O perigo está no ar. Com mais jatinhos e helicópteros cruzando o céu brasileiro, o número de acidentes aéreos com mortes ou lesões graves em tripulantes e passageiros saltou 160% nos últimos 10 anos no país. Levando-se em conta também os incidentes graves, quando há relevantes danos às aeronaves mas não há vítimas, o aumento chega a 185% entre 2004 e 2013. Os dados constam em relatório do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão vinculado ao Ministério da Defesa.
No mesmo período, o número de aviões certificados, incluindo helicópteros e jatinhos particulares, passou de 10.831 para 15.704, segundo informações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). O acréscimo de 45% deu ao Brasil o título de dono da segunda maior frota do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, o que torna o setor mais vulnerável a desastres.
De acordo com o Panorama Estatístico da Aviação Brasileira produzido pelo Cenipa, 43% dos desastres aéreos com mortes na última década envolveram a aviação executiva, como jatinhos, aeronaves e helicópteros particulares.
“O índice de acidentes tem crescido muito. Só as aeronaves de uso privado respondem por quase metade das ocorrências. É um número que impressiona. Mas isso não vale para o transporte de massa de passageiros ou cargas. Apenas 1,5% dos acidentes ocorrem no transporte aéreo regular, sob o qual a fiscalização é muito maior”, diz o coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da Fumec, o piloto e professor Deusdedit Reis. “Muitas vezes, o fazendeiro ou empresário compra um monomotor e aprende a pilotar. Ganha autoconfiança mas não tem o preparo necessário em situações adversas. E aí pode acontecer o pior”, adverte.
Segundo Reis, com a profusão no número de aeronaves no país, a Anac, que passou a ter a responsabilidade pela fiscalização em 2005, teve dificuldades para exercer essa função. E o quadro de funcionários do órgão regulador não decolou na mesma medida. “Quando o cinto aperta, o jeito é concentrar naquilo que é maior e mais sério”, afirma.
Para o ex-diretor da Anac e do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DCEA), brigadeiro Allemander Pereira, a capacidade de fiscalização da agência, hoje, diminuiu, e está abaixo do que já foi no passado.
Minas Gerais responde por quase 10% dos incidentes graves
No céu brasileiro, em 2013, em média, não passaram-se dois dias sem que houvesse um acidente ou incidente aéreo grave. “É um nível alarmante, que assusta”, critica o brigadeiro Allemander Pereira, atualmente consultor do setor.
A maior parte das ocorrências acontece em São Paulo, onde está a maior frota do país, com 3.979 aeronaves. Nos últimos 10 anos, o Estado concentrou 21% dos acidentes. “Em parte, isso pode ser explicado pela quantidade. Com mais de 400 helicópteros, a capital paulista tem o maior tráfego urbano deste tipo de equipamento, muito superior a Nova York, com cerca de 200”, detalha.
Minas Gerais tem a segunda maior frota, formada por 1.297 aeronaves. De 2004 a 2013, o Estado respondeu por quase 10% dos incidentes graves (3º no ranking) e 6,3% dos acidentes com mortes ou vítimas gravemente feridas (5º entre os estados brasileiros). Pará, Paraná, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, esses últimos com intensa aviação agrícola, normalmente mais perigosa, também apresentam alto índice de ocorrências, de acordo com o relatório.
“Apesar dos esforços da Anac, a aviação particular é muito pulverizada. E a agência não tem condições de fiscalizar esse segmento em um país com tamanha dimensões. Além disso, hoje ficou muito mais fácil ter um avião. Os novos ricos surgiram e não se importam em gastar R$ 300 mil ou R$ 500 mil em um monomotor. É o preço de um carro de luxo”, compara.
Para o coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da Fumec, Deusdedit Reis, a irresponsabilidade por parte de proprietários que se aventuram como pilotos pode ser fatal. “Tem gente no país que voa sem nunca ter tido habilitação, mas pousa seu avião fora de aeródromos controlados. E outros que não renovam as licenças e não se atualizam. Isso é extremamente perigoso”, alerta ele, que durante 20 anos foi investigador de acidentes na Força Aérea.
Em nota, a Anac disse que a fiscalização é realizada por meio de atividades de vigilância continuada e de ações fiscais para verificar se pilotos e aeronaves estão com todos os certificados em dia. O órgão defende que houve uma melhora na cultura de segurança operacional. “As estatísticas mostram uma redução de 4,6% no número de acidentes na aviação geral, e de 29% no segmento de táxi aéreo, de 2012 para 2013”, informou.
Fonte: CenárioMT