segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sem estrutura, Confins corre risco de colapso

Ampliação já aprovada pela Infraero fica aquém das projeções de analistas do setor, que apontam gargalo nacional

O crescimento exponencial da demanda por transporte aéreo e o descompasso da União na expansão da infraestrutura aeroportuária trazem o risco de o Aeroporto Internacional Tancredo Neves (AITN), em Confins, se parecer com uma “rodoviária indiana” em 2014, ano da Copa do Mundo do Brasil. O alerta é de consultores contratados pelo Governo mineiro para assessorar a elaboração do Plano Diretor do aeroporto. Eles consideram que a construção do Terminal 2 de passageiros, com capacidade para 5 milhões de pessoas, já deveria ter sido iniciada, com vistas a atender o movimento previsto daqui a quatro anos. A analogia com “rodoviária indiana” se refere à superpopulação daquele país - que passa de 1 bilhão - e à sua precária estrutura de transportes.

Contudo, a implantação do segundo terminal não consta dos planos da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). A estatal trabalha apenas com a perspectiva de ampliação do espaço já existente. O gargalo não se resume a Confins, mas aos principais aeroportos brasileiros. Além disso, não tem solução de curto prazo à vista.

Desde a crise aérea deflagrada após o choque de um avião da Gol com uma aeronave executiva, em 2006, os investimentos do Governo federal no setor têm decrescido. O coordenador da área de Infraestrutura do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Carlos Álvares Campos Neto, calcula que os aportes da União foram de R$ 4,1 bilhões em 2006, recuando para R$ 3,6 bilhões no ano seguinte, R$ 1,7 bilhão em 2008 e R$ 1,9 bilhão em 2009.

E não há sinal de reversão da rota. O plano de investimento da Infraero até 2014 prevê aporte de R$ 6,14 bilhões em todo o país – média de R$ 1,5 bilhão ao ano. Cerca de R$ 5,3 bilhões irão para as cidades-sedes da Copa. Nesse ritmo, o apagão aéreo pode acontecer antes mesmo da chegada da demanda adicional de 2,7 milhões de passageiros domésticos e internacionais, provocada pelo Mundial de Futebol. “O problema que estamos enfrentando no setor aéreo brasileiro está acontecendo hoje”, adverte Campos Neto.

Conforme o Ipea, já estão operando acima da capacidade os aeroportos de Guarulhos, Congonhas, Brasília, Salvador, Confins, Porto Alegre, Vitória, Florianópolis, Goiânia e Curitiba. No AITN, o excesso de capacidade já chegaria a 12%.

Novos consumidores aceleram risco de colapso

O risco de colapso do sistema aeroportuário é acelerado pela chegada de novos consumidores ao mercado. As passagens aéreas têm caído de preço, e as condições de pagamento são facilitadas pelo crédito abundante, o que torna as viagens aéreas acessíveis também às classes C e D. Conforme Campos Neto, o setor precisa de planejamento que antecipe o cenário em 30 a 40 anos. O item anda em falta na agenda governamental. O especialista assinala que as políticas públicas têm sido inconsistentes e que o marco regulatório atual não é compatível com o cenário competitivo do mercado.

A advertência do apagão aéreo foi feita durante debates do Ciclo Amcham de Desenvolvimento Setorial, promovido pela Câmara Americana de Comércio de Belo Horizonte (Amcham). Os presidentes da Azul Linhas Aéreas, Pedro Janot, e da Trip, José Mário Caprioli, participaram do encontro e não escondem a apreensão. “A infraestrutura está pressionada para amanhã”, aponta Janot, que considera que falta ao Brasil um órgão com poder de decisão que centralize as políticas da aviação civil.

De acordo com ele, há falta de harmonia entre as decisões da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), da Infraero, do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) e do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa). “O novo governo vai ter que enfrentar de frente e resolver”, afirma o executivo, cuja companhia já investiu US$ 1 bilhão no país. Conforme Janot, os tempos de “voo de galinha” da economia – curtos períodos de crescimento – ficaram para trás, o que exige um novo modelo de planejamento.

Caprioli, que se diz um otimista, destaca que, para cada 1% de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a aviação civil brasileira tem incremento de 3%. Em 2010, com alta de 7%, a aviação pode crescer 21%. Só em agosto, a Anac registrou acréscimo de 34% no setor. Em 2011, a projeção é elevação do PIB em 5%, o que resultará em 15% na aviação. “A Copa do Mundo é uma marola”, afirma.

Expansão do terminal ignora 1 milhão de passageiros

O plano de investimento da Infraero para o Aeroporto de Confins (AITN) totaliza cerca de R$ 400 milhões até 2014, o que inclui a ampliação de pátios e pista e a reforma e modernização do terminal de passageiros, que terá a capacidade ampliada de 5 milhões de pessoas para 8 milhões, aponta o superintendente regional da estatal, Mário Jorge Fernandes de Oliveira. O início das obras para aumentar o Terminal 1 está previsto para janeiro do ano que vem, com conclusão em outubro de 2013. O cronograma sinaliza um descasamento com a demanda, pois o fluxo de passageiros em Confins chegará a 7 milhões neste ano, indo a 9 milhões em 2014, acima da capacidade projetada pela expansão.

No momento, não há decisão da Infraero para construção do Terminal 2, para mais 5 milhões de passageiros. O projeto executivo desse novo espaço é tocado pelo Governo de Minas Gerais, que firmou convênio com a Infraero para acelerar os planos. “O Terminal 2 tem que começar agora”, diz o subsecretário de Assuntos Internacionais do Estado, Luiz Antônio Athayde, que evita previsões quanto à conclusão dos trabalhos.

De acordo com Oliveira, o número de passageiros nos aeroportos da Infraero – a empresa administra 67 unidades – cresce a uma taxa de 10% ao ano desde 2004. O ritmo supera a média mundial. Entre 2003 e 2008, anos de bonança da economia global, o acréscimo foi de 59% contra 35% na média internacional. No auge da crise, entre janeiro e novembro de 2009, o setor recuou 3,2% ante igual intervalo de 2008, na média global, enquanto saltou 11,6% no Brasil. “O crescimento da Copa do Mundo não é o que nos assusta”, reconhece Oliveira. “Temos que enfrentar é o crescimento de 10% ao ano”, completa.

O Ipea aponta cinco possíveis soluções para os gargalos do setor aeroportuário. As hipóteses são a abertura do capital da Infraero, que ganharia musculatura para investir via mercado de ações; concessão de aeroportos à iniciativa privada por lotes mistos de operações rentáveis e não rentáveis; concessão apenas de aeroportos rentáveis; construção de novos terminais nos aeroportos saturados por meio de concessões ou parcerias público-privadas; e construção de novos aeroportos pela iniciativa privada.

As possibilidades apresentadas estão em análise pelo Governo, mas não há decisão política sobre o assunto. O diretor do Departamento de Política de Aviação Civil da Secretaria de Aviação Civil do Ministério da Defesa, Fernando Antônio Ribeiro Soares, detalha que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) contratou a consultoria McKinsey para analisar o modelo de abertura de capital da estatal, mas o estudo não está concluído.

Por ora, a única decisão do Governo federal é a privatização do Aeroporto Internacional de Natal, conhecido como São Gonçalo do Amarante. O local já foi incluído no Programa Nacional de Desestatização (PND), e a modelagem da concessão está sob consulta pública. A expectativa é que a licitação aconteça no ano que vem. Quanto à falta de harmonia entre os órgãos gestores do setor aeronáutico, a solução será demorada. Conforme Soares, a transição do controle da aviação das mãos dos militares para funcionários civis é um processo recente e ainda em curso. Tende a se consolidar em 10 anos. Ele lembra que o Ministério da Defesa foi criado em 1999; a Anac surgiu em 2005; e a Secretaria de Aviação Civil, em 2007.

Fonte: Rafael Sânzio (hojeemdia.com.br)

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