia parte do programa da missão que, após a abertura dos pára-quedas principais, o cosmonauta se ejetasse da espaçonave e pousasse com o seu próprio pára-quedas.
A instrumentação era extremamente simplificada, sem giroscópios ou instrumentos que indicassem a atitude (o equivalente da 8-Ball americana), não possuía capacidade de mudança orbital, apenas movimentação sobre os próprios eixos e o alinhamento para a reentrada era automático, efetuado pelo Sistema de Guia. Em casos excepcionais, o alinhamento poderia ser feito manualmente através de uma janela localizada entre os pés do cosmonauta e um engenhoso sistema óptico.
Depois de diversos e extensos testes, o primeiro vôo tripulado da história aconteceu em 12 de Abril de 1961 quando Yuri Gagarin, a bordo da Vostok I, foi lançado do Cosmódromo de Baikonur. Diversos fatos ocorridos durante a missão contribuíram para o aparecimento de superstições que perduram até hoje no programa espacial russo. Uma delas é que os técnicos colocam moedas nos trilhos para serem achatadas pelo transportador do foguete até a plataforma de lançamento.
Outra tradição que começou com Gagarin foi que, durante o transporte até a plataforma de lançamento, este sentiu uma forte vontade de urinar e prontamente abriu o traje espacial e “aliviou-se” nas rodas do ônibus (foto). Hoje em dia, todo astronauta que é lançado de Baikonur é obrigado a repetir o gesto, sob pena de trazer má sorte à missão.
O histórico vôo de Gagarin foi inteiramente automatizado. Inclusive, este teve os controles lacrados e só poderia assumir o comando em caso de emergência. Ao ser colocado no interior da cápsula, houve problemas com um dos parafusos que fechariam a escotilha, que necessitou ser trocada à última hora. Com o estabelecimento das comunicações e a contagem regressiva, ao lançar-se a Vostok I, Gagarin exclamou: “Poyekhali! (Lá vamos nós)”.
A tensão atingiu níveis intensos no centro de controle pois as comunicações foram perdidas por mais de 20 minutos logo após o lançamento. Korolev, que supervisionava o lançamento pessoalmente, chamava Gagarin com a voz cada vez mais embargada e somente quando a Vostok I já encontrava-se em órbita ouviu-se do cosmonauta: “Tudo está bem, vejo a Terra e as nuvens claramente”.
Gagarin (foto) completou uma volta em torno da Terra e ao iniciar a reentrada, o módulo de serviço ficou preso por um cabo ao módulo de comando e, por alguns minutos, a espaçonave girou perigosamente fora do alinhamento e do correto posicionamento do escudo térmico. Somente após o cabo se romper devido aos estresses da reentrada é que a cápsula pôde se orientar corretamente.
Ao pousar perto da base aérea de Engels, estava terminado o primeiro vôo espacial da história e a União Soviética dava mais um importante passo na corrida espacial. Yuri Gagarin nunca voltaria ao espaço, pois viria a falecer pouco tempo depois, num acidente ocorrido durante um vôo de treinamento em um caça MiG 15.
A Vostok II foi tripulada por Gherman Titov e sofreu os mesmos problemas na reentrada que a Vostok I. As Vostok III e IV, tripuladas por Andrian Nykolaiev e Pavel Popovich foram lançadas com um dia de intervalo e executaram experiências de manobra e aproximação. As espaçonaves chegaram a se avistar mutuamente, mas devido à falta de capacidade de manobra, não puderam executar uma maior aproximação nem tampouco tentar um acoplamento.
As Vostok V e VI também efetuaram um vôo conjunto, tripuladas por Valery Bykowsky e Valentina Tereshkova (foto), a primeira mulher a ir ao espaço. A essa altura, os vôos já duravam até 5 dias, tendo a Vostok V sofrido os mesmos problemas de reentrada (falha na separação do módulo de serviço) que as missões anteriores.
As missões seguintes foram canceladas em favor da Voskhod, uma versao da Vostok para três ocupantes e para o desenvolvimento da Soyuz, que seria a espaçonave lunar soviética. Diversos especialistas argumentam que o nivel de tensão, intriga política e a competição predatória existente entre as equipes de projeto acabaram por minar o programa espacial soviético, facilitando aos americanos não só equipararem-se, mas, ao final, chegar à Lua com grande antecedência. Mas à essa época (1961), a corrida espacial encontrava-se a todo vapor e os soviéticos gozavam de ampla vantagem.
Depois de milênios contemplando os céus e imaginando o que haveria lá em cima, através de enormes conquistas da ciência e da engenharia, finalmente o Homem deixava a superfície do planeta azul e dava os primeiros passos na conquista do espaço.
Fonte: Contato Radar