Fabricante norte-americana de jatos mantém planos globais de expansão, sem privilegiar mercados. A companhia informa que está bem atenta ao Brasil
Com dois motores Rolls-Royce, o G350 tem capacidade para acomodar de 12 a 16 passageiros |
O mercado de jatos executivos nasceu e cresceu nos Estados Unidos. O país ainda ocupa a primeira posição, com uma frota de 10.880 aeronaves (contra 18.072 no mundo inteiro), mas a movimentação das empresas do setor indica que o jogo pode estar mudando, em favor do crescimento internacional, principalmente na Ásia e América Latina. No Brasil, a fabricante norte-americana Gulfstream viu suas vendas dobrarem nos últimos dois anos. E mesmo sem revelar projeções (“nosso negócio não é fazer previsão”), deixa claro que o mercado está saudável e crescendo.
“O Brasil tem tradição em aviação”, diz Roger Sperry, vice-presidente sênior de Vendas Internacionais da Gulfstream. “Ao contrário de outros mercados que estão crescendo, como a China, os empresários brasileiros usam jatos como parte de seu negócio há muito tempo”.
Em visita ao país, dois meses antes da Labace 2011 (Latin American Business Aviation Conference and Exhibition), que acontece em São Paulo, Sperry comemorou dez anos de presença no mercado nacional. A Gulfstream tem uma parceria com a International Jet Traders (IJT), representante independente de vendas no país. Quando iniciou operações, não havia sequer um avião Gulfstream voando em céus brasileiros. A frota já soma 33 aeronaves. Agora, o mais importante: esse volume mais do que dobrou entre 2009 e 2010, o que indica o movimento ascendente de vendas no país. “Se você olhar para a economia brasileira, como o país tem se saído e como cresceu no período de cinco anos para cá, é possível dizer que nosso negócio continuará crescendo”, diz Sperry.
Segundo o executivo, a América Latina representa hoje 8% da frota mundial da Gulfstream em operação. Estamos falando de 146 aeronaves – um crescimento de 140% no período de quatro anos entre 2006 e 2010. O Brasil responde por 20% desse volume. Vale notar que mais de um terço dessa frota é formada por jatos de longo alcance utilizados por empresários para expandir seus negócios em nível global. Eles, assim como a própria Gulfstream, entendem que para fechar mais acordos e estar à frente de seus concorrentes, é preciso contar com aeronaves equipadas com comunicação via satélite e recursos avançados de tecnologia, que as transformam em extensões dos escritórios.
“As empresas brasileiras estão ampliando seus negócios internacionais na Ásia, África, Europa”, diz Roger Sperry. “Uma viagem entre Brasil e Estados Unidos, por exemplo, leva em torno de dez horas e não é possível fazer isso com uma aeronave de médio alcance, é preciso uma aeronave de longo alcance”. É nesse segmento que a empresa aposta no crescimento no país. “Ser capaz de utilizar esse tempo de voo de múltiplas maneiras, preparando reuniões e mantendo contato com o escritório central é uma vantagem primordial, especialmente para mercados como o Brasil”, afirma.
Sperry, aliás, chegou ao cargo de vice-presidente sênior da área de Vendas Internacionais no ano passado exatamente por perceber essas movimentações. Em sua trajetória na empresa, ele estabeleceu como prioridade encontrar parceiros regionais, com grande conhecimento do mercado, para expandir conhecimento e vendas. Em uma palavra, o interesse da Gulfstream é por longevidade. “Você não pode entrar em um mercado como o Brasil, ficar durante alguns anos e então mudar de direção. Você precisa ter continuidade e dar sequência a seus planos.”
A companhia diz ter planos que envolvem um interesse em “todos os mercados”. A China é o mais evidente. A frota de jatos executivos no país chegou a 98 em abril, mas dados da Hurun Rich List do ano passado comprovam que um sexto dos 2 mil bilionários chineses, um total de 333 empresários, têm planos de comprar um jato ou helicóptero para sua companhia – o que triplicaria a frota chinesa.
“Estamos em uma posição extremamente boa na China”, admite o Roger Sperry. “Somos líderes de mercado”. A empresa conta com 63% do mercado de jatos executivos de maior autonomia na China, Hong Kong e Macau. O crescimento de vendas leva a crer que essa demanda irá se manter alta durante um “bom tempo”. “A China é um mercado novo para a aviação. O crescimento de milionários e bilionários lá é muito maior do que em qualquer outro país do mundo, sem falar na própria economia. Isso também puxa o mercado de artigos de luxo”.
Apesar disso, a Gulfstream não pretende se concentrar apenas na Ásia. A América Latina é um território igualmente importante. “Não podemos ignorar o crescimento de outras regiões e por isso temos de atingir todos os mercados”, diz Sperry.
O G650 é o maior jato e o mais rápido em toda a frota da Gulfstream, com interior desenhado para acomodar reuniões |
A explicação, novamente, está nos números. Desde 2007, as vendas da Gulfstream passaram de uma predominância de 60% para Estados Unidos e Canadá para 70% em termos internacionais. Jatos são vendidos no Brasil, Rússia, Índia e China. “Se você olhar para os países do Bric, os analistas estão dizendo que o Brasil vai sustentar o crescimento que temos visto. E uma vez que a economia tenha crescido, é aí que começam as aquisições dos nossos produtos”, diz.
A existência da Embraer e sua estratégia de se estabelecer nos Estados Unidos não representam, segundo Sperry, uma ameaça aos planos de expansão da Gulfstream. “A Embraer está fazendo um ótimo trabalho com seus novos produtos. E nós achamos que isso é muito positivo para a indústria da aviação porque nossa linha de produtos não compete com os aviões de menor porte da empresa", afirma o executivo. "Quanto mais aviões eles venderem, acredito que será melhor porque eventualmente alguns desses clientes poderão se tornar depois nossos clientes. É muito encorajador para a indústria ver essa expansão”.
O mesmo tom discreto que Sperry emprega para falar do mercado se redobra ao discutir a possibilidade de o governo brasileiro baixar taxas de importação, o que supostamente tornaria a compra de suas aeronaves mais acessível para empresários brasileiros e poderia ampliar o mercado. “Não gosto de fazer especulações”, diz. “Estamos muito otimistas em relação ao Brasil, tivemos um bom crescimento na região e esperamos que esse cenário se mantenha”.
A empresa está investindo na ampliação de sua central de serviços e fábricas na sede, em Savannah, na Geórgia. Por enquanto, não há qualquer planos de instalar, por exemplo, uma unidade no Brasil. Através de uma parceria com a Morro Vermelho Táxi Aéreo, a Gulfstream conta com um inventário de quase US$ 9 milhões em partes e peças no Aeroporto de Congonhas. Em termos globais, o inventário chega a US$ 1,2 bilhão. Tudo para garantir que, assim que um avião tenha problemas, fique o menor tempo possível em manutenção. “Afinal, para nossos clientes, um jato é uma ferramenta, assim como um computador. E ele quer ficar o menor tempo possível sem ele.”
Sperry diz que há uma nova geração de empresários e executivos que utiliza mais os recursos da tecnologia a seu favor – e que enxerga de maneira diferente o uso de jatos executivos. O que antes era considerado apenas um luxo e virou sinônimo de esbanjamento e ultraje com a crise financeira, agora é um meio de acelerar negócios. “É uma questão de ver as coisas de maneira diferente e entender que tempo é dinheiro e que sempre é possível fazer dinheiro, mas não é possível fazer tempo. As empresas que utilizam jatos fecham duas vezes mais negócios do que aquelas que não contam com um avião.”
A expectativa da Gulfstream é que essa visão se amplie, juntamente com a economia brasileira. As mudanças podem tornar o setor ainda mais dinâmico. “A maioria das mudanças no mercado brasileiro aconteceu nos últimos dois ou três anos”, afirma o executivo. “Para conquistar uma fatia desse mercado é preciso uma quantidade considerável de tempo, esforço e energia”.
Fonte: Soraia Yoshida (Época Negócios) - Imagens: Divulgação