Depois dos ataques terroristas do 11 de setembro, milhares de pessoas precisavam encarar uma difícil e desconfortável decisão nos Estados Unidos. O Congresso criou um fundo especial para indenizar os sobreviventes e as famílias das vítimas, mas determinou que os beneficiários dessas indenizações deviam abrir mão do direito de processar linhas aéreas, aeroportos, empresas de segurança e outras entidades.
As pessoas que tinham direito a indenização precisavam decidir se aceitavam um pagamento rápido e garantido com o dinheiro do Congresso ou arriscavam a sorte nos tribunais, possivelmente enfrentado táticas hostis, demoras e o risco de derrota.
Por isso, não surpreende que a maioria tenha por fim decidido aceitar o dinheiro do fundo, que pagou mais de US$ 7 bilhões aos sobreviventes de mais de 2,88 mil pessoas mortas e milhares de outras que saíram feridas dos atentados.
Agora, passados mais de sete anos dos ataques, um novo relatório judicial sugere que a pequena minoria que optou por seguir caminho próprio e recorrer à Justiça se saiu melhor: 93 dos 96 processos abertos foram encerrados por acordos, de valor médio de US$ 5 milhões, ou mais de duas vezes o equivalente ao pagamento médio oferecido pelo fundo especial.
No entanto, calcular custos e benefícios nunca é fácil quando há vidas em questão. O efeito do relatório, divulgado na semana passada pelo juiz federal Alvin Hellerstein, do distrito sul de Nova York, que supervisionou os processos, chama a atenção quanto à variedade de metas -dinheiro, respostas, justiça, paz de espírito - que os sobreviventes e os parentes das vítimas fatais precisavam considerar depois de sofrerem perdas tão graves.
Kenneth Feinberg, o administrador especial que se encarregou de gerir o Fundo de Indenização de Vítimas do governo, declarou em entrevista que comparar os acordos extrajudiciais obtidos nos processos aos pagamentos mais rápidos feitos pelo fundo não tinha propósito.
As pessoas que decidiram recorrer a processos, tiveram de pagar custas e honorários de advogados, e esperaram anos por dinheiro que poderiam ter recebido mais cedo e investido. "Eu me surpreenderia caso eles tenham conseguido um resultado financeiro melhor ou mais satisfação psicológica do que se tivessem recorrido ao fundo", ele disse.
"Nós encorajamos as pessoas a tentar deixar para trás o que perderam", diz. "Melhor superar o acontecido. Casar de novo. Refazer a vida. Não viver com isso durante cinco ou 10 anos".
Mas Donald Migliori, um advogado cujo escritório cuidou de cerca de 60 processos e de 40 indenizações pelo fundo, disse que não havia dúvida de quem em média, as vítimas que optaram pelos processos se saíram melhor, financeiramente, do que as que aceitaram dinheiro do fundo de indenização. "Pode-se comparar esses números de maneira absoluta", ele disse.
Migliori alega que Feinberg "vendeu a idéia do Fundo de Compensação a Vítimas recorrendo ao medo, e usando a sugestão de que as pessoas não poderiam se sair melhor do que aquilo".
Feinberg descarta a crítica. "Isso é conversa de advogado", ele diz. Muitas famílias optaram pelo fundo porque este oferecia uma solução relativamente rápida - o processo se completava em 33 meses.
Herbet Nass, advogado que representou os pais de Ingeborg Lariby, 42 anos, gerente administrativa que trabalhava no World Trade Center, disse que seus clientes desejavam encerrar o caso o mais rápido que pudessem. "Eles jamais tiveram o dinheiro como motivação", afirma. "Mesmo que acreditassem ser possível conseguir o dobro do que obtiveram do fundo, isso não teria importado para eles".
Gillian Hadfield, professor de Direito na Universidade do Sul da Califórnia, pesquisou cerca de 140 pessoas que perderam parentes em função dos ataques e que tinham direito de solicitar indenizações ao fundo, como parte de um estudo publicado no ano passado sobre os fatores determinantes na escolha entre recorrer ao fundo ou à Justiça, pelas vítimas.
Ela diz que muita gente optou pela indenização do fundo devido a necessidades financeiras prementes, como a perda de um arrimo de família, mas que posteriormente sentiram diversas emoções negativas - "esconforto, arrependimento, vergonha, raiva" - por não terem aberto processos, o que poderia ter provido mais informações, forçado as responsabilidades a se tornarem mais claras e promovido maiores mudanças.
Uma viúva sofreu grande desconforto ao imaginar se recorrer ao fundo poderia representar desserviço ao seu marido e às famílias de outras vítimas, porque um processo parecia ser a única maneira de descobrir por que os ataques aconteceram, disse Ralph Sbrogna, advogado da vítima, de Worcester, Massachusetts.
Ele disse que a mulher também temia que as famílias que optassem pela Justiça pudessem perder e terminar sem nada. A viúva terminou por aceitar um pagamento do fundo, diz ele, "a bem de seus filhos" - para obter o que pudesse para garantir a educação e o futuro deles.
Mas para alguns daqueles que decidiram recorrer a processos, o medo de uma derrota judicial nunca foi preocupação.
"Isso nunca representou um risco para mim, porque meu objetivo nunca foi o de obter mais dinheiro", disse Julie Sweeney Roth, que processou a United Airlines e outros acusados pela morte de seu marido, Brian Sweeney, 38, que estava a bordo do voo 175 quando o avião colidiu com a torre sul do World Trade Center.
"Eu queria saber o motivo, e de que modo isso aconteceu ao nosso país", disse Roth. "De abrir um processo e solicitar indenização em dinheiro é o caminho para isso, então é o que farei".
Mas ela declarou que o processo judicial se tornou opressivo, e que ela aceitou um acordo para encerrá-lo dois anos atrás, depois de se casar de novo. "Eu levei minha vida adiante" diz, confiante em que outras pessoas "levariam a disputa até o fim para obter as respostas que todos merecemos"
Em seu relatório, o juiz Hellerstein resumia a situação dos processos, abertos em nome de 96 vítimas - 85 por responsabilidade judicial em casos de morte e 11 por ferimentos.
Ele apontou que algumas famílias de vítimas de alta renda optaram pela Justiça porque acreditavam que o fundo não as indenizaria adequadamente. O pagamento médio do fundo em caso de morte era de US$ 2,1 milhão por vítima.
O juiz disse que tomou providências para assegurar a lisura dos processos, limitando os honorários de advogados a 15% do valor de qualquer acordo e garantindo que "partes assemelhadas possam esperar pagamentos assemelhados".
Hellerstein chegou a rejeitar quatro acordos extrajudiciais, em valores que variavam entre US$ 5,5 milhões e US$ 8 milhões, por serem "altos demais".
O juiz diz que o procedimento foi muito melhorado quando ele indicou uma mediadora, Sheila Birnbaum, sócia do escritório de advocacia Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom. Com a ajuda de seu colega, Thomas Fox, ela ajudou a resolver 72 casos.
Birnbaum declarou em entrevista que o valor dos acordos foi influenciado por fatores como renda, situação familiar e leis estaduais para esse tipo de caso, mas acrescentou que "em última análise, tudo gira em torno da oferta que é feita e daquilo que as pessoas aceitam".
Desmond Barry, do escritório de advocacia Condon & Forsyth, que representou os acusados, se recusou a comentar, limitando-se a dizer que os acordos foram fechados sem admissão de responsabilidade judicial ou de qualquer delito. Os termos dos acordos requerem que os montantes recebidos sejam mantidos em sigilo.
Hellerstein escreveu ter encorajado os litigantes a recorrer ao fundo e "obter uma boa indenização - talvez não a melhor, mas não seria preciso provar coisa alguma para obtê-la".
O juiz sabia por experiência que "processos judiciais não são muito efetivos em demonstrar às pessoas quais eram os verdadeiros problemas". Hellerstein escreveu que "eles não são boas ferramentas de investigação".
Fonte: Benjamin Weiser (The New York Times) - Tradução: Paulo Migliacci - Terra