Três respondem a processo na Justiça, mas não há previsão de conclusão.
Tragédia causou a morte de 199 pessoas em 17 de julho de 2007.
Cinco anos depois da tragédia que matou 199 pessoas, nenhum dos denunciados pelo acidente com o Airbus A320 da TAM foi julgado. Enquanto o local exato do impacto foi transformado em uma praça e o aeroporto sofreu mudanças pontuais em rotinas da operação, parentes das vítimas ainda aguardam a conclusão do processo.
As causas do acidente foram investigadas pela Polícia Civil, a Polícia Federal (PF) e pelo Cenipa. Apesar de a Polícia Civil ter apontado 11 responsáveis pela tragédia, o relatório final da PF enviado à 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo não trouxe nenhum indiciamento. Ele aponta que o acidente teria sido causado por erro dos pilotos.
No momento do acidente, chovia e o A320 da TAM, estava com um de seus reversos (parte de seu sistema de freio) desativado.
Os pilotos não conseguiram parar o Airbus, que atravessou a pista e foi bater em um prédio do outro lado da Avenida Washington Luís. A pista do aeroporto havia sido reformada e liberada havia 20 dias sem o grooving - ranhuras feitas para ajudar a frear os aviões.
Ao fim das investigações, entre críticas de familiares de vítimas sobre as conclusões da PF, o Ministério Público (MP) decidiu denunciar três pessoas por atentado contra a segurança de transporte aéreo: Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, à época diretor de Segurança de Voo da TAM; Alberto Fajerman, que era vice-presidente de Operações da TAM; e Denise Maria Ayres Abreu, então diretora da Anac (Veja abaixo as acusações).
De acordo com a Justiça Federal de São Paulo, a denúncia do MP foi aceita e os réus foram citados e intimados a apresentar suas defesas prévias, por escrito. Ainda segundo a Justiça, os réus já apresentaram esses documentos e aguardam decisão do juiz, que poderá absolvê-los sumariamente ou seguir com o processo e designar audiência para ouvir os réus e as testemunhas. Não há previsão para essa decisão do juiz.
Denunciados e acusações
Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, diretor de Segurança de Voo da TAM;
Alberto Fajerman, vice-presidente de Operações da TAM
Segundo o procurador, eles tinham conhecimento “das péssimas condições de atrito e frenagem da pista principal do aeroporto de Congonhas” e não teriam tomado providências para que os pousos fossem redirecionados para outros aeroportos, em condições de pista molhada.
A denúncia também afirma que eles não divulgaram, a partir de janeiro de 2007, “as mudanças de procedimento de operação com o reversor desativado (pinado) do Airbus-320”.
Denise Maria Ayres Abreu, então diretora da Anac
O MPF considerou que a então diretora da Anac, Denise Abreu, “agiu com imprudência” ao liberar a pista do Aeroporto de Congonhas, a partir de 29 de junho de 2007, “sem a realização do serviço de 'grooving’ e sem realizar formalmente uma inspeção, a fim de atestar sua condição operacional em conformidade com os padrões de segurança aeronáutica”.
Expectativas e espera
“Nossa expectativa é que o juiz dê parecer positivo sobre o julgamento para que os culpados sejam punidos. A denúncia foi baseada em diversos laudos policiais, acompanhei de perto as investigações e há depoimentos de testemunhas que atestam de quem é a culpa pelo acidente”, diz o procurador da República em São Paulo, Rodrigo de Grandis, que ofereceu a denúncia à Justiça em julho de 2011.
Se condenados, os réus poderão ser presos, mas respondem em liberdade. “Esse é um processo com um grau de dificuldade muito grande por envolver inúmeras questões técnicas. Um acidente dessa proporção envolve uma enorme cadeia de responsabilidades, até porque os acidentes não ocorrem por um ou dois motivos. Há sempre uma série de fatores e de pessoas”, afirma ao G1 o procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo Mário Luiz Sarrubbo. À época do acidente Sarrubbo atuava como promotor de Justiça Criminal.
Para o advogado de defesa de Denise Maria Ayres Abreu, Roberto Podval, a ex-diretora da Anac não tem qualquer responsabilidade pelo acidente. "Ela não tem nenhuma relação com o acidente. Seu trabalho na Anac era meramente jurídico, sem nenhuma ligação com segurança de voo. Achamos estranho que ela tenha sido responsabilizada", disse.
O mesmo argumento é usado pelo advogado de defesa de Alberto Fajerman e Marco Aurélio Castro. "Nós negamos que eles tenham agido com negligência. Eles não tiveram qualquer responsabilidade sobre o acidente. Para mim, o inquérito é carente de elementos que sustentem a acusação", afirmou o criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira.
O procurador Rodrigo de Grandis explica que, juridicamente, existe a possibilidade de o processo ser arquivado. “O juiz pode reconsiderar a decisão do recebimento da denúncia, mas não acredito que isso vá acontecer. Além disso, o prazo mínimo para a prescrição é de 4 anos. Como a denúncia foi feita em 2011, o juiz tem mais três anos para dar sua sentença.”
O advogado que representa os familiares das vítimas, Ronaldo Marzagão, espera a breve solução do caso. “Nós esperamos que esse processo continue e que se faça justiça. Esse processo é didático, porque vai mostrar que as autoridades têm que responder por eventuais omissões. Para mim, o acidente não ocorreu quando o avião tocou o solo, mas quando o pouso foi autorizado.”
Indenizações
Em cinco anos, a TAM firmou acordos de indenização com 193 das 199 famílias de vítimas da tragédia. A informação foi passada pela companhia aérea ao G1 em um resumo de assistências prestadas aos familiares consolidado em julho de 2011. A empresa afirma que o documento é o mais atual disponível com ações sobre o acidente, e não divulga detalhes sobre os casos em que o acordo não ocorreu.
A Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAMJJ3054 (Afavitam) diz que também não disponibiliza informações referentes a indenizações já que cada vítima teve seu caso analisado individualmente junto à companhia aérea.
“A única coisa que podemos garantir é que as indenizações não mudaram o status de vida de nenhuma das famílias. Tem gente que perdeu todos aqueles que amava e não existe indenização que pague isso. Quanto vale um filho, o amor da vida da gente, ou um pedaço dessa pessoa como uma mão, um fêmur? Não tem preço. Discutir isso [a indenização] foi uma das piores experiências que tive na vida”, diz Roberto Corrêa Gomes, irmão da vítima Mário Gomes e assessor de imprensa voluntário da Afavitam.
Mudanças em Congonhas
De 2007 para cá, diversas recomendações de segurança para operações em Congonhas foram adotadas por órgãos de controle da aviação nacional e pelas empresas aéreas. As medidas, no entanto, são consideradas insuficientes por aeronautas, que pedem revisão das normas de funcionamento do aeroporto com chuva e colocação de concreto poroso nas laterais da pista.
Para o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA), houve evolução pontual nos critérios de segurança de voo. O diretor de segurança da entidade, Carlos Camacho, destaca com fator positivo a redução no número de slots (movimentos de pousos ou decolagens), que passou de 38 para 34 (30 para aviação comercial e quatro executivos) em Congonhas. Antes do acidente, a torre de controle autorizava um número variável de slots, sempre que havia um espaço entre as operações, o que não é mais permitido.
“A redução dos slots aumenta o distanciamento entre as aeronaves. A operação apenas da pista principal para aviões de médio porte também é um avanço, assim como a implantação do 'grooving', que são linhas transversais [ranhuras para aumentar o atrito e contribuir para que a aeronave pare]. Mas Congonhas é um aeroporto limitado e crítico, que não tem área de escape lateral ou longitudinal. Além disso, ele tem toda a área de aproximação comprometida. Para Congonhas o ideal é: choveu, parou”, destaca.
A interrupção da operação em dias de chuva chegou a acontecer logo depois do acidente, o que não ocorre mais obrigatoriamente. “Hoje, a operação só é interrompida se houver 3 milímetros de água na pista, o que é difícil de acontecer, porque existe um bom sistema de escoamento. Para se ter 3 milímetros, tem que chover muito”, afirmou. A chuva, além de aumentar o risco de derrapagem, também tem influência negativa sobre o preparo psicológico do piloto. “O piloto está consciente do risco o tempo todo. Se me perguntarem: a pista contribuiu para o acidente da Tam? Ficou provado que sim, mas a chuva também”, declarou.
Outra medida fundamental para incrementar a segurança na opinião de Camacho seria a colocação de concreto poroso nas laterais da pista no lugar da grama. A função dessa área seria reter o avião caso ele saia da pista. “A implantação disso é muito cara. Eles nem quiseram discutir. Se fosse implantada, a lateral poderia servir como área de escape”, observa.
Desde 2007, também observou-se em Congonhas uma substituição dos modelos Fokker 100 e ATR por aeronaves maiores. Atualmente, a frota que opera em Congonhas é, em sua maioria, de Boeings 737-800, que possuem 187 assentos, contra os cerca de cem assentos do Fokker. Com isso, apesar da redução no número de voos, o número de passageiros que foi 7.662.698 entre janeiro e maio de 2007, caiu para 6.416.337 no mesmo período deste ano. “Se você troca 40 aviões de pequeno porte por 11 de maior porte, você diminui o fluxo de aeronaves e mantém o de passageiros, o que atende aos interesses das companhias aéreas”, ressalta Camacho.
À época do acidente, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) produziu um relatório com recomendações para a Airbus, TAM, outras companhias aéreas, para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), para a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e para o próprio Cenipa. A maior parte das recomendações do relatório produzido pelos militares da Aeronáutica foi para a Anac - para quem 33 mudanças foram pedidas - e à TAM, que recebeu pedido de 23 mudanças. O Cenipa pedia, principalmente, reforço em treinamento da tripulação, cuidados em operações de pousos e decolagens, fiscalização e monitoramento de condições de aeronaves e pistas.
A Anac afirmou que, nesses cinco anos, foi feita a revisão de todos os regulamentos de aviação e disse que, no Aeroporto de Congonhas, houve redução nas autorizações de pousos e decolagens para a aviação regular e a determinação de limites para a aviação em geral. Também houve, segundo a agência, a implantação de "grooving" e a intensificação da fiscalização nas companhias aéreas. Outra mudança importante foi a publicação, em 2008, da Instrução de Aviação Civil, que determina os procedimentos e requisitos para a operação no aeroporto.
A Airbus também detalhou, em nota, que todas as alterações recomendadas pelo Cenipa foram cumpridas, inclusive com a atualização de procedimentos em Manuais de Voo da Tripulação.
Procuradas pelo G1, a TAM e a Infraero também afirmaram que todas as mudanças solicitadas foram feitas, mas não detalharam as medidas tomadas desde 2007 para garantir a segurança dos passageiros e tripulantes. O Cenipa também informou ter cumprido as solicitações.
Fonte: Nathália Duarte e Letícia Macedo (G1 SP) - Fotos: Arquivo/Evelson de Freitas (AE) / Arquivo/Isabela Noronha (G1) / Arquivo/Paulo Whitaker (Reuters)