Jarbas Einsfeld Bandeira, de 50 anos, receberá uma aposentadoria de R$ 2,4 mil por apenas 25 anos de trabalho. Bandeira foi representado na Justiça pela advogada Maurinize Dias, do escritório Abdo, Abdo & Diniz Advogados Associados. Segundo ela, se fosse aplicada a legislação mais recente, ele não chegaria a receber nem R$ 1,5 mil de aposentadoria.
A aposentadoria especial foi criada pela Lei 3.807/60 — a Lei Orgânica da Previdência Social — e mantida pela Lei 8.213/91, conhecida como Lei de Benefícios. A regra permitia que atividades que oferecessem risco à saúde garantissem aposentadoria antecipada aos trabalhadores. Mesmo com menor tempo de contribuição, o benefício nesses casos era equivalente ao salário integral. Funções como as de minerador, enfermeiro ou motorista, consideradas arriscadas à vida ou à saúde, eram beneficiadas com um tempo mínimo de 15, 20 ou 25 anos para a aposentadoria. Salvo as atividades que envolviam exposição a ruídos elevados, a Previdência não exigia qualquer comprovação técnica do risco das funções, apenas uma declaração da empresa.
O benefício especial foi extinto em 1995, quando a Lei 9.032 estabeleceu uma única forma de contagem do tempo de contribuição. Quem já trabalhava nas funções diferenciadas, porém, ganhou o direito de contar o período em maior proporção — 40% a mais para homens e 20% para mulheres — na chamada regra de “conversão”. Assim, embora precisassem de um pouco mais de tempo de trabalho do que durante o regime anterior, esses trabalhadores se aposentavam antes dos demais. A adaptação durou até 1998, quando a Emenda Constitucional 20 acabou com todas as formas de contagem especial. Hoje, os homens só se aposentam por tempo de contribuição depois de 35 anos de trabalho e as mulheres, 30.
A sucessão de modos de contagem causou confusão até mesmo à Justiça. Segundo a advogada do comissário, Maurinize Dias, o juiz que analisou o caso na primeira instância não entendeu o pedido. Em primeiro grau, a 2ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS) permitiu apenas que o comissário Jarbas Einsfeld Bandeira contasse o período trabalhado em proporção 40% maior, conforme a lei de conversão. A decisão reconheceu como especial o período trabalhado de 23 de setembro de 1982 a 28 de abril de 1995, enquadrando-o na conversão permitida pela Lei 9.032/95. “O que o juiz não entendeu foi que a intenção não era obter a conversão, mas a aposentadoria especial de todo o período de trabalho”, diz a advogada.
O período pleiteado era de 23 de setembro de 1982 a 1º de agosto de 2006. Apesar de extinta a aposentadoria especial, de acordo com a advogada, o direito do comissário de voo era aquirido, uma vez que o regime vigorava quando ele ainda trabalhava. Assim também entendeu o relator do processo no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. “O tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador”, disse o desembargador federal João Batista Pinto Silveira, da 6ª Turma do TRF-4. Por unanimidade, a turma reconheceu o direito do trabalhador à aposentadoria especial.
De acordo com o Perfil Profissiográfico Previdenciário no qual Bandeira foi enquadrado pela Varig, na qualidade de tripulante, o ex-funcinário trabalhava “à bordo de aeronaves, expondo-se de forma habitual e permanente, a desgaste orgânico, devido a altitudes elevadas, com atmosfera mais rarefeita e menor quantidade de oxigênio, variações da pressão atmosférica em pousos e decolagens e baixa umidade relativa do ar, sujeitos a barotraumas, hipoxia relativa constante, implicações sobre a homeostase e alterações do ritmo cardíaco”, diz a advogada na petição.
Porém, para obter o registro, o comissário precisaria ter trabalhado por pelo menos 25 anos na função. Ele somava apenas 23 anos, dez meses e nove dias. O primeiro emprego, no entanto, salvou as pretensões de Bandeira. Entre 1980 e 1982, ele tinha trabalhado em uma empresa como balconista e o período acabou sendo convertido em especial pela Justiça. Com a conversão, os dois anos e 20 dias foram multiplicados pelo índice de conversão 1,71, chegando-se a um ano, cinco meses e 15 dias a serem somados. O resultado dessa conta, de 25 anos, três meses e 24 dias, era mais do que suficiente para garantir o direito à aposentadoria especial.
O desembargador João Batista Pinto Silveira explicou, em seu voto, o motivo da aritmética. Segundo ele, vedação para conversão de regime de trabalho comum em especial só aconteceu em 1995, com a Lei 9.032. “O tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. O fato de os requisitos para a aposentadoria terem sido implementados posteriormente, não afeta a natureza do tempo de serviço e a possibilidade de conversão segundo a legislação da época”, disse.
Procurada, a Advocacia-Geral da União, responsável pela defesa da Previdência nesse caso, não se manifestou até o fechamento da reportagem. O TRF-4 deu 45 dias, contados após a publicação do acórdão, em 27 de fevereiro, para que a Previdência começasse a pagar o benefício ao aposentado.
Apelação 2008.71.08.000076-1/RS
Fonte: Alessandro Cristo (Conjur)