Não é um pássaro, nem um avião, muito menos um super-herói. Alguns modelos, equipados com mísseis, bombas e explosivos de última geração, estão mais para arquivilões. Outros, porém, são programados para fazer o bem: combatem incêndios, patrulham fronteiras, salvam vidas. "Galileu" conta o que há por trás dos veículos aéreos não tripulados.
Guerra do futuro: apresentado pelo governo britânico, o Taranis é capaz de realizar
ataques a longa distância - Foto: National News/ ZUMA press/ Glow Images
Ao cair da tarde, no Iêmen, em novembro de 2002, um jipe cruza a província de Marib, a 170 km da capital, Sanaa. A bordo, seis membros da Al-Qaeda, incluindo Qaed Senyan al-Harthi, homem de confiança do terrorista saudita Osama bin Laden. Num piscar de olhos, um míssil Hellfire cruza o céu e explode o veículo. Todos morrem. O míssil foi disparado, a mando da CIA, o serviço secreto norte-americano, de um veículo aéreo não tripulado (vant). Foi o primeiro ataque de drones contra a Al Qaeda de que se tem notícia. Passados 12 anos, a guerra ao terror continua – mais sangrenta e implacável que nunca. Segundo o Conselho de Relações Exteriores (CFR, na sigla em inglês), os EUA acabam de bater a incômoda marca de 500 ataques de aviões-robôs. “A guerra dos drones está longe do fim”, diz Jeffrey Sluka, professor de antropologia social na Universidade Massey, na Nova Zelândia. “Para os EUA, disparar mísseis contra outros países não é ato de guerra, e sim autodefesa preventiva.”
Se os drones podem carregar mísseis, também podem dar lucro. Estudo da consultoria norte-americana Teal Group, especializada em indústria aeroespacial, revela que em 2013 o mercado de drones movimentou US$ 5,2 bilhões. Em dez anos, deve mais que dobrar. “As possibilidades são ilimitadas”, afirma Michael Toscano, presidente da Associação Internacional de Veículos Não Tripulados. Já é possível encontrar drones fazendo entregas, servindo mesas em restaurantes e ajudando a salvar vidas. O empreendedor Rodrigo Kuntz sabe disso. Não por acaso, há cinco anos largou o emprego na Embraer para abrir a própria empresa, uma das dez no Brasil que fabricam drones. Hoje, o portfólio da BRVant já reúne seis modelos, com preços entre R$ 55 mil e R$ 680 mil. “O drone é a mais nova revolução tecnológica que, a exemplo do laser e da internet, migrou da indústria bélica para a sociedade civil”, afirma Kuntz.
Guerra > O Videogame Assassino
Ninguém sabe ao certo quantas pessoas já morreram em ataques conduzidos por drones no Oriente Médio. A única certeza é que há muitos civis entre as vítimas.
“Quantos drones você avista por semana?”, perguntou o cineasta norte-americano Robert Greenwald ao estudante paquistanês Tariq Aziz, 16 anos, em sua visita ao Paquistão, em 2011. “Três ou quatro?”, arriscou um número. “Dez ou mais”, respondeu o adolescente, “todos os dias”. Por medo dos drones, Tariq parou de ir à escola e de jogar futebol com os amigos. À noite, quase não conseguia dormir. Vivia com medo. Quatro dias depois, Greenwald ficou sabendo que um míssil Hellfire disparado de um MQ-9 Reaper tirou a vida de Tariq e a de seu primo, Waheed Ahmed, 12, em mais um ataque à região do Waziristão do Norte, perto da fronteira com o Afeganistão. A história acima está contada no documentário Unmanned: America’s Drone Wars, de Robert Greenwald. No linguajar frio dos pilotos de drone, Tariq Aziz não passa de mais um “inseto esmagado”, termo usado pelos militares para referirem-se aos civis mortos durante um ataque. “Os EUA estão tão obstinados em caçar terroristas que já não fazem mais distinção entre civis e militares”, afirma Jack Serle, pesquisador do Escritório de Jornalismo Investigativo.
Ninguém sabe ao certo o número de baixas por ataques de drones. A Casa Branca se recusa a divulgar. A Fundação Nova América, de Washington, calcula que desde 2004 esse número tenha chegado a 3.559. “Houve um aumento significativo no número de ataques durante o governo Obama. Dos 388 registrados no Paquistão, 339 foram a mando do atual presidente”, afirma a pesquisadora Emily Schneider, da Fundação Nova América. As estimativas do senador republicano Lindsey Graham são mais alarmantes. Em fevereiro de 2013, Graham declarou que 4,7 mil pessoas, incluindo civis, já foram vítimas de ataques. “Estamos em guerra, e graças aos drones conseguimos eliminar alguns dos mais temidos membros da Al-Qaeda”, disse o parlamentar na ocasião.
Diante de números tão assombrosos, a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Anistia Internacional resolveram cobrar providências. A ONU vai apurar a legalidade dos ataques nos casos em que civis foram mortos. Já a Anistia acusa os EUA de cometer crime de guerra e de violar direitos humanos internacionais. “A decisão de disparar mísseis para eliminar suspeitos de terrorismo equivale a uma sentença de morte. Os acusados não têm direito a defesa nem a julgamento”, afirma Maurício Santoro, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional. Enquanto isso, uma campanha intitulada “Not a Bug Splat” (“Não É um Inseto Esmagado”) tenta levar os pilotos de drones a pensar duas vezes antes de atirar. Para isso, um gigantesco retrato de uma criança paquistanesa foi estendido na região de Khyber Pakhtunkhwa. O nome da menina não foi divulgado, mas sabe-se que sua família foi morta num bombardeio militar em 2010.
Cotidiano > O céu (não) é o limite
Os drones já são capazes de fazer entregas de encomendas (de livros a comida), substituir garçons em restaurantes e até salvar vidas.
Num futuro não muito distante, você vai entrar numa loja virtual, comprar produtos e recebê-los em casa em dois ou três minutos. Ficção científica? Nada disso. A livraria virtual Zookal, na Austrália, já realizou mais de 100 entregas do tipo. Cada um dos seis drones da empresa pode voar até três quilômetros e transportar encomendas de até dois quilos. As vantagens, segundo Matthew Sweeny, sócio da Zookal, são muitas: drones agilizam as entregas (de dois a três dias para dois a três minutos), reduzem os gastos (de US$ 8 para US$ 0,08) e não poluem o meio ambiente (são movidos a bateria).
Iniciativas semelhantes já existem em várias partes do mundo. Na Rússia, uma rede de pizzarias, a Dodo Pizza, já realiza entregas em parques e praças. No Reino Unido, o restaurante japonês YO! Sushi trocou seus garçons por drones. Nos EUA, as gigantes Google e Amazon pretendem entregar encomendas, mas esbarram na falta de regulamentação. No Brasil, a ideia inspirou o empresário Tom Ricetti a usar drones para entregar pães, frios e bolos. Dono da franquia Pão To Go, ele já realizou testes em São Carlos, interior de São Paulo, para fazer entregas de até 3,5 quilos em cinco minutos num raio de um quilômetro. “O drone não fica doente, não falta ao trabalho nem pede aumento”, afirma.
Se os drones são úteis para transportar mercadorias, por que não usá-los para salvar vidas? Foi o que pensou o pesquisador Alec Momont, da Universidade Delft de Tecnologia, na Holanda, ao desenvolver um modelo capaz de carregar um aparelho desfibrilador, usado para socorrer vítimas de infarto. Batizado de “drone-ambulância”, ele transporta cargas de até quatro quilos e, a 100 quilômetros por hora, chega a lugares inóspitos e de difícil acesso. “O protótipo deu tão certo que já penso em usá-lo para levar outros equipamentos”, diz Momont.
Cultura > Estrela de Hollywood
Os aviões não tripulados ganharam as telas em filmes e séries que fazem sucesso até com Obama.
A revolução causada pelos drones também chegou ao cinema. Fitas como 007 – Operação Skyfall, de Sam Mendes, e O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, foram filmadas com a ajuda deles. “O drone não substitui a grua ou o helicóptero, é uma ferramenta nova que capta imagens novas”, diz o fotógrafo francês Eric Bergeri, dono de uma produtora especializada em drones, a iDrone.TV. “Ele está para o cinema do século XXI como a steadicam (câmera que evita que a imagem fique tremida) para o cinema dos anos 1980.” Além de modernizar a filmagem, drones já representam personagens de filmes e séries de TV. Veja abaixo:
Fail > Perigo no ar
Vídeos de drones fazem sucesso com situações inusitadas. Na vida real, quase causaram acidentes.
Por pouco, muito pouco mesmo, o dia 22 de março de 2014 não entrou para a história da aviação como o primeiro a registrar uma colisão entre um drone e um avião de passageiros. O acidente quase aconteceu nos EUA, quando um avião da US Airways vindo de Charlotte, na Carolina do Norte, se preparava para aterrissar no aeroporto de Tallahassee, na Flórida. Segundo comunicado da FAA, agência que regulamenta a aviação nos EUA, o drone voava a 700 metros de altitude, bem acima do limite permitido. Casos como esse estão ficando mais comuns. Em março de 2013, o piloto de um avião da Alitalia relatou ao FBI que um drone passou a menos de 65 metros dele quando chegava ao aeroporto JFK, em Nova York. “Por mês, a agência recebe uma média de 25 relatórios de pilotos que garantem ter avistado drones perto de suas rotas”, diz o porta-voz da FAA, Les Dorr Jr. Em ambos os casos, a FAA não conseguiu apurar os nomes de quem pilotava os drones.
Quem também escapou ileso das autoridades foi o piloto do modelo que, no dia 7 de março de 2014, arremessou um pacote com 250 gramas de cocaína no pátio do Centro de Detenção Provisória (CDP) em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Todos os dias, dezenas de vídeos postados no YouTube revelam o lado bizarro dos drones. Alguns são hilários, como o do aparelho que flagrou uma mulher de topless tomando sol no telhado de um prédio em Pezinok, na Eslováquia. Indignada, a mulher pegou um cabo de vassoura e começou a perseguir o intruso. Outros, ao contrário, são trágicos. Caso do drone que invadiu o jogo entre Sérvia e Albânia, válido pelas eliminatórias da Eurocopa 2016, e provocou um incidente diplomático. Durante a invasão, o meio-campo sérvio Stefan Mitrovic arrancou a bandeira pró-Albânia que o drone carregava, despertando a ira dos jogadores adversários.
Segurança > Você está sendo vigiado!
De operações para prender traficantes de drogas a vigilância em shoppings, os drones ajudam a garantir a segurança das pessoas.
Durante quase um ano, o traficante Marcelo Santos das Dores, conhecido como Menor P, teve seus passos monitorados por um agente especial da Polícia Federal (PF). Segundo Roberto Cordeiro, superintendente regional da PF, a captura do chefão do tráfico no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, em março de 2014, não teria sido possível sem o uso de um drone. Comprado em 2010, o modelo israelense Heron TP é capaz de voar por 37 horas ininterruptas, cobre uma área de mais de mil quilômetros quadrados e tem câmera de infravermelho, que capta imagens mesmo durante a noite. No Brasil, os veículos aéreos não tripulados já são usados pela Polícia Federal e a Força Aérea Brasileira (FAB).
Se os drones da PF são do modelo Heron TP, da empresa Israel Aerospace Industries (IAI), os da FAB são Hermes, fabricados pela Elbit Systems. Em maio de 2013, PF e FAB realizaram uma ação conjunta, a operação Ágata 7, para apreender drogas na fronteira do Paraná com o Paraguai. “As aeronaves remotamente pilotadas são acionadas sempre que a missão for cansativa ou de longa duração ou apresentar risco de contaminação”, diz o tenente-coronel Renato Alves de Moraes, comandante do Esquadrão Hórus, da FAB. Atualmente, a Força Aérea dispõe de cinco aeronaves não tripuladas: quatro Hermes 450 (RQ 450) e um Hermes 900 (RQ 900). Mas, se depender da Embraer, o Brasil não vai continuar importando drones. Em breve, a empresa pretende lançar seu próprio modelo, batizado de Falcão, para cumprir missões de inteligência, reconhecimento e vigilância terrestre e marítima.
A empresa Sonae Sierra Brasil, que administra 12 shoppings no país, descobriu uma maneira inusitada de garantir a segurança de seus clientes. Dois deles, o Passeio das Águas, em Goiânia, e o Parque D. Pedro, em Campinas, já usam drones. “Os drones ficam sempre ao alcance da visão do operador e numa altitude máxima de 40 metros”, afirma Adauto Lopes, gerente corporativo de segurança da Sonae. “Ajudam a equipe de segurança a monitorar um perímetro maior e áreas de difícil acesso.”
Brasil > Para colocar ordem na bagunça
A Anac está trabalhando na regulamentação de drones no Brasil. Ela deve entrar em vigor no primeiro semestre de 2015.
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precisam de autorização da Anac para operar - Foto: Polícia Federal
Drones não estão autorizados a sobrevoar bens de terceiros, chegar a menos de cinco quilômetros de distância dos aeroportos e transportar pessoas, animais ou artigos perigosos. Essas são algumas das restrições que devem constar na proposta de regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que pode entrar em vigor no primeiro semestre de 2015. “A Anac pretende liberar voos de drones de até 25 quilos em lugares públicos a até 150 metros de altitude”, diz Antônio Castro, presidente do comitê da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde) que trata do assunto. “Não há restrição à compra de drones, mas sua operação depende de autorização da Anac”, afirma Annelise Pereira Berutt, gerente técnica da agência.
A primeira autorização para um drone civil e particular foi concedida em 29 de maio de 2013. Fabricado pela XMobots, o Nauru 500 monitorou a construção da usina hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. Para conceder o certificado de autorização de voo experimental (Cave), a Anac exige que os voos sejam realizados em áreas remotas e durante o dia. Além disso, o piloto deve manter contato visual com a aeronave durante todo o percurso. O processo de autorização pode levar até um ano – apenas sete podem operar hoje no Brasil. “O principal desafio da Anac será a regulamentação de drones em áreas urbanas. Todos os dias, vemos aeronaves não tripuladas filmando eventos e desrespeitando normas de segurança”, diz Giovani Amianti, CEO da XMobots.
Pela proposta da Anac, os pilotos que operam drones além do alcance da visão devem ter licença e habilitação emitidas pela agência, e as operações, seguro com cobertura de danos a terceiros. Voos de drones de até 25 quilos só serão permitidos em ambientes confinados, como festas de casamento ou estúdios de gravação, desde que todos os presentes estejam cientes dos riscos. O uso de drones sem autorização está sujeito a suspensão da licença do piloto, apreensão da aeronave e aplicação de multa. “Todo e qualquer motorista que não saiba dirigir ou não tenha carteira está sujeito às penas da lei. Isso vale para carro, drone ou avião”, afirma Antônio Castro, da Abimde.
Fonte: André Bernardo (Revista Galileu)