Basta uma câmera fotográfica e um capuz para ser tratado como inimigo da naçãoA Transportation Security Administration (
www.tsa.gov), agência federal de segurança aeroportuária dos EUA criada após os atentados do 11 de Setembro para vigiar os aeroportos do país, lançou uma campanha pública de conscientização contra suspeitos de atividades terroristas, que desastradamente atingiu os fotógrafos em uma de suas peças.
No pôster, a imagem mostra um fotógrafo usando uma câmera com teleobjetiva num aeroporto, com a cabeça encoberta por um capuz num dia ensolarado. O texto da peça diz:
‘Não deixe nossos aviões caírem em mãos erradas. Se você desconfiar de algo, denuncie. Chame a polícia local. Avise a administração do aeroporto.’Fotógrafos do país inteiro revoltaram-se, já que a fotografia em locais abertos e públicos vem sendo cada vez mais hostilizada e reprimida por forças de segurança, e frequentemente essa hostilidade e a proibição não têm motivo nem embasamento algum, valendo a ‘palavra final do mais forte’ do segurança em caso de questionamento pelo fotógrafo. Tanto nos EUA quanto em muitos lugares da Europa e também embaixo dos nossos próprios narizes no Brasil, não é preciso vestir uma jaqueta com capuz: a câmera na mão é encarada como se fosse uma arma, e seu portador, alguém mal-intencionado a priori.
No caso específico do pôster da TSA, os fotógrafos sentiram que não está suficientemente claro na comunicação que a fotografia profissional ou por hobby está liberada, podendo deflagrar uma onda de paranoia entre as pessoas leigas, além de desinformar os próprios agentes da lei e predispô-los contra atividades legítimas. No
blog da TSA há uma tentativa de defender a campanha e conquistar a simpatia dos fotógrafos:
Essas imagens pretendem somente representar uma gama de situações comuns dentro e ao redor dos campos de aviação federais. Muitos fotógrafos são candidatos prioritários a usar os programas de vigilância para denunciar atividades suspeitas, já que eles são extremamente observadores em relação aos seus arredores.
Entretanto, a maioria dentre as dezenas de comentários postados por fotógrafos ao pé desse artigo são depoimentos de gente que já sofreu repressão indevida por seguranças truculentos em aeroportos. Algumas amostras:
…Por causa de campanhas como essa, eu constantemente vejo caras feias de passageiros e seguranças. Passei a usar uma câmera ‘normal’ para não ser incomodado. Já fui molestado pela TSA por tirar fotos perfeitamente legais dentro de aeroportos. Apoio a campanha, mas também deve haver treinamento para os seguranças e passageiros, no sentido de que tirar fotos não faz de ninguém um suspeito.…A Homeland Security (Departamento de Segurança Interna dos EUA, à qual a TSA é subordinada) tem uma história de repressão a fotógrafos. Ela pode explicar seu ponto de vista à vontade, mas eu quero saber porque fui enquadrado por um guarda uniformizado da Homeland Security por fazer uma foto de um gárgula no edifício da prefeitura de Phoenix. Se naquela ocasião eu conhecesse meus direitos, poderia ter me defendido, como farei da próxima vez e estou fazendo agora. Se você não quer que alguma coisa seja fotografada, não a torne visível ao público.…O fato é que se alguém presencia algo errado, já sabe como chamar as ‘autoridades’. Isso não requer nenhuma ‘campanha de conscientização’.…Acredito que é muito importante para agências como a TSA que trabalhem em parceria com os fotógrafos, especialmente os locais e profissionais, a fim de criar um diálogo franco. A TSA deveria conhecer a programação dos fotógrafos antes de enviar notificações a outros departamentos, como a Homeland Security. É enfurecedor que as autoridades abordem ou reprimam fotógrafos legítimos e questionem suas ações, cidadania e destino das imagens. Esses confrontos têm causado prisões e ações judiciais desnecessárias. Na condição de fotógrafo profissional, e questionador das iniciativas tomadas após o 11 de Setembro, afirmo que TODOS os fotógrafos estão sob a proteção da lei, segundo a qual nenhuma autoridade tem licença para incomodar um fotógrafo clicando um avião, edifício, estátua ou cena de rua. Isso está chegando ao ponto ridículo de as autoridades eliminarem a divisão entre um suspeito e uma pessoa inocente. Eu incentivo todos os fotógrafos de locações e externas a baixar, ler e carregar na bolsa um documento simples chamado ‘Direitos dos Fotógrafos’ (krages.com/phoright.htm), pelo advogado Bert P. Krages.…Eu pessoalmente já tive oportunidade de alertar sobre portões deixados abertos, pássaros na rota de voo e indivíduos suspeitos, ANTES de me tornar um fotógrafo credenciado no meu aeroporto local. O seu pôster é um desrespeito sério à cooperação que nós, fotógrafos de aviação por hobby, prestamos à polícia dos aeroportos e à TSA. Suma com ele!
…Se você é a mídia, a fotografia é um direito constitucional. Além disso, a Constituição garante a presunção da inocência. Um pôster como este rotula qualquer fotógrafo num aeroporto como possível terrorista. Daí, somos forçados a passar por um processo de triagem estressante e embaraçoso, conduzido por autoridades policiais que não conhecem bem as leis que asseguram a fotografia em espaços públicos. Eu tive uma experiência pessoal disso em Los Angeles, ao fazer fotos para um livro. Um pôster muito mais correto mostraria o fotógrafo e um sujeito ao longe tentando pular uma cerca, com a frase: ‘Fotógrafos, se vocês virem algo suspeito, fotografem e denunciem!’…Eu sou um entusiasta de ferrovias e o nosso hobby tem sido submetido a uma quantidade extraordinária de atos de repressão, graças a campanhas como esta. Só posso imaginar o dano que esse pôster causará aos entusiastas da aviação. As autoridades não são confiáveis a respeito dos direitos dos fotógrafos. A União das Liberdades Civis de Nova York está processando a Homeland Security por prender fotógrafos que estavam fazendo fotos legítimas de edifícios do governo federal em Lower Manhattan. Pôsters como este dão permissão tácita às forças de segurança para molestar e abusar dos fotógrafos. Fotografia não é crime!Por que vocês atacam gente que está na posição perfeita para ajudá-los? Não faz sentido.
Talvez a TSA devesse se inspirar neste pôster da polícia da região de Manchester, no Reino Unido:
Note que esse cartaz correto e sensível foi criado no país mais vigiado do planeta, onde há câmeras de vídeo por toda parte e é normal a polícia solicitar ao público que ‘qualquer atividade suspeita’, segundo o critério pessoal do cidadão, seja por ele notificada, mesmo que não tenha qualquer consequência.
Desse ponto em diante os comentários no blog da TSA ficam cada vez mais desafiadores, raivosos, alguns insultando abertamente a agência. Com isso já dá para ter uma ideia da repercussão negativa da campanha. Ela também se fez sentir em sites importantes que não são dedicados à fotografia, como
Boing Boing,
Gizmodo e
Wired, além, naturalmente, do blog ativista
Photography Is Not A Crime, a fonte original da notícia.
Nós na DPBR sentimos o mesmo tipo de pressão no Brasil, e não apenas em aeroportos, mas em incontáveis locais públicos, incluindo os arredores de edifícios de governo federal e de estações ferroviárias, assim como em locais totalmente neutros, sobre os quais ninguém tem jurisdição quanto a geração de imagens. Em plena rua de comércio você pode ser parado por um segurança de uma galeria, implicando que nem mesmo o trecho de calçada pelo qual ele é responsável pode ser registrado em pixels. Tudo isso parte de uma noção vaga de que bandidos podem usar fotos para planejar suas ações, somado à pura e simples ‘síndrome de autoridade’ tão arraigada no nosso povo, que amiúde se manifesta tão logo o indivíduo atinge a mais elementar posição de responsabilidade coletiva. A falta de noção e os abusos são crescentes, e tanto lá como aqui, é difícil ao fotógrafo convencer um agente de segurança na base da argumentação racional e da apresentação de provas e documentos. Disso já falamos na revista DPBR número 2, em destaque de Fabiana Baioni no artigo especial sobre fotografia urbana de rua, que reproduzimos a seguir:
O que pode e o que não pode?A lei pode ser clara, mas a interpretação não
As definições sobre os direitos dos fotógrafos de rua têm gerado uma grande movimentação na comunidade fotográfica. Os limites sobre o que se pode ou não fotografar, bem como gerar entendimento a respeito dos direitos de quem é fotografado na rua, varia de acordo com a situação e o local. Locais privados como shoppings e supermercados requerem autorização prévia em quase 100% dos casos. Em algumas cidades do Brasil, como São Paulo, por exemplo, fotografar dentro de transportes públicos, como Metrô e ferrovias, também necessita autorização formal.
Já para locais públicos as restrições são bem menores. A rua, que faz parte do cenário básico de tantos fotógrafos no Brasil e em todo o mundo, é liberada para fotografias que não tenham objetivo comercial. Porém, nem sempre a coisa funciona dessa maneira.
A leitora Carol Linden conta que em Brasília, mesmo estando na rua, já enfrentou problemas na hora de fazer seus registros:
“Já aconteceu de estar na rua com a DSLR querendo fotografar um prédio ou uma janela e o segurança impedir porque se trata de um órgão público. Outra situação curiosa que me aconteceu foi quando tentei fotografar a fachada frontal do Congresso Nacional. Eu estava com a câmera e o tripé para tirar uma foto e fui impedida pelos seguranças do Senado. Fui informada de que com a câmera na mão, OK, mas para tirar foto com tripé seria necessária uma autorização por escrito do Presidente do Senado! A outra opção que me deram seria tirar a foto com o tripé a partir do outro lado da rua, a uma distância de onde lentes razoáveis não alcançariam”. O estranho é que nenhuma lei proíbe a fotografia de edifícios públicos pelo lado de fora. Tentar barrar fotos é uma questão de interpretação (ou simples imposição de vontade) da autoridade no comando naquele momento.
E, se quem impõe a restrição é leigo em fotografia, situação que é regra geral, a sua tendência natural é sempre perseguir as câmeras “profissionais” – leia-se: DSLRs e qualquer outra câmera que seja pouquinho maior ou mais exótica que a usual compacta de bolso.
Quando se trata de retratos, os limites ficam ainda mais turvos. Até onde se sabe, o fotógrafo poderia capturar imagens de grupos maiores do que quatro pessoas sem enfrentar problemas legais de direito de imagem. Quando o grupo é menor, pela lei é necessário que o fotografado autorize por escrito a utilização de sua imagem. Na prática, cada indivíduo retém o direito sobre a própria imagem, de maneira que se não quiser aparecer numa foto, pode pedi-lo ao fotógrafo; se este insistir em fazer a foto, estará cometendo uma infração. O bom senso é – ou deveria ser – o que tem regido a atuação dos fotógrafos no que diz respeito aos retratos de rua. A abordagem prévia do fotografado antes de capturar a imagem tem ajudado a minimizar os problemas. Outra opção é capturar as imagens e mostrá-las a quem foi retratado imediatamente, solicitando a autorização de uso.
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Fonte: Das Übergeek via Mario Amaya e Fabiana Baioni, da revista Digital Photographer Brasil (geek.com.br)