“Guerras verdadeiras têm início e fim. Quando o governo declara guerra contra o terrorismo – e o terrorismo é uma rede multinacional de inimigos, em larga medida clandestina –, significa que o governo pode fazer o que quiser. Quando ele quiser intervir em algum lugar, vai intervir. Não vai tolerar limite ao seu poder”, escreveu, prevendo um pavor sem fim a partir do olhar arguto com o qual testemunhou desde a II Guerra Mundial – o conflito que deu os contornos do século 20 – até o atentado que delineou o medo difuso na primeira década do século 21.
E o medo, efetivamente, parece não ter fim. No último dia 25, um episódio fez o mundo conter a respiração. A rede terrorista Al-Qaeda tentou explodir um avião que levava 290 pessoas de Amsterdã para Detroit. Depois de superar as barreiras de segurança, Umar Abdulmutallab não conseguiu detonar como queria o explosivo que levava consigo. Mas foi um alerta: os dias são de segurança máxima nos voos para os Estados Unidos.
Quase todos os analistas ouvidos por Zero Hora consideram o 11/9 um marco, daqueles que repartem a cronologia em antes e depois. Fica por conta de André Woloszyn, analista de Inteligência Estratégica e especialista em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa, dos EUA, uma visão mais pungente do que significou como cena de abertura do milênio.
– O 11 de Setembro inaugurou uma nova fase de insegurança global, com o recrudescimento de ações de grupos extremistas islâmicos, redução de direitos e garantias individuais com a nova lei sobre imigração aprovada pela União Europeia e as guerras – diz Woloszyn.
Desde então, os EUA invadiram dois países, o Afeganistão e o Iraque, sob promessas de uma guerra rápida. Tais guerras, como se sabe, estão longe de se encerrar.
Woloszyn atribui ainda “às prisões de Abu Ghraib e Guantánamo e aos interrogatórios onde era permitida a tortura” o aumento da insegurança internacional.
– Dois fatores têm desafiado a segurança global: o fortalecimento dos talibãs no Paquistão e no Afeganistão e a possibilidade de armas nucleares caírem em mãos terroristas – enumera.
O 11/9 é um dos mais trágicos, analisados e simbólicos fatos da história. As Torres Gêmeas, com seus 110 andares desabando em Nova York após terem sido atingidas por dois Boeings pilotados por terroristas, ingressaram na abertura do século como sua pior fotografia. Desde então, surgiram conflitos, expansão do extremismo islâmico, caça a terroristas onde estejam, derrota das liberdades individuais, falência de companhias aéreas, o enfraquecimento do politicamente correto, a crise econômica que fomentou a desconfiança de acionistas, derrubou impérios financeiros e debilitou a visão econômica liberal. E sobrou para o Brasil, com suspeitas a respeito de células terroristas na Tríplice Fronteira (entre Brasil, Argentina e Paraguai), negadas pelo Itamaraty, e até a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, em 2005, ao ser confundido com um homem-bomba pela polícia londrina.
Tanto dramatismo ensejou um discurso construído tijolo a tijolo pelo ex-presidente americano George W. Bush (2001-2005 e 2005-2009), do bem contra o mal. Por outro lado, o historiador britânico Tony Judt nomeia o maniqueísmo justificado pelo genuíno e oportuno sentimento de insegurança: “islamifascismo”, mescla de religião e fascismo. Outro britânico, o também historiador Kenneth Maxwell, teme o legado de Bush:
– É verdade que o 11 de Setembro foi um ataque chocante. Mas foi desastroso, e não apenas para os EUA, usar esse assalto como forma de justificar a guerra contra o Iraque.
Quem tenta relativizar o 11/9 como marco é o sociólogo Marcos Nobre:
– Três ideias me vêm: 1) olhando a partir do fim de 2009, o 11 de Setembro parece bem menos importante, não parece de fato um marco histórico (como é o caso da queda do Muro de Berlim, em 1989); 2) mas legitimou uma escalada preocupante do controle social de cidadãs e cidadãos, que só começou a ser contestada e combatida nos dois últimos anos; e 3) deu sobrevida (bastante artificial) ao anticomunismo e ao belicismo americanos.
O custo disso? Na ponta do lápis, o Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, calculou as guerras no Afeganistão e no Iraque: US$ 3 trilhões. E no aspecto emocional? Especialistas chegam a falar em estresse coletivo.
– Em alguns casos, é para toda a vida – diz o psicanalista Emílio Salle, do Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre.
Fonte: Leo Gerchmann (Zero Hora) - Imagem: gettyimages