Artigo de Nick Turse, TomDispatch
Num momento ouviu-se, vindo dos céus, o zumbido de um motor. No momento seguinte, numa manhã cedo na província afegã de Helmand, um míssil fez explodir uma casa, matando 13 pessoas. Dias depois, o mesmo gemido mecânico, cada vez mais familiar, precedia uma salva de dois mísseis que encontraram no seu caminho um edifício, na aldeia de Degan, no distrito tribal de Waziristão do Norte, no Paquistão, matando três.
O que antes não era reconhecido, os relativamente pouco frequentes assassinatos de suspeitos de militância ou de terrorismo nos Anos Bush, tornaram-se lugar-comum sob a administração Obama. E, desde que ocorreu, a 30 de Dezembro, um devastador ataque suicida praticado por um agente duplo jordaniano a uma base operacional avançada da CIA, no Afeganistão, os drones aéreos não-tripulados têm vindo a caçar pessoas na zona de guerra Af-Pak (Afeganistão-Paquistão), em tempo recorde. No Paquistão, um "número sem precedentes" de ataques - que mataram tanto guerrilheiros armados quanto civis - levou mais medo, raiva e revolta às áreas tribais, à medida que a CIA, com a ajuda da Força Aérea dos EUA, desencadeia a mais pública guerra "secreta" dos tempos modernos.
No vizinho Afeganistão, as aeronaves não-tripuladas, que durante anos foram em pequeno número e responsáveis principalmente por missões de vigilância, têm vindo a ser cada vez mais usadas para assassinar suspeitos de militância, como parte de uma mobilização de forças aéreas que ultrapassaram por larga margem o divulgado "crescimento" de forças terrestres atualmente em curso. E, no entanto, mesmo sendo sem precedentes em tamanho e alcance, o presente trovejar da guerra de drones é apenas o tiro de abertura de um conjunto de medidas e ações do Pentágono, com um planejamento de 40 anos, para criar frotas de sistemas aéreos não-tripulados hipersônicos (UAS), com tecnologia de ponta, altamente armados, cada vez mais autônomos, com uma poderosa visão periférica.
A onda atual
Os drones são as armas de vanguarda do momento e a próxima Quadrennial Defense Review- um esboço de 4 anos das estratégias, capacidades e prioridades a combater em guerras decorrentes e contra-ameaças futuras do Departamento da Defesa, prestes a ser publicado - vai refletir este tema. Como o Washington Post relatou recentemente, "os drones não-pilotados usados em missões de vigilância e ataque no Afeganistão e Paquistão são uma prioridade, com os objetivos de acelerar a compra dos novos drones Reaper e expansão dos voos dos drones Predator e Reaper até 2013".
O MQ-1 Predator - usado pela primeira vez na Bósnia e no Kosovo nos anos 90 - e o sua mais recente, maior e mortífero primo, o MQ-9 Reaper, estão agora a atacar com mísseis e a realizar bombardeamentos a um ritmo sem precedentes. Em 2008, foram relatados entre 27 e 36 ataques de drones provenientes dos EUA, como parte da guerra encoberta da CIA no Paquistão. Em 2009, existiram entre 45 e 53 ataques semelhantes. Nos primeiros 18 dias do mês de Janeiro de 2010, já ocorreram 11 ataques do gênero.
Entretanto, no Afeganistão, a Força Aérea dos EUA instituiu uma muito divulgada redução dos ataques aéreos pilotados, para diminuir as baixas civis, como parte da estratégia de contra-insurgência do comandante da guerra no Afeganistão, o general Stanley McChrystal. Porém, ao mesmo tempo, os ataques dos UAS aumentaram para níveis recorde.
A Força Aérea criou um sistema de comando e controlo global interligado para prosseguir com a sua guerra robô no Afeganistão (e como Noah Shachtman do blog "Wired Danger Room”, relatou, para acompanhar também a CIA nos seus ataques de drones no Paquistão). Provas disto podem ser encontradas nas bases dos EUA de alta tecnologia espalhadas pelo mundo, onde estão localizados os pilotos dos drones e outro pessoal que controlam as aeronaves, bem como o fluxo de dados que chegam delas. Estes locais incluem um armazém médico convertido na Base Aérea de Al-Udeid, uma instalação que vale mil milhões de dólares, situada no Qatar, onde a Força Aérea supervisiona secretamente a atual guerra de drones; os campos aéreos de Kandahar e de Jalalabad, no Afeganistão, que albergam fisicamente os drones; o centro global de operações é na Base Aérea de Nevada Creech, onde os "pilotos" da Força Aérea comandam as drones por controlo remoto, a milhares de quilômetros de distância; e - talvez mais importante - na Base da Força Aérea de Wright-Patterson, um complexo de perto de 20 quilômetros quadrados, em Dayton, no Ohio (tendo este nome em memória dos dois irmãos naturais da cidade que inventaram o voo a motor, em 1903). Este é o local de onde vêm as contas da atual onda drone - assim como de um número limitado de ataques no Iêmen e na Somália - que aí chegam e são, literalmente, pagas.
Nos últimos dias de Dezembro de 2009, de fato, o Pentágono passou dois cheques para garantir que as operações não-tripuladas envolvendo o MQ-1 Predator e o MQ-9 Reaper continuem a toda a velocidade em 2010. O 703º Esquadrão de Sistemas Aeronáuticos, localizado na Base de Wright-Patterson, assinou um contrato de 38 milhões de dólares com o gigante do armamento Raytheon, para apoio logístico aos sistemas de alvo e mira de ambos os drones. Ao mesmo tempo, o esquadrão realizou outro negócio no valor de 266 milhões de dólares com a mega-companhia de armamento General Atomics, que fabrica as drones Predator e Reaper, para fornecer serviços de gestão, apoio logístico, reparações, manutenção de software e outras funções para ambos os programas drone. Os dois negócios essencialmente asseguram que, nos anos vindouros, o impressionante aumento de operações drone irá continuar.
Estes contratos, todavia, são apenas pagamentos iniciais numa forte mobilização drone, com o objetivo de prosseguir as operações não-tripuladas, enfim, durante décadas.
Onda Drone: Vista a longo prazo
Em 2004, a Força Aérea podia pôr apenas um total de cinco patrulhas aéreas de combate drone (CAP) - cada uma contendo quatro veículos aéreos - sobre os céus das zonas de guerra americanas, com prontidão imediata. Já em 2009, esse número subiu para 38, um aumento de 660%, de acordo com a Força Aérea. Da mesma forma, entre 2001 e 2008, as horas de cobertura de vigilância para o Comando Central dos EUA, abrangendo as zonas de guerra iraquiana e afegã, bem como a paquistanesa e a iemenita, mostraram um estrondoso aumento de 1431%.
Entretanto, as horas de voo rebentaram a escala. Em 2004, por exemplo, os Reapers, tinham começado a fazer-se notar: voaram 71 horas no total, de acordo com os documentos da Força Aérea; em 2006, esse número tinha aumentado para 3.123 horas; e no ano passado foram 25.391 horas. Este ano, os projetos da Força Aérea que combinam horas de voo de todos os drones - Predators, Reapers e RQ-4 GlobalHawks desarmados - irão exceder as 250 mil horas, mais ou menos o número total de horas de voo de todos os drones da Força Aérea no período de 1997-2007. Em 2011, espera-se que a barreira das 300 mil horas por ano seja ultrapassada pela primeira vez, e depois disso, o céu é o limite.
Mais tempo de voo irá, sem qualquer dúvida, significar mais mortes. De acordo com Peter Bergen e Katherine Tiedemann, do think tank "New America Foundation", de Washington: nos Anos Bush, de 2006 a 2009, houve 41 ataques drone no Paquistão que mataram 454 militantes e civis. No ano passado, sob a Administração Obama, houve 42 ataques que deixaram sem vida 453 pessoas. Um relatório recente do Institute for Peace Studies paquistanês - uma organização de pesquisa independente que localiza problemas de segurança, situada em Islamabad - afirma que houve um número ainda maior, 667 pessoas (sendo a maioria deles civis) mortas pelos ataques drone dos EUA, no ano passado.
O planejamento de 40 anos
No que concerne à onda drone, os anos de 2011-2013 são apenas o horizonte mais próximo. Enquanto, à semelhança do Exército, a Marinha trabalha na sua futura capacidade de guerra com drones - no ar, sobre a água e até sob esta - a Força Aérea está envolvida em impressionantes níveis de planejamento futurista de guerra robótica. Apontam para um futuro anteriormente apenas imaginado em filmes de ficção científica como a saga do "Exterminador Implacável".
Como ponto de partida, a Agência de Pesquisa Avançada de Projetos de Defesa, ou DARPA, a instituição de pesquisa dos céus do Pentágono, aprofunda radicalmente os melhoramentos no projeto Gorgon Stare com um "Sistema de Vigilância de Infravermelhos Terrestre em Tempo Real, Permanente e Autônomo (ARGUS-IR)". Na obtusa linguagem de pesquisa e desenvolvimento militar, este sistema vai, de acordo com a DARPA, fornecer "uma extensa área de videovigilância, em tempo real, com alta resolução que permitirá às forças conjuntas manter áreas críticas de interesse sob constante vigilância, com um elevado nível de precisão e localização de alvos" através de nada menos que "130 canais de vídeo 'ao estilo Predator' conduzidos à distância, capazes de fazer monitorização em tempo real e com capacidade de alerta reforçada durante as horas noturnas".
Traduzindo, isto significa que a Força Aérea irá ficar literalmente inundada por informação de vídeo de futuros campos de batalha; e cada "avanço" desde tipo dá azo ao amontoamento de informação na rede informática mundial, nos sistemas e no pessoal capaz de receber, monitorizar e interpretar a corrente de dados captada a partir de olhos digitais distantes. Tudo isto, como é evidente, é especificamente orientado para a "localização do alvo", ou seja, marcar pessoas numa parte do globo para que os americanos noutra parte possam vê-los, localizá-los e, em muitos casos, matá-los.
Para além dos sensores e dos sistemas de tecnologia de ponta como o ARGUS-IR, a Força Aérea tem uma visão a longo prazo para o modo de fazer guerra com drones, sendo que ainda está no princípio dos princípios da sua concretização. Aos Predators e Reapers veio agora juntar-se no Afeganistão um novo, previamente secreto drone, um "sistema aéreo não-tripulado de baixa observação", avistado pela primeira vez em 2007, e apelidado de "Besta de Kandahar", antes de os observadores terem a certeza do que realmente era. Sabe-se agora que é obra da Lockheed Martin, um veículo aéreo não-tripulado, o RQ-170 - um drone que a Força Aérea diz que foi projetado para "apoiar diretamente as necessidades do comando de combate de obter informações secretas, de vigilância e reconhecimento para localizar alvos". De acordo com fontes militares, o aerodinâmico avião furtivo de vigilância foi escolhido para substituir o antiquado avião-espião Lockheed U-2, utilizado desde os anos 50.
Nos anos vindouros, o RQ-170 está escalado para entrar nos céus das "próximas guerras" americanas, numa frota de drones com sempre renovadas e mais sofisticadas capacidades e poderes destrutivos. Olhando para o futuro pós-2011, o general David Deptula vê a necessidade essencial, de acordo com um relatório da AviationWeek, de "ataque de [reconhecimento e] precisão de longo alcance” - isto é, mais olhos que observam os céus de longe e mais letais.
No horizonte, e dentro do que era, até recentemente, apenas uma fantasia de cinema, a Força Aérea prevê uma vasta panóplia de aeronaves não-tripuladas, que vão de minúsculos robôs semelhantes a insetos, a enormes aviões não pilotados do "tamanho de petroleiros". Cada um irá ser escalado para funções específicas de guerra (ou pelo menos é o que os sonhadores da Força Aérea imaginam). Os drones de tamanho nanométrico, por exemplo, serão especializadas em reconhecimento no interior de edifícios (são pequenos o suficiente para voar por uma janela ou entrar em condutas de ventilação) e executar ataques letais, comprometer e desativar computadores com cyber-ataques, e aglomerar-se como faria um grupo de abelhas zangadas, por sua própria vontade.
Ligeiramente maiores, mas ainda de pequena escala, Sistemas de Pequenas Aeronaves Tácticas Não-tripuladas (STUAS) devem atuar como "transformers" - alterando a sua forma para lhes permitir voar, arrastar-se e usar capacidades sensoriais não-visuais. Estes podem servir de sentinelas, ser usados como aparelhos contra-drone, fazer vigilância e levar a cabo ataques letais.
Para, além disto, a Força Aérea prevê a existência de drones de pequena e média dimensão, do tamanho de "caças", com capacidades de combate letais que envergonhariam a atual frota aérea UAS. Os Reapers atuais de média dimensão estão preparados para ser substituídos pela próxima geração de drones MQ-Ma que irão ser "capazes de autonomia parcial, ligados à rede mundial, prontos para todos os estados de tempo, com capacidades de manter guerra eletrônica (EW), CAS [apoio aéreo em proximidade], ataque e multi-INT [múltiplos serviços de informação secreta], ISR [serviços de informação secreta, vigilância e reconhecimento] na plataforma de missão". A linguagem pode não ser elegante, muito menos compreensível, mas se estas futuras aeronaves de combate de fato se tornarem operacionais, não irão apenas enviar os restantes pilotos do "TopGun" para os chuveiros, mas ainda pôr de parte os operadores humanos de drones de amanhã, que, se tudo correr como planejado, terão cada vez mais menos funções. Ao contrário dos drones de hoje, que têm de levantar voo e aterrar com orientação humana, o MQ-Ma será completamente automatizado e os operadores do drone estarão lá simplesmente para monitorizar a aeronave.
Finalmente, talvez daqui a 30 ou 40 anos, o drone MQ-Mc conseguiria incorporar todos os avanços tecnológicos da linha MQ-M, sendo eficaz em todas as esferas, desde combates aéreos a outras aeronaves a defesa aérea com mísseis. Com esta tecnologia, virão, obviamente, novas políticas e doutrinas. Nos anos próximos, a Força Aérea pretende realizar todas as decisões de políticas em relação ao programa drone, abrangendo tudo, desde obrigações contratuais a sistemas automáticos de alvo e mira-decisão - assassinatos robóticas sem mão humana. Este último extremo e controverso desenvolvimento está já previsto como uma possível realidade pós-2025.
2047: O que é velho é novo outra vez
O ano de 2047 é a data limite para o Santo Graal da Força Aérea, o clímax para este planejamento de longo prazo para entregar os céus ao sistema de guerra drone. Em 2047, a Força Aérea pretende dominar os céus com os drones MQ-Mc e os drones "especiais" super-rápidos e hipersônicos para os quais ainda não existe tecnologia viável nem inimigos com programas e sistemas ou capacidades equiparados. Apesar de tudo, a Força Aérea está determinada a fazer destes sistemas super-velozes e caçadores-assassinos uma realidade até 2047. "Os materiais e tecnologia de propulsão que possam aguentar as extremas temperaturas exigidas provavelmente levarão perto de 20 anos a desenvolver. Esta tecnologia será a próxima geração de game-changer do ar. Deste modo, a questão de dar prioridade à fundação do desenvolvimento de tecnologia específica não devia esperar até à necessidade de emergência crítica de COCOM [comando de combate]," diz o "Plano de Combate" UAS de 2009-2037, da Força Aérea.
Se alguma coisa der frutos semelhantes aos sonhos da Força Aérea, o "jogo" será radicalmente modificado. Por 2047, não se sabe dizer quantas drones voarão sobre quantas cabeças em quantos locais do planeta. Não se sabe dizer quantos milhões ou bilhões de horas de voo terão sido voadas, ou quantas pessoas, em tantos países terão sido mortas por controlo remoto, pela queda de bombas, disparo de mísseis, pelo juiz, júri e assassino: o sistema drone.
Há apenas uma dúvida. Se os EUA ainda existirem na sua presente forma, e, da mesma maneira ainda tiverem um Pentágono em funcionamento do mesmo gênero, um novo plano já estará em bom andamento para criar tecnologias bélicas para 2087. Por essa altura, em ainda mais locais, as pessoas irão viver lado a lado com os drones de guerra que agora preocupam habitantes de sítios como a aldeia de Degan. Mais pessoas ainda saberão que os sistemas aéreos não-tripulados equipados com bombas e mísseis voam pelos seus céus.
Por essa altura, não haverá tão-pouco o som proveniente do míssil que pode entrar subitamente na casa do vizinho.
Para a Força Aérea, tamanha prospectiva é coisa de sonho, um futuro brilhante para os letais não-tripulados e hipersônicos drones; para o resto do planeta, é um potencial pesadelo em relação ao qual pode não existir volta a dar.
Nick Turse é o editor associado do TomDispatch.com e vencedor do Prêmio Ridenhour 2009 na categoria de "Reportorial Distinction", bem como James Aronson no Prêmio para Jornalismo Social e de Justiça. O seu trabalho apareceu no Los Angeles Times, The Nation, In These Times, e, regularmente para o TomDispatch. Turse é atualmente da Universidade Central de Nova York. É autor de O Complexo: De que forma os militares invadem a nossa casa (Metropolitan Books). O seu website é NickTurse.com.
Este artigo foi condensado pela redação do Esquerda.net. Tradução de João Tiago dos Santos Mira Branco - Fotos: General Atomics Photo