Cães da expedição Amundsen, em 1911-1912: dos 52 animais que iniciaram a travessia, apenas onze sobreviveram
Com quase um século de atraso, a imortalidade cartográfica será concedida aos cães e pôneis que suportaram grande parte da carga na corrida de 1911-1912 entre o norueguês Roald Amundsen e o inglês Robert Falcon Scott para ser o primeiro a chegar ao Pólo Sul.
Os pólos, do Sul e do Norte, eram o espaço sideral daqueles tempos, um mistério e um desafio, e chegar lá primeiro incendiou as rivalidades pessoais e nacionais da mesma forma que a corrida espacial para a Lua nos anos 1960. A equipe de Amundsen chegou ao Pólo Sul cinco semanas antes, enquanto Scott e seus homens famintos congelaram até a morte na caminhada de volta. Na morte, Scott foi aclamado herói.
O mapa atual da Antártida é pontilhado com os nomes dos dois e de outros exploradores e cientistas, colocados em platôs e vales, mares e geleiras. Mesmo seus benfeitores e outros notáveis, incluindo hoje obscuros personagens da realeza europeia, foram reconhecidos. Mas em nenhum lugar há uma só menção para as contribuições dos cães e dos equinos, que historiadores e especialistas polares concordam, pelo menos no caso dos cães, terem sido indispensáveis para a descoberta.
Isso está mudando, de forma modesta, como resultado da campanha inspirada por um coronel da Força Aérea americana e da antecipação para o próximo ano das façanhas de Amundsen e Scott.
Em breve, a rota das aeronaves de transporte de suprimentos na primavera, depois do rigoroso inverno austral, nos mapas aeronáuticos da principal via de tráfego aéreo entre a Nova Zelândia e a Estação McMurdo, na Antártida, terá pontos com os nomes dos onze cães de Amundsen e dos pôneis de Scott.
Os pontos de navegação nessa estrada aérea irão homenagear, entre outros, Helge, Mylius e Uroa (cães Greenland de Amundsen) e Jimmy Pigg, Bones e Nobby (os pôneis manchurianos e siberianos de Scott). Vários dos nomes dos animais foram modificados para estar em conformidade com o padrão de cinco letras para denominação dos pontos de navegação, onde em intervalos de poucas centenas de quilômetros os pilotos devem comunicar pelo rádio para os controladores de tráfego aéreo seu tempo de chegada, posição e condições meteorológicas.
No novo mapa, por exemplo, o nome de Helge aparece completo, mas Uroa se tornou Urroa, e Jimmy Pigg virou Jipig. Anteriormente, os nomes dos pontos de navegação eram apenas um conjunto de letras geradas por computador, que não significavam nada. Uma exceção, o último ponto perto da costa da Antártida continuará a ser designado Byrrd, de almirante Richard E. Byrd, um dos exploradores mais famosos do continente americano.
As alterações no mapa dificilmente colocarão Helge no mesmo grau de evidência como a Terra de Marie Byrd, homenagem à esposa do almirante. E somente pilotos, navegadores e controladores de voo devem botar os olhos na fina linha em curva da rota A338, do sul até Christchurch.
Para o coronel Ronald Smith, navegador da Força Aérea americana e ex-comandante da Operação Frio Profundo, o braço militar de apoio à pesquisa na Antártida, a Carta Aeronáutica do Centenário Amundsen-Scott é o ápice de uma campanha pessoal de dois anos para compensar a falta de reconhecimento público do papel dos animais na corrida para o pólo.
Como nomes de animais não são permitidos no mapa do continente, Smith, 54 anos, voltou suas atenções para as cartas que ele conhecia tão bem ao voar na rota Christchurch-McMurdo ao longo dos anos. "Todo mundo para quem eu contava dizia 'parece ótimo, vai nessa'", disse ele, em uma das várias entrevistas nos últimos tempos.
A Autoridade de Aviação Civil da Nova Zelândia, responsável por aquele setor do espaço aéreo, endossou a ideia e assegurou a aprovação pela Organização Internacional de Aviação Civil. A Fundação Nacional de Ciência americana, que gerencia a pesquisa científica naquela parte da Antártida, também aprovou. "E não houve reações contrárias dos militares", acrescentou Smith.
A partir daí, Lynne Cox, um autor americano que está escrevendo um livro sobre Amundsen, ajudou o coronel a compilar os nomes dos 52 cães que começaram a expedição de Amundsen em 19 de outubro de 1911, identificando os que chegaram ao pólo e os onze que sobreviveram no final. Enquanto esteve na Noruega, Cox trabalhou com arquivistas para determinar o destino dos que não chegaram ao pólo e para registrar as versões abreviadas dos nomes de modo a não parecerem bobos ou muito semelhantes a outros pontos internacionais de navegação aérea.
Com a aproximação do centenário, há vários planos para cerimônias na parte mais baixa do mundo, no posto avançado operado por americanos conhecido como Estação do Pólo Sul Amundsen-Scott. Cruzeiros estão preparando viagens especiais de turismo para as águas da Antártida e indivíduos de vários países buscam permissão para reencenar as caminhadas polares. A Noruega propôs uma nova corrida ao pólo, em snowmobiles.
Mas nenhum cão deve ser convidado para a ocasião. Na década de 80, descobriu-se que eles estavam espalhando cinomose, fatal para as focas locais. Assim, por um acordo internacional de 1993, os cães foram banidos do continente gelado onde uma vez eles ajudaram a fazer história.
Fonte: Veja.com - Foto: Hulton Archive/Getty Images / nytimes.com