Somente em 2014, os aeroportos Santos Dumont e Galeão registraram juntos 53 ocorrências deste tipo.
Avião colide com carcará ao decolar do Galeão
O número de colisões de aviões com aves na Região Metropolitana do Rio cresceu nos últimos anos, revela um levantamento inédito do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Aeronáutica. A causa, segundo o Cenipa, pode estar nos urubus que são atraídos para depósitos clandestinos de lixo localizados num raio de 20 quilômetros dos aeroportos, e na presença de outras aves que procuram abrigo em áreas verdes na cidade. Apenas este ano, os aeroportos Internacional Tom Jobim (Galeão) e Santos Dumont registraram juntos 53 choques de aviões com aves.
Acidentes de aviões com animais são considerados graves e podem levar à queda de uma aeronave. No ano passado, um Boeing que decolou do Galeão com destino a Brasília colidiu com um carcará (foto acima). O bico e parte da fuselagem ficaram danificados. O GLOBO teve acesso ao relato da tripulação feito ao responsável pelo Sistema de Gerenciamento de Risco Aviário (Sigra) do Cenipa. Ela só percebeu o choque na aterrissagem na capital federal. Restos do carcará ficaram grudados no avião. Cerca de cem passageiros estavam a bordo.
— É um assunto de muita gravidade, um problema cuja solução passa por um melhor saneamento, pelo combate aos lixões clandestinos e pela limpeza de áreas públicas — afirmou o tenente-coronel aviador Henrique Rubens Balta de Oliveira, assessor de Gerenciamento do Risco de Fauna do Cenipa.
Segundo o levantamento do Cenipa, os aeroportos do Rio registraram no ano passado 119 colisões de aviões com aves. Foram 86 no Galeão e 33 no Santos Dumont. Em comparação com 2012, o aumento do número de ocorrências foi de 32%, já que eram 90 nos dois aeroportos. Os choques aconteceram principalmente com os urubus-de-cabeça-preta, quero-queros, pombos domésticos, gaviões, garças, corujas e carcarás.
O Aeroporto Internacional do Rio é o segundo maior do país, perdendo apenas para o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, com aproximadamente metade do número de voos. Em 2013, passaram pelo Galeão cerca de 17 milhões de passageiros.
A geógrafa Erika Soares, coordenadora do Programa Lixão Zero, da Secretaria estadual do Ambiente (SEA), afirmou que a campanha no estado para acabar com os lixões começou em 2010 e já conseguiu eliminar 95% dos depósitos. Ela lembrou que apenas 2% ainda permanecem em áreas de 17 pequenos municípios do estado, cujos administradores já assinaram termos de ajustamento de conduta (TAC).
— Nosso problema não são mais os lixões, mas os depósito irregulares de resíduos. São pontos clandestinos espalhados na Região Metropolitana do estado usados para despejo de resíduos. Algumas dessas áreas, segundo relatos de catadores, estão no município de Duque de Caxias e são controladas por traficantes de drogas — afirmou Erika Soares.
O tenente-coronel Henrique Rubens disse que o lixo não pode estar exposto.
— As aves buscam água, alimento e abrigo. No Rio, elas acabam cruzando com a trajetória de aproximação do avião com a pista. É quase impossível prever quando o acidente vai ocorrer e o grau de gravidade. O choque de um urubu de um quilo e meio contra um avião representa o impacto de toneladas. É muito violento. Há relatos de pilotos que foram atingidos na cabine por uma ave depois que ela abriu um buraco no parabrisa — afirmou o tenente-coronel.
Em 2012, para aumentar a segurança nos aeroportos, uma nova lei foi aprovada, mas não entrou ainda em vigor por falta de regulamentação. A Lei 12.725/2012 prevê que, em um raio de 20 quilômetros dos aeroportos, o uso e a ocupação do solo seguirão normas para prevenir o aparecimento de animais. Quem desenvolver nesses locais atividades sem autorização e que possam atrair bichos e aves poderá pagar multa de até R$ 1,250 milhão. A nova legislação também permite o abate de animais, mas só após a comprovação de que o manejo da área não deu resultado.
Segundo Henrique Rubens, colisões de aviões com aves acontecem, em 85% dos casos, quando as aeronaves estão decolando ou aterrissando numa altura de 3.500 pés (cerca de 1.200 metros do solo).
— Na história da aviação tivemos, confirmados, três acidentes com mortos no Brasil causados por aves. Dois foram no estado do Rio: um avião militar em Santa Cruz, em 1962; e um helicóptero atingido em Angra dos Reis, em 2006 — enumerou o tenente-coronel.
Números nacionais
Em 2013, o Cenipa registrou um total de 4.600 ocorrências aeronáuticas com animais no Brasil. Os números revelam um aumento de 21,62% em relação a 2012. A maior parte dos registros - 2.344 casos - foi de avistamentos de animais na trajetória de aeronaves, condição que resultou em 1.625 colisões com aves em pleno voo, 114 colisões com outros animais e 517 quase colisões.
No ranking de aeroportos com o maior número de colisões, o Galeão aparece na quinta colocação, atrás apenas de Guarulhos (primeiro), Porto Alegre, Brasília e Campinas. Guarulhos, primeiro colocado, registrou 125 colisões. Um caso que ficou conhecido ocorreu em 2009, em Nova York, quando um Airbus colidiu com gansos canadenses.
Na época, as aves entraram nas turbinas que pararam de funcionar, e o avião perdeu potência. O piloto conseguiu pousar o aeronave no Rio Hudson. Todos as 155 pessoas a bordo sobreviveram.
Fonte: Antônio Werneck (O Globo) - Fotos: Cenipa/Aeronáutica