No momento em que a crise econômica derruba com mais força a aviação comercial, a produção de caças da Boeing voa mais alto. E no Brasil, onde a recessão não é tão voraz, o pouso talvez seja mais seguro. Representantes da divisão de aviões militares do grupo conversaram na semana passada com 60 empresas brasileiras, conforme revelou à Gazeta Mercantil Jim Albaugh, presidente da Integrated Defense Systems (IDS), divisão de equipamentos militares da Boeing. Estabelecer parcerias com empresas nacionais é fundamental para a IDS no estágio atual e futuro do projeto F-X2, concorrência capitaneada pela Força Aérea Brasileira (FAB) para a encomenda de 36 caças multiemprego.
"Nós queremos parceria com quantas empresas pudermos fazer no Brasil", afirmou o CEO da IDS. Em passagem de três dias pelo País, Albaugh se encontrou com representantes da FAB e do governo brasileiro, mas fez mistério sobre as reuniões. Também não comenta as cifras que envolvem a licitação das aeronaves. O mercado fala em mais de US$ 2,2 bilhões, número que ultrapassará US$ 10 bilhões, se o governo brasileiro abraçar a idéia de comprar 120 aviões de guerra. Este número só é comparável à licitação da força aérea da Índia, de 126 caças. A Boeing está no páreo para a construção de aviões na Dinamarca, Japão e Grécia.
No Brasil, três modelos foram selecionados para o programa de defesa. Além do F 18 Super Hornet, da Boeing; Rafale F3, da francesa Dassault, e o Gripen NG, da sueca Saab. O governo brasileiro exige a produção nacional dos aviões além da transferência de tecnologia da empresa vencedora para a Embraer, além de outros fornecedores locais. O executivo da Boeing descarta a possibilidade de não cumprir com as exigências dos brasileiros, e minimiza a fama que o governo americano tem de negar conhecimento tecnológico a parceiros comerciais.
"No que diz respeito a transferência de tecnologia nós estamos realmente trabalhando para fazer o possível", disse o executivo, contudo, admitiu que o aval do governo americano para a transferência de tecnologia é um processo lento.
Gazeta Mercantil - A Força Aérea Brasileira (FAB) planeja a compra de 36 aviões militares, número que pode chegar a 120. Qual a importância desta encomenda para a Boeing?
A encomenda da FAB é muito importante para a Boeing, e estes aviões representam um novo round de produção para nós. E é claro que uma encomenda de 36 aviões traria consigo uma oportunidade de desenvolver um relacionamento duradouro com a FAB. E acreditamos que ganhar essa licitação pode trazer ainda mais oportunidades de vender outros produtos da Boeing para o Brasil.
Gazeta Mercantil - Qual o valor das encomendas para a FAB? O mercado estima algo superior a US$ 2 bilhões....
Estamos em processo de competição neste momento e não podemos comentar valores.
Gazeta Mercantil - A licitação da FAB se torna mais importante neste momento de crise mundial?
Certamente todas as empresas foram impactadas pela crise, e ter um pedido garantido certamente importante nesse período de incertezas.
Gazeta Mercantil - E a divisão de defesa da Boeing se tornou um negócio mais seguro para o grupo por causa da queda da demanda por aeronaves comerciais?
Quinze anos atrás Boeing iniciou uma estratégia, que era ter um portfólio equilibrado de produtos, com a intenção de ter 50% comercial, e 50% de defesa. A razão disso é que eles perceberam que as vendas de aviões comerciais funcionam em ciclos, que variam de acordo com a conjuntura econômica, enquanto a parte de defesa é mais estável no longo prazo. Por isso a divisão, e por isso é importante que a parte de defesa tenha uma boa performance, devido ao momento atual da aviação comercial.
Gazeta Mercantil - De que outras grandes concorrências na área de defesa a Boeing está participando mundo afora?
Há um bom número de processos de compra de aviões táticos de defesa em curso. Uma na Índia, para a compra de 126 aeronaves. Outra na Dinamarca, de 48 aviões. Também há uma concorrência no Japão, que estamos acompanhando bem de perto, onde vão encomendar 60 aviões. E 40 na Grécia.
Gazeta Mercantil - Até que ponto a crise preocupa o grupo Boeing? Crédito é problema para a companhia?
A Boeing tem uma posição muito sólida, um caixa adequado. E temos ainda uma companhia financeira (braço da Boeing para financiamentos) que podemos usar para financiar a compra de aviões militares ou comerciais junto a parceiros comerciais. E a nossa saúde financeira não foi impactada pela crise.
Gazeta Mercantil - Uma das maiores preocupações do governo brasileiro se trata do offset (compensação industrial, comercial e tecnológica) e especificamente do processo de transferência tecnológica militar para a Embraer. Há um temor de que haja resistência dos americanos neste processo. Isso é verdade? Até que ponto a Boeing está comprometida com este processo?
Primeiro a questão do offset. Nós estamos presentes com US$ 29 bilhões em participação em trabalho industrial em 38 países diferentes na última década. Nós entendemos como se fazer offset e participação industrial. Na questão da transferência de tecnologia, estamos trabalhando com ênfase com o cliente daqui e o governo americano para conseguir a liberação [das licenças e autorizações de transferência] que a FAB precisa, na questão relativa à tecnologia. É um processo lento, mas já vendemos este tipo de avião no mundo, e sempre conseguimos a liberação do nível apropriado de tecnologia para nossos clientes.
Gazeta Mercantil - Como foi o encontro em Brasília? Com quem o senhor conversou, ou ainda vai conversar aqui no Brasil?
Tive encontros com representantes do governo, com representantes da FAB e com parceiros, mas não posso divulgar exatamente com quem foram os encontros. Os encontros foram construtivos, e nos deram ideias do que é importante nessa competição específica.
Gazeta Mercantil - É possível formar parceria com a Embraer e outras companhias?
Estamos conversando com sessenta empresas diferentes, temos um time no Brasil fazendo isso aqui. Claramente a Embraer é uma companhia do setor extremamente capaz no setor aeroespacial, é a terceira maior fabricante mundial de aviões comerciais. E tenho certeza que a Embraer terá enorme participação neste programa, caso sejamos nós os vencedores, ou qualquer outra das empresas participantes. Nós queremos parceria com quantas empresas pudermos fazer no Brasil. A idéia desta concorrência não é somente fornecer aeronaves para a força aérea brasileira, mas também criar empregos no Brasil, transferir tecnologia para as empresas brasileiras, e como resultado deste programa, elevar a capacidade de uma indústria aeroespacial que já é muito capaz e eficiente.
Gazeta Mercantil - Outra preocupação do governo brasileiro são as restrições do Estado americano quanto à transferência de conhecimento tecnológico de empresas americanas, condição que pode ser reforçada diante desse cenário atual de recessão e protecionismo. O senhor acha que isso é provável?
O governo brasileiro foi bem claro conosco: querem 100% de offset e temos certeza de que podemos atender a essa condição. No que diz respeito a transferência de tecnologia nós estamos realmente trabalhando ativamente para fazer o possível, e acreditamos que conseguiremos a liberação do nível de tecnologia apropriado que é exigido pela FAB. Portanto, não considere que essa questão será um empecilho.
Gazeta Mercantil - O novo governo americano, de Obama, pode ser melhor para a Boeing? Dizem que o governo de Bush não colaborou para aproximar a Boeing da FAB ...
Não sou político, sou engenheiro e um homem de negócios. Temos que ser flexíveis, governos vão e vem, líderes vão e vem, e temos que continuar nosso negócio independente de quem esteja na casa Branca, no pentágono, e somos fortes apoiadores do presidente Obama e das posições que ele tomou até agora.
Gazeta Mercantil - O senhor acha que o governo brasileiro pode dividir a licitação para mais de uma empresa se realmente encomendar 120 caças?
Não vou tentar adivinhar o que o cliente pode fazer. Nós vamos responder ao pedido que ele faça. Mas considero que ter múltiplos tipos de aviões não é eficiente, do ponto de vista de manutenção. Faz muito mais sentido ficar só com um tipo de avião.
Gazeta Mercantil - Recentemente Dassault realizou um encontro com a federação das Indústrias de São Paulo (FIESP), para se aproximar da indústria brasileira. Há alguma estratégia parecida da Boeing ?
Como eu disse, nós estamos conversando com 60 companhias diferentes, e acho que estamos sendo bem agressivos na tentativa de entender quais as capacidades da indústria aeroespacial brasileira. Queremos ter o maior número de empresas no nosso time, quando entregarmos a proposta, no final de maio. Acredito que vamos descobrir empresas que a gente nem sabia que existia, e que vão adicionar valor a nossa proposta aqui no Brasil.
Gazeta Mercantil - E quanto a investimentos no Brasil, quais são os planos?
O que estamos vendo de interessante, enquanto conversamos com as empresas, é que há muitas mais que podemos fazer no Brasil, além de vender 36 caças. Há cenários para cooperação que poderão nos ajudar em ofertas nos EUA, há oportunidade para nós trabalharmos em coisas como biocombustíveis, e muitas coisas que extrapolam o propósito dessa competição.
Gazeta Mercantil - Houve uma oferta da Boeing sobre a construção de uma linha de produção no interior do estado de São Paulo. Como vai ser?
Os detalhes específicos da oferta eu não posso abrir no meio da competição, e não falaria aqui se estamos ou não propondo isso.
Gazeta Mercantil - Que tipo de acesso ao mercado de defesa norteamericano as empresas brasileiras teriam, caso a Boeing vença a concorrência?
Acreditamos que há tecnologias existentes no Brasil que podemos agregar nos produtos que vendemos ao governo americano e ao resto do mundo. E uma das grandes questões dessa competição é que estamos ganhando exposição com essas empresas.
Fonte: Sabrina Lorenzi e Bruno De Vizia (Gazeta Mercantil)