A aviação é um setor onde a concorrência é cada vez mais agressiva e que, mesmo sendo reconhecidamente o meio de transporte mais seguro de todos, depende mais do que qualquer outro de uma única palavra: confiança. Com o aumento súbito de companhias a fazerem frente às grandes e tradicionais companhias de bandeira, a escolha por uma transportadora ou outra responde não apenas ao factor preço mas também à percepção que se tem do nível de segurança de cada companhia aérea – são várias as transportadoras que não mais recuperaram do impacto, reputacional ou econômico, de um único acidente.
Com as viagens aéreas gradualmente ao alcance de cada vez mais pessoas – hoje serão 3,5 mil milhões de pessoas a voar anualmente – e com os acidentes mais recentes a serem especialmente mediáticos, apresentamos de seguida um conjunto de questões que, por uma razão ou outra, julgamos pertinentes abordar.
qual a companhia mais segura?
Os rankings existentes não têm carácter oficial ou nem todos são validados pelas companhias aéreas, mas há rankings oriundos das mais variadas fontes - analistas, especialistas, associações, etc... Entre estas salientamos a da alemã JACDEC ("Jet Airliner Crash Data Evaluation Centre"), que publicou recentemente o ranking para 2015. As quatro primeiras posições são da Cathay, Emirates, EVA Air e Air Canada, de Hong Kong, Emirados, Taiwan e Canadá. A primeira europeia no ranking é a KLM, na 5ª posição, surgindo depois a Lufthansa, em 12º, logo seguida pela TAP, a 13ª mais segura do mundo e a terceira mais segura da Europa.
quantos passageiros viajam por ano em aviões? e por dia?
Este ano, 50 milhões de toneladas de carga e 3,3 mil milhões de passageiros irão ser transportados por avião. Este número significa algo como nove milhões de pessoas a viajar de avião/dia, sem contar com tripulantes - isto quando em 1960 havia 106 milhões de passageiros por ano. Voltando ao presente, quantas viagens são necessárias para transportar 3,5 mil milhões de pessoas? 38 milhões de voos comerciais por ano - ou seja mais de 104 mil voos a cada 24 horas. Em 2014, em 38 milhões de voos, houve 12 acidentes fatais com 641 mortos.
quanto vale a indústria?
A aviação movimenta todos anos cerca de 2,4 biliões de dólares - ou 2,3 bilhões de euros à cotação atual -, sendo responsável por 58 milhões de postos de trabalho em todo o mundo.
que tipo de avião é mais seguro?
Mais do que os modelos, é importante olhar para a geração dos aviões. Desde a primeira geração de aviões a jacto que cada nova geração tem vindo a registar menos acidentes que a anterior. Segundo dados da Allianz, aos mais de 20 acidentes por milhão de partidas do final dos anos 1950, seguiram-se os 5 a 10 acidentes por milhão de partidas nos primeiros "wide body" - com dois corredores. Esta geração surgiu nos anos 70, marcada pelos icónicos B747 e L-1011. Nos aviões mais recentes estes valores continuaram em queda: os jactos de segunda geração, da primeira metade dos 1980, apresentam três acidentes por milhão de partidas. Já os aviões da geração actual, ainda marcados pelos novos B737 e também pelo A340, o índice de acidentes por milhão de partidas ficou mais próximo do zero do que do um. Uma nota: os primeiros anos de vida de uma nova geração de aviões são sempre mais acidentados que os seguintes 5, 10, ou mesmo 25 anos de vida, provavelmente porque há defeitos e pequenas falhas que só se apanham com o maior ritmo de voos do aparelho já em mãos de uma companhia.
quantos aviões é que existem a voar?
Segundo uma análise do grupo Allianz, em Maio de 2013 existiam 27 065 aviões comerciais activos, 68,8% dos quais da última geração, percentagem que varia conforme as regiões: na Ásia-Pacífico, Médio Oriente e Europa cerca de 25% das frotas são compostas por aviões de segunda geração (B757 ou B737) e a restante por aeronaves da mais recente geração. Já na América do Norte a segunda geração compõe 35% das frotas, valor inferior ao registado na América Latina (42%) e África (50%).
quando ficar rico mais vale ter um avião só para mim?
A resposta é não. Em 2014, por exemplo, houve zero mortes registadas em voos comerciais nos Estados Unidos mas morreram 252 pessoas em voos de "aviação geral", categoria onde se incluem os aviões privados. As razões para ser mais perigoso voar no seu próprio avião do que num avião comercial são simples de explicar: quem o pilota não é normalmente profissional, tem menos equipamentos à disposição e utiliza aeroportos com piores pistas e pouca assistência.
em que fase do voo há mais acidentes?
Seja nos anos 50, seja nos 2010, a resposta é a mesma: a descida e aterragem é quando ocorrem mais acidentes. Entre 1953 e 1993, 58% dos acidentes registaram-se nesta fase e entre 2003 e 2012, foram 57%. Segue-se a fase oposta: a descolagem e subida do aparelho, com 28% e 24%, respectivamente pela divisão cronológica anterior. Já 9% dos acidentes registam-se em fase de cruzeiro e outros 11% ocorrem durante as manobras do avião em terra.
quais as hipóteses de sobrevivência a um acidente?
Os acidentes ou têm poucas vítimas ou muitas, raramente ficando num qualquer meio termo. Segundo o apuramento feito pelas autoridades norte-americanas a todos os acidentes no país entre 1983 a 2000, houve 528 que terminaram com 81% ou mais de sobreviventes e 34 com menos de 20%. Já acidentes com entre 21% e 80% de sobreviventes, houve cinco. As hipóteses de sobrevivência dependem muito do momento do acidente. A maioria dos acidentes ocorre nas fases iniciais ou finais de um voo e, na fase inicial, em que a aeronave ainda está em aceleração e/ou perto do solo, registam-se os acidentes com mais sobreviventes. Já os acidentes em rota, a 20 mil pés por exemplo, e os que surgem na aterragem ou fase final da descida, são os que mais vezes são 100% fatais.
quem decide que regras mudam na aviação?
Cabe aos reguladores da aviação civil de cada país procederem às verificações dos níveis de segurança de aeroportos, companhias e serviços de manutenção, cabendo-lhes também a decisão de avançar com alterações regulatórias em prol de maior segurança. Em termos de reguladores, há países-chave que acabam por servir de referência mundial, como o Reino Unido, França ou Estados Unidos. Estes países ao impor alterações naquilo que exigem aos aviões das companhias do seu país e também aos aviões que voam para as suas cidades, acabam por promover a generalização das medidas tomadas. A aviação mundial organiza-se também à volta de uma associação à escala global, a ICAO ("International Civil Aviation Organization"), com grande poder de influência sobre estas questões.
quem investiga os acidentes?
Um avião de uma companhia argentina a caminho de Espanha tem um acidente em Portugal. A quem compete investigar? Espanha? Portugal? Argentina? Normalmente, a responsabilidade da investigação cabe às instituições do país onde o avião caiu ou se encontra em resultado do acidente mas na maioria dos casos a investigação acaba por ser um esforço conjunto de várias entidades, que tenta reunir as várias sensibilidades afetadas, incluindo os departamentos da própria construtora do avião em causa. Em Portugal, a investigação de acidentes cabe ao Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, serviço sob a tutela do ministério da Economia.
É mesmo mais seguro viajar hoje do que há uns anos?
Viajar de avião tem ficado progressivamente mais seguro ao longo das décadas, fruto da aprendizagem que vai sendo retirada dos acidentes, dos avanços tecnológicos, da gestão de equipas e de regras e exigências cada vez mais apertadas. São centenas as estatísticas que sustentam a afirmação de que voar é cada vez mais seguro. Numa visão a longo-prazo, basta apontar que se a indústria ainda vivesse com os registos dos primeiros anos da aviação, teríamos qualquer coisa como sete mil acidentes de avião todos os anos. Em 2014 houve apenas 21 acidentes, fazendo do ano passado aquele com menos acidentes de aviões comerciais de sempre. Mas apesar de ter registado o mais baixo total de acidentes, em termos de vítimas mortais 2014 já foi o ano com mais vítimas mortais (990) desde 2005. Segundo a ICAO, a indústria apresenta neste momento uma média de 3,2 acidentes a cada milhão de partidas, valor que em 2000 estava em 4,62 - uma queda que ocorreu ao mesmo tempo que o total de voos duplicou. Assim, e em termos de probabilidades, há uma hipótese em 29 milhões de morrer num acidente de avião de uma companhia europeia ou norte-americana. Este valor pode ser comparado com as probabilidades de morrer a andar de bicicleta - uma em 340 mil. Outro dado: Em 1959, as hipóteses de um passageiro estar envolvido num acidente com mortos era de uma por cada 25 mil partidas no Canadá e Estados Unidos, hoje são as tais uma em 29 milhões.
Em que regiões do planeta é que há mais acidentes?
É em África e na Rússia que se registam as mais elevadas taxas de acidentes. Em África tal ocorre porque há mais aviões de gerações anteriores ainda uso - ver "Que tipo de avião é mais seguro?". Actualmente as frotas de companhias africanas ainda apresentam mais de 50% de aviões de segunda geração, isto além de muitas pistas do continente estarem abaixo dos padrões exigidos noutras regiões, tal como as exigências de manutenção e de formação dos pilotos. Em relação à Rússia a questão tem raízes profundas: a queda do Comunismo levou ao fim do financiamento público de várias companhias regionais, que alimentavam as fabricantes nacionais - que assim começaram a decair. Com Putin reforçou-se a presença do Estado nas companhias, forçando-as a investir em aviões russos. Em 2006, houve a nacionalização de toda a indústria aeronáutica russa para se criar um gigante que rivalizasse com as fabricantes mundiais. Sem sucesso. As companhias russas apresentam hoje frotas mais antiquadas e de fabricantes mais problemáticos, estando gradualmente a reforçar as frotas com as versões Boeing e Airbus mais procuradas.
A segurança em vigor varia por região?
O nível de segurança da aviação por região tornou-se uma preocupação da ICAO a partir de 1999, quando avançou com auditorias regionais para perceber os diferentes níveis de segurança. A análise incidiu na aplicação das recomendações globais em termos de legislação, organização, licenciamento, operações, capacidade de voo, de investigação de acidentes e qualidade dos aeroportos. Em 2013 a ICAO publicou os resultados da última auditoria regional que realizou, e em termos de rácios de implementação das recomendações, África e Oceania surgiam com 41% e 47%, respectivamente, enquanto a América do Norte chega aos 93%, a Europa aos 72% com Ásia e a América Latina e Caraíbas a rondarem os 65%. Apesar dos números negativos de África, o continente desde Julho de 2012 que tem trabalhado com a ICAO na melhoria dos rácios, tendo já seis países com resultados superiores a 60%. Ainda assim, em 2012, as companhias africanas perderam 5,3 aviões por cada milhão de partidas contra a média global de 3,2 aviões.
quais foram os maiores acidentes de avião?
A liderança do ranking depende se contamos com as vítimas que não estavam no avião ou aviões - a contar, então o 11 de Setembro lidera. Foram quatro aviões e um total de 2996 mortos, incluindo os 19 terroristas. Segue-se o acidente de 1977 entre os B747 em Tenerife, com 583 vítimas. Já o B747 da Japan Air Lines que em 1985 se despenhou na sequência de ter batido com a cauda na pista sete anos (!) antes surge como o acidente de um só avião com mais vítimas: 520. Avançando até ao oitavo acidente com mais vítimas encontramos o primeiro registado neste século: o Malaysia MH17 abatido nos céus da Ucrânia e que levou 298 vidas. Já o acidente da Germanwings foi o 76º mais mortal, com o avião TAP que se despenhou no Funchal a surgir como o 100º com mais vítimas.
quais as razões mais frequentes para acidentes?
Desde o início do século, e segundo o planecrashinfo.com, houve erros de pilotagem em 57% dos acidentes. Já em 22% dos casos há falhas mecânicas associadas, com as condições meteorológicas a surgirem como factor em 6% dos casos. Os casos de sabotagem respondem por 9% dos acidentes desde o início do século XXI. Dividindo por décadas, nota-se que os avanços tecnológicos têm permitido ultrapassar cada vez melhor os problemas relacionados com a meteorologia - um fator em 16% dos acidentes nos anos 50 e apenas em 8% nos 1990 e 6% nos 2000. Em queda estão também os erros de pilotagem não relacionados com situações críticas de voo. Estes erros, que não envolvem decisões face problemas mecânicos ou outra deterioração agressiva de voo, passaram de ser um fator em 42% dos voos nos anos 1950 para 34% ao longo deste século. Já os problemas mecânicos persistem nos 20% ao longo das décadas.
serve de alguma coisa bater palmas no fim?
Do pouco que se sabe, não. Mas se está a bater palmas é bom sinal: sobreviveu.