domingo, 30 de maio de 2010

Pelos olhos dos soldados, a primeira guerra do YouTube

Imagem de soldados em patrulha num tanque no Iraque, retirada do YouTube

Quando o site WikiLeaks divulgou um vídeo restrito, de 2007, no qual a tripulação de um helicóptero militar americano Apache aparece matando doze civis no Iraque, inclusive dois jornalistas da agência Reuters, Hayden Hewitt ficou com a pulga atrás da orelha. Ele soava familiar, não só porque era um novo vídeo de um Apache, milhares dos quais estão disponíveis no LiveLeak.com, o site de compartilhamento de vídeos que Hewitt ajudou a fundar em 2006.

Vídeos captados em helicópteros Apache, na realidade, podem ser tão consistentes do ponto de vista de estilo quanto as notas de dólar: uma visão panorâmica de uma cidade iraquiana capturada em infravermelho, acompanhada por piadas feitas pelos tripulantes. Tudo geralmente acaba com "um grupo de pessoas mortas captadas por uma câmera FLIR", disse Hewitt, referindo-se aos equipamentos de infravermelho feitos pela FLIR Systems.

Mas nesse caso, Hewitt notou que havia alguma coisa conhecida no que vira no WikiLeaks, um documento de 38 minutos de um voo sobre Bagdá interrompido por disparos de armas e que terminou numa carnificina, incluindo a morte dos dois jornalistas, cujas câmeras foram confundidas com armas.

"Quebramos a cabeça, havia alguma coisa de errado com aquilo", disse Hewitt, explicando porque o vídeo não está disponível atualmente no site. Vários usuários de confiança, velhos freqüentadores do LiveLeak, garantiram que tinham visto o vídeo um ano antes dele se tornar famoso, disse. Depois de um dia de procura nos arquivos do site, Hewitt não encontrou nenhum registro do filme original. "Talvez a ideia de que ele esteve disponível no LiveLeak seja apenas uma lenda urbana."

Se alguém procura ver o horror da guerra, não precisa ir muito longe. Há sites em abundância que mostram carnificinas e grande parte desse material foi filmado, editado e colocado no ar por soldados que registraram suas próprias experiências. "Há muito mais tipos de dispositivos de gravação, montados de diferentes maneiras", disse Jennifer Terry, professora da Universidade da Califórnia, que produziu um estudo de vídeos militares feitos no Iraque e Afeganistão para o jornal multimídia Vectors. "A maneira como esses vídeos circulam na internet não tem precedentes, por isso gosto de dizer que esta é a primeira guerra do YouTube."

A única mercadoria que é extremamente rara, no entanto, é contexto. A internet está cheia de imagens de militares americanos no Iraque e Afeganistão. O que se pode encontrar em sites como YouTube e LiveLeak reflete a vida dos soldados em uma zona de guerra, passando do tédio ao drama. O lado engraçado é um fenômeno do YouTube, a recriação da canção Telephone, de Lady Gaga, por soldados no Afeganistão, vista mais de 5 milhões de vezes. E há os vídeos de trocas de tiros e bombardeios.



Mas até o material mais violento postado por soldados geralmente chega numa forma que remetem a clipes de música. Algumas canções se estabeleceram como fundo musical, especialmente o sucesso heavy metal Bodies, do Drowning Pool, com seu mantra: "Deixe que os corpos caiam no chão, deixe que os corpos caiam no chão". Em resumo, como Terry afirma em seu estudo, o soldado que se torna câmera está "radicalmente fora de contexto". "Há uma qualidade polivalente para este material, que pode ser heróico, a coisa 'real', um fetiche tecno", disse ela. "Ele não fala por si."

A câmera FLIP pode potencialmente servir para criar um jornalista-cidadão, mas por que, exatamente, deve-se esperar isso de soldados no Iraque e no Afeganistão? "A questão é que as pessoas se esquecem que esses caras são jovens", disse Tommy Blacha, um roteirista de TV e ex-soldado que serviu na Alemanha nos anos 80. Para quem assiste e cria os vídeos, disse ele, "há um sentimento vibrante de que aquilo é o tipo de coisa errada que você poderia ter feito".

Seus companheiros de farda na Alemanha não tinham habilidade para produzir vídeos, disse ele. Eles faziam sua parte brincando com uma câmera Polaroid. Blacha afirmou que se lembra de ter visto o vídeo da WikiLeaks um ano atrás no LiveLeak, mas a única coisa que chamou sua atenção foi a história. "Visualmente são muito ruins, mas ali tinha um jornalista que fora morto", disse.



Mesmo supondo que o vídeo de 2007 estava disponível no LiveLeak em 2009, é evidente que não teve o impacto gerado na versão postada no WikiLeaks. Pode ter sido simplesmente uma mensagem para a família nos Estados Unidos sobre a maneira incrível como o soldado lidou com seus oponentes. "Esses vídeos têm um forte impacto, mas é difícil dizer o que podem gerar", disse Hewitt. "Algumas pessoas assistem e pensam ‘isso é grotesco, como pudemos fazer isso’. Outras vão dizer. 'É isso vai, vamos lá moçada'."

Fonte: The New York Times via Veja.com - Imagens: Reprodução/YouTube

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