Em 1924, desaparecia, no Mar do Norte, o aviador português Sacadura Cabral.
Artur de Freire Sacadura Cabral, aviador, desapareceu no Mar do Norte, a 15 de Novembro de 1924, quando voava em direção a Lisboa. Dois anos antes, tinha sido o primeiro, juntamente com Gago Coutinho, a atravessar o Atlântico Sul de avião, numa viagem entre Lisboa e o Rio de Janeiro.
Sacadura Cabral sempre quis ser aviador, mas antes de seguir os seus sonhos, tratou da família. Quem o conta é Helena Sacadura Cabral, sobrinha do navegador e mãe dos políticos Miguel e Paulo Portas: “O meu avô morreu quando os filhos ainda não eram adultos e o Artur, que era o mais velho, substituiu o pai de família. Foi para África, porque entendeu que lá ganhava mais dinheiro, e só voltou para ir tirar o brevet depois de ter casado as irmãs”.
Helena Sacadura Cabral não tem dúvidas de que foi a determinação do tio que o tornou num dos grandes pioneiros da aviação. Esta determinação, ou teimosia, foi, aliás, algo que herdou do tio. “Lembro-me do meu pai, quando eu teimava em certas coisas, dizia com muita frequência, que eu tinha a quem sair. Julgo que era justamente porque teria parecenças com o meu tio Artur”, confessa, mas acrescenta logo que o tio “foi bastante mais teimoso”.
Para perceber esta teimosia, basta olhar para a conhecida viagem sobre o Atlântico Sul: ela não foi feita de uma vez e desde a partida de Lisboa até à chegada ao Rio de Janeiro passaram 79 dias, com muitos problemas técnicos pelo meio e muitas possibilidades de voltar atrás.
Logo depois de atravessarem o Atlântico, por exemplo, o hidroavião em que seguiam ficou sem um dos flutuadores e foi preciso Portugal enviar outro para que a viagem prosseguisse. Ao todo, foram precisos três aviões para completar o percurso - o Lusitânia, o Pátria e o Santa Cruz. Sem contar com as paragens, a travessia demorou 62 horas de voo.
Sacadura Cabral pilotou o avião, sob a orientação de Gago Coutinho, que experimentava um novo sistema de navegação aérea com recurso a um horizonte artificial adaptado a um sextante.
Os dois conheceram-se em África, antes da Primeira Guerra Mundial, e onde se destacaram como geógrafos e hidrógrafos - nessa altura, nenhum deles sabia ainda pilotar um avião.
Gago Coutinho contava que os nativos se maravilharam com a orientação deles - diziam que "os brancos nunca se perdiam porque perguntavam a Deus onde estavam". Na verdade, o que os navegadores faziam era observar as estrelas.
Foi em terras africanas que nasceu o sonho de atravessar o Atlântico de avião e recorrendo a métodos de navegação até aí utilizados no mar.
Quando rebentou a Guerra, vieram os dois para Lisboa e, entretanto, deram os primeiros passos na aviação. Em 1918, Sacadura Cabral torna-se Director dos Serviços de Aviação Marítima e Comandante da Esquadrilha da Base Aérea Naval de Lisboa.
O aviador-sonhador sabia que a travessia do Atlântico não ia ser fácil. Na véspera da partida para o Brasil, Sacadura Cabral escreveu uma carta para os jornais onde descreveu a "batalha" que iria travar nos meses seguintes: "Qualquer viagem é um ponto de interrogação e muito mais esta, que apresenta numerosas dificuldades. A viagem é possível, mas para isso é preciso que tudo corra normalmente ou, se assim o quiserem, que o Padre Eterno se conserve ´pelo menos´ neutral no pleito que se vai travar entre nós e os elementos. Façamos votos por que assim aconteça, mas não cantemos vitória antes de tempo porque... ele nem sempre está de bom humor."
A 30 de Março de 1922, os dois aviadores partiram de Lisboa. Chegaram ao Rio de Janeiro dois meses e meio mais tarde, no dia 17 de Junho. Foram recebidos como heróis.
Dois anos depois, um dos pioneiros da aviação portuguesa desapareceu, enquanto voava sobre o Mar do Norte. Tinha partido de Amsterdam em direção a Lisboa num avião que queria usar para chegar à Índia. Não chegou. Em terra, ficou uma noiva que ainda durante muitos anos apareceu nas missas em memória dele vestida de branco.
Fonte: Rádio Renascença - Editado por Teresa Abecasis (Portugal) - Foto: cvc.instituto-camoes.pt