As companhias aéreas oferecem bebida de graça como vantagem em relação aos concorrentes; os passageiros bebem porque não têm de pagar e podem diminuir a tensão do voo.
Num voo para a Bélgica no ano passado, quando o empresário de tecnologia Joshua Konowe sentou-se na fileira da saída de emergência, ele não sabia que a mulher ao seu lado havia tomado um ansiolítico junto com uma taça de vinho.
"Ela começou a beber, e uma hora após a decolagem estava completamente fora de si", conta ele.
Konowe conta que a colega de viagem divagou sobre seu medo e voar, e sobre como não queria estar no avião. "Ela disse: 'Talvez eu deva simplesmente abrir a porta', e se levantou". Quando ela começou a tentar mover a alavanca, Konowe sabia que precisava intervir. Ele colocou suas mãos no braço dela e alertou os comissários de bordo.
O episódio não deu em nada, mas é um dos inúmeros desentendimentos, brigas e outros momentos bizarros ligados ao álcool que, segundo tripulantes e executivos da indústria, são um problema persistente.
Em resposta, as companhias aéreas estão pressionando para ganhar poder sobre comportamentos potencialmente perigosos por parte dos passageiros. Em particular, a International Air Transport Association (IATA) está buscando
leis internacionais mais fortes para permitir que um passageiro indisciplinado possa ser acusado no país onde o avião pousar – mas a medida ainda aguarda aprovação.
Além disso, a associação de transporte aéreo defende um melhor monitoramento de passageiros potencialmente embriagados antes que eles embarquem no avião.
Imagem: Chi Birmingham
Tony Tyler, presidente da associação, diz que o número de incidentes relatados pelas companhias aumentou muito nos últimos anos. Em 2013, cerca de 8 mil problemas de comportamento de passageiros foram voluntariamente reportados pelas empresas à IATA, frente a apenas 1 mil incidentes em 2007, quando a associação começou a acompanhar esses episódios. Não está claro se esse aumento realmente significa mais incidentes, ou se as companhias aéreas estão mais sintonizadas para relatar o problema.
"Isso certamente representa uma grande preocupação", destaca Perry Flint, porta-voz da IATA.
Voos internacionais têm mais problemas
Nos Estados Unidos, o número de incidentes com passageiros desordeiros em voos domésticos – onde as proteções legais para as companhias são mais fortes – permaneceu basicamente fixo nos últimos anos, com
160 ações de fiscalização relatadas em 2013, de acordo com a Federal Aviation Administration. Mas as causas de problema são muito maiores nos voos internacionais.
No ano passado, a Delta anunciou a oferta de destilados, cerveja e vinho gratuitamente em voos internacionais. "Introduzindo um 'espírito' de feriado para durar o ano todo", afirmou a empresa pelo Twitter em dezembro, fazendo trocadilho com a palavra "spirit", que em inglês significa bebida destilada. Nos voos domésticos, o álcool geralmente não é oferecido grátis na classe econômica.
Com essa nova política, a Delta entrou para o que tem sido, durante anos, a oferta padrão em muitas companhias internacionais.
Segundo George W. Hamlin, presidente da Hamlin Transportation Consulting, políticas de bebidas grátis costumam ser adotadas por razões competitivas. "Pode ser porque uma companhia estrangeira já estava fazendo isso", explica o executivo. "Existem pessoas que fariam a escolha por uma companhia com base no álcool gratuito".
Existe um preço, dizem os funcionários de companhias aéreas. Amanda Pleva, comissária de bordo experiente, conta que os passageiros podem ser levados a beber demais por diversos motivos: medo de voar, vontade de dormir, estresse, tédio ou frustração causada por um longo atraso, ou simplesmente querer se divertir.
"Em situações de atraso, todos os passageiros esperam nos bares", argumentou ela. "Quando há pessoas que viajam a negócios e ficam bêbadas no avião, geralmente não é porque elas querem se divertir. Pode ser para aliviar o estresse".
Os passageiros podem recorrer a um ou dois drinques para relaxar, mas ansiolíticos ou pílulas para dormir podem maximizar o problema.
"Atualmente, com os comprimidos prescritos, as pessoas se acham invencíveis", afirma Amanda Pleva. "Você sempre encontra pessoas ficando mais irracionais".
Independente das medidas tomadas, analistas dizem que existe menos tolerância agora que os aviões voam com capacidades cada vez maiores.
"Podemos ter chegado ao ponto onde há tantos passageiros a bordo, num espaço tão apertado, que alguns comportamentos são acionados", diz Robert W. Mann, consultor da indústria.
Esse parecia ser o caso no mês passado, quando um passageiro bêbado a bordo de um voo da American Airlines, de Los Angeles a Miami, obrigou o avião a
realizar um pouso de emergência em Phoenix.
"Nós abordamos essas questões à medida que elas aparecem", informou por e-mail Simcha McIntosh, porta-voz representando a American Airlines. "Em última análise, o comandante é quem decide se o voo precisa ser desviado graças a um passageiro perturbado".
Esses casos têm um preço alto. Desviar um avião pode custar US$ 20 mil ou mais à companhia, em termos de tempo da tripulação, combustível, taxas do aeroporto e outras despesas, afirma Mann. "O taxímetro continua correndo".
E esse valor pode ser ainda maior. Segundo a IATA, um problema em 2011 que forçou o desvio de um voo internacional custou à empresa cerca de US$ 200 mil.
É difícil dizer quantos incidentes em voo são ligados ao álcool, pois os números exatos não são acompanhados; mesmo assim, há muitas evidências narradas.
Bebedeira pode ocorrer antes do embarque
"Muitas companhias aéreas, numa pesquisa da IATA sobre passageiros rebeldes, classificaram o álcool como o maior fator para esse comportamento", declarou a associação em seu site. "Elas observaram que os passageiros, em diversas ocasiões, já estavam embriagados no momento do embarque ou tiveram acesso ao seu próprio suprimento de álcool a bordo".
Algumas pessoas tentam levar bebidas escondidas para o avião, conta Amanda. "A proibição a líquidos e géis realmente ajuda", completa.
Serviço de bordo é um dos diferenciais entre as empresas; bebida
de graça pode definir a escolha da companhia aérea - Foto: Divulgação
Outros pedem bebidas a todos os comissários e escondem as evidências. Amanda diz que, após os passageiros deixarem o avião, os comissários costumam encontrar pilhas de garrafas vazias no bolso traseiros das poltronas.
Segundo passageiros frequentes como Shai Tertner, que tem uma empresa de produção de eventos, não é coincidência que as pessoas bebam mais quando não têm de pagar a conta.
Com escritórios em quatro cidades, Tertner voa a trabalho até quatro vezes por mês.
"Às vezes preciso voar na classe econômica, e vejo pessoas bebendo", afirma. "Mas percebo muito mais gente bebendo na executiva, porque – acho eu – é tudo incluso".
Tertner diz que mesmo nos voos matinais que pega regularmente de Los Angeles para a Costa Leste, muitos dos passageiros bebem. "Para mim, isso é surpreendente", garante. "Quando você voa na classe executiva, as pessoas se aproveitam disso".
Segundo Tertner, num desses voos, outro passageiro provocou uma briga quando bolinou uma das comissárias. "Eu me senti desconfortável vendo aquilo", diz. "Ele esticava o braço e tocava nela, e dava pra ver ela tentando se afastar".
A comissária deu um basta aos avanços do passageiro, mas não antes que muitos outros passageiros percebessem a briga. "Ele fez uma cena", conta Tertner.
Fonte: The New York Times via iG