Durante negociações com a França, americano teria ligado duas vezes para assegurar repasse de tecnologia
Um jornal francês revelou na última segunda-feira, 14, nuances até então desconhecidas da disputa pelo contrato FX-2, que prevê a renovação da esquadrilha da Força Aérea Brasileira (FAB). De acordo com reportagem do Les Echos, de Paris, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, teria telefonado duas vezes ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assegurar a transferência da tecnologia e contrabalançar a presença do presidente da França, Nicolas Sarkozy, nas negociações.
Desde a publicação da matéria, o Estado verifica a veracidade das informações com fontes dos governos brasileiro e francês. As respostas são contraditórias. Questionada, uma fonte do governo brasileiro envolvida no encontro entre os presidentes Lula e Sarkozy, em Brasília, respondeu: "Quem escreveu parece ter estado dentro das negociações", sobre o teor da reportagem.
No Planalto, a versão é outra: "Não tem nada disso. Acho muito pouco provável, quase impossível que tenha havido um telefonema", afirmou um interlocutor da presidência.
De acordo com o jornal, a interferência de Obama na licitação do Ministério da Defesa teria acontecido em razão das chances remotas do F-18, da Boeing, em vencer a concorrência com o Rafale, da Dassault, e com o sueco Gripen NG, da Saab, em razão da falta de compromissos da Boeing em relação à transferência de tecnologia, uma exigência do governo brasileiro. O primeiro telefonema do presidente norte-americano teria acontecido em seu período de férias na ilha de Martha's Vineyard, em Massachusetts, entre 23 e 30 de agosto.
Segundo o jornal, Obama telefonou a Lula e se colocou como fiador de que a transferência de tecnologia do F-18 seria aprovada pelo Congresso norte-americano - órgão ao qual cabem decisões estratégicas dessa natureza. O chefe de Estado teria então antecipado que voltaria a ligar, com a confirmação de que a aprovação aconteceria em caso de vitória da Boeing na licitação.
Mesmo com a promessa, o jornal sustenta que Lula telefonou a Sarkozy em 31 de agosto, anunciando sua preferência pelo caça francês na concorrência. Cinco dias depois, o brasileiro afirmaria, em entrevista à TV5 Monde, à RFI e ao jornal Le Monde, que a França era a favorita em função de sua disposição de transferir tecnologia. "O Brasil passa por uma fase na qual terá de tomar uma decisão, e todo mundo sabe que uma das exigências que o Brasil faz é de ter acesso à tecnologia", disse o presidente.
A partir de então, afirma Les Echos, o lobby norte-americano se intensificou. O jornal diz que uma ofensiva de comunicação teria sido realizada pela Boeing, distribuindo informações negativas sobre seu principal concorrente por diferentes canais, incluindo o meio político e a imprensa brasileira. Entre as "informações" estariam críticas ao Rafale como o custo da hora de voo e supostas exigências da Dassault: o pagamento de 70% do valor do contrato antes da entrega do primeiro caça e a ausência de garantias sobre a exclusividade do Brasil para as exportações do avião na América Latina. As informações são desmentidas pela companhia.
Em resposta ao aumento do assédio norte-americano, o governo francês teria acenado com a compra de 10 a 15 aviões de transporte KC390 da Embraer, uma espécie de contrapeso à aproximação entre a Boeing e a companhia brasileira. É nesse momento que, segundo o jornal, acontece o segundo telefonema de Obama, desta vez garantindo que o Congresso aprovaria a transferência de tecnologia.
Ao chegar a Brasília, a delegação francesa percebeu o cenário adverso contra os Rafale, sustenta Les Echos. Sarkozy teria então proposto a Lula que as discussões avançassem ao longo da madrugada, o que ocorreu, resultando em uma declaração na qual são asseguradas negociações privilegiadas com a Dassault.
Fonte: Andrei Netto (O Estado de S.Paulo)