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O Antonov A-40 durante o voo (Foto: Domínio Público)
A rápida evolução de máquinas de guerra nos anos após a Primeira Guerra Mundial mudou os paradigmas do combate bélico.
A Frente Ocidental da Primeira Guerra havia desenvolvido rapidamente linhas de trincheiras estáticas. Milhares de homens morriam nos ataques para ganhar poucas centenas de metros de território.
Arame farpado, artilharia e metralhadoras aumentaram enormemente os custos dos avanços frontais.
A invenção dos primeiros tanques armados em 1917 rompeu esse impasse. Os tanques conseguiam mover-se através do arame farpado e eram, em grande parte, imunes aos ataques das metralhadoras.
Assim, as táticas militares voltaram-se para uma nova forma de máquina de guerra que imitava as antigas campanhas de cavalaria - enormes batalhas disputadas ao longo de amplos territórios. E outra arma mais moderna - o avião - ampliou ainda mais essa capacidade.
Os estrategistas militares precisaram enfrentar avanços blindados cobrindo dezenas de quilômetros em um único dia - um feito quase impensável poucas décadas antes.
Nos anos 1930, diversos exércitos começaram a imaginar como as tropas isoladas pelo curso da batalha ou que aterrissavam de paraquedas muito além das linhas inimigas poderiam conseguir apoio blindado com rapidez.
A melhor forma parecia ser mesclar pequenos tanques com os grandes aviões bombardeiros.
Experimentos foram realizados, especialmente na União Soviética, nos anos 1930. Entre os conceitos, havia os tanquetes atiradores - pequenos tanques com armamento leve e metralhadoras - sob as asas de grandes aviões bombardeiros.
Os aviões aterrissariam, descarregariam os tanques e decolariam novamente. Tecnicamente, era viável, mas havia uma importante desvantagem: seria preciso ter terra plana suficiente por perto para que os grandes aviões pudessem pousar.
Por isso, surgiu outra ideia mais extravagante: por que aterrissar o avião se o próprio tanque poderia descer à terra? Assim surgiu a noção do "tanque planador".
O desenvolvimento da ideia
O planador foi desenvolvido na primeira metade do século 20, principalmente para fins militares. A Alemanha, a União Soviética, o Reino Unido e os EUA dedicaram grandes esforços para desenvolver planadores que pudessem transportar tropas e carga para o campo de batalha.
Os planadores eram rebocados por aviões de transporte - como os planadores modernos, que são rebocados por aviões leves - e liberados perto do alvo para prosseguir até o seu destino. Para serem eficazes, os planadores precisavam de espaço limpo para aterrissagem (o que restringia os locais onde poderiam ser usados), mas foram uma arma decisiva na Segunda Guerra Mundial.
No início dos anos 1930, os estrategistas militares buscavam máquinas de guerra com mais mobilidade. Com isso, os tanques diminuíram de tamanho.
O engenheiro americano J. Walter Christie havia inventado um sistema de suspensão inovador que foi empregado em muitos tanques na Segunda Guerra Mundial. Ele começou a examinar o conceito do tanque voador no início dos anos 1930.
O projeto de Christie era mais ambicioso que os que se seguiram. Ele envolvia aparafusar um par de asas e uma cauda ao tanque, além de um propulsor alimentado pelos motores do veículo.
Segundo Christie, o tanque conseguiria ser suspenso no ar a cerca de 330 pés (100 metros) e transportado até o campo de pouso com sua própria potência.
O tanque T-60 foi a base do ambicioso projeto de Oleg Antonov (Imagem: Getty Images)
"Além disso, o piloto do tanque voador não precisa do terreno plano exigido por um avião bombardeiro para decolar", afirmou Christie, segundo mencionado na revista Popular Mechanics em 1932. "Ele pode decolar na lama, em campo acidentado e em terreno que impediria um avião médio de subir aos céus."
O exército americano não tinha a mesma convicção de Christie e sua ideia inovadora acabou não sendo aceita. Mas, alguns anos depois, outro projetista igualmente visionário tirou o conceito da mesa de desenho e o levou para o ar, na União Soviética.
'Solução em busca de problemas'
Oleg Antonov era fascinado pela aviação desde a infância. Quando ainda era adolescente, ele projetou seu próprio planador. Seu talento como projetista acabou levando-o ao cargo de projetista-chefe da Fábrica de Planadores de Moscou, onde projetou mais de 30 planadores diferentes.
Os estrategistas militares soviéticos estavam começando a entender que as unidades de paraquedistas poderiam precisar de armas mais pesadas para ajudá-los a sobreviver em bolsões isolados, longe de forças amigas.
Uma opção pesquisada foi enviar pequenos tanques a bordo de grandes bombardeiros, usando grandes paraquedas. Mas havia problemas nessa operação, como explica Stuart Wheeler, curador do Museu dos Tanques de Bovington, no Reino Unido.
"Um dos pontos que vemos nos soviéticos do pós-guerra é essa ideia de dispersão, lançando veículos com diversos paraquedas. Mas onde está a tripulação? Eles também lançavam a tripulação, mas eles poderiam aterrissar muito longe e precisar atravessar quilômetros para chegar até o veículo", segundo ele.
O T-60 precisou sofrer grandes modificações para conseguir voar (Imagem: Kaboldy/CC BY-SA 3.0)
Para Wheeler, "os tanquetes suspensos em um [avião] Tupolev são uma solução para o problema, que não está longe do que acontecia nos Estados Unidos nos anos 1960, com helicópteros Sikorsky e veículos suspensos abaixo da aeronave".
Mas, nos anos 1930, essas ideias simplesmente não eram viáveis.
Em 1940 - apenas um ano antes da invasão da União Soviética pela Alemanha -, Antonov foi levado a trabalhar em um planador que pudesse carregar pequenos tanques. Mas o projeto de Christie o havia intrigado e ele trabalhou em um projeto de tanque voador chamado A-40.
O protótipo usava um tanque T-60, pequeno e rápido, usado para reconhecimento. Nele, eram aparafusadas duas asas e uma longa cauda estabilizadora. Wheeler afirma que não era um compromisso ideal.
"O problema é que o único veículo que realmente poderia entrar ali é um modelo de 1937, prejudicado pela sua blindagem fina e sua metralhadora pequena", segundo ele.
O que favorecia a ideia do tanque planador é que ele não exporia aviões de transporte grandes e lentos aos combates em terra. O tanque seria liberado a alguma distância da zona de aterrissagem e planaria até parar.
Um modelo em escala do A-40 construído alguns anos atrás por um museu na Holanda mostra as imensas dimensões desse veículo criativo e inusitado.
"O tanque pesa apenas cerca de seis toneladas e é bastante pequeno", afirma o jornalista especializado em aviação Jim Winchester.
"Mas a envergadura é a mesma de um pequeno bombardeiro e ele tem duas vezes a área das asas."
Dois conjuntos de asas empilhados um sobre o outro são necessários para elevar suficientemente o tanque, a fim de mantê-lo suspenso.
O projeto de Antonov ficou na mesa de desenho até muito depois que a Alemanha invadiu a União Soviética em 1941. Foi ali que Antonov percebeu como pode ser difícil transformar a ideia do papel em realidade. Seu protótipo somente foi construído em 1942.
No dia 2 de setembro de 1942, o piloto de teste (ou, neste caso, o motorista de teste) Sergei Anokhin pegou os controles do tanque, rebocado por um bombardeiro Tupolev TB-3 com uma longa corda. O A-40 estava pronto para o seu voo inaugural.
"Para testar o voo, eles precisam deixar de fora a munição e a maior parte do combustível para economizar peso", explica Winchester. "O conceito era que, à medida que a torre do tanque girava, você movia os controles das asas. Você simplesmente movimenta a arma para a esquerda ou para a direita."
Mas o tanque era tão pesado que a torre também precisou ser retirada.
O Tupolev decolou com o A-40 a reboque, mas precisava liberar o tanque cedo para evitar acidentes - o arrasto criado pelo incômodo veículo resultou ser grande demais.
Anokhin conseguiu plainar o tanque para pousar em um campo. E, depois de pousar, ele conseguiu desmontar as asas e a cauda e dirigir o tanque de volta para a base.
A aerodinâmica básica do A-40 comprovou ser segura, mas seu primeiro voo (que acabaria também sendo o último) demonstrou as dificuldades de fazer um veículo tão pesado sair do chão.
"Ele é chamado de tanque voador, mas, se você disser isso, as pessoas irão pensar em um objeto sobrevoando e disparando tiros, enquanto, na verdade, não era este o caso", explica Winchester. "De certa forma, era uma solução em busca de problemas."
Este modelo em escala do A-40 mostra o enorme tamanho das suas asas e da cauda, em comparação com o pequeno tanque (Imagem: The Tank Museum, Bovington)
Os estrategistas soviéticos queriam, na verdade, que o conceito do A-40 fosse usado com o tanque T-34, muito mais pesado e eficaz.
Mas o atabalhoado voo inaugural demonstrou que não havia aeronave com potência suficiente para fazer o planador decolar com o tanque maior. Um T-34 totalmente carregado pesava 26 toneladas - mais de quatro vezes o diminuto T-60.
Este tanque pequeno poderia ter sido útil para apoiar unidades amigas, operando longe da linha de combate, mas teria menos utilidade em grandes batalhas.
"Você tem um tanque que pode ser útil em certas circunstâncias, mas não em um ambiente em disputa na forma habitual", afirma Winchester.
A tentativa japonesa
O projeto de Antonov nunca mais voou, mas não foi o fim do conceito de tanque voador.
O Japão, que também havia se interessado pelo conceito de Christie, explorou a ideia durante a Segunda Guerra Mundial.
O Tanque Leve Especial número 3 Ku-Ro japonês foi um projeto inteiramente novo, construído especialmente para a missão. Como o A-40, ele foi projetado para ser rebocado por uma aeronave grande e liberado para plainar até o campo de batalha.
Os projetistas descobriram que a tensão da decolagem em alta velocidade destruía rapidamente os pneus do tanque e instalaram um par de esquis.
Como as asas e as caudas, os esquis podiam ser rapidamente desmontados depois da aterrissagem, para que o tanque pequeno de 2,9 toneladas pudesse entrar em ação.
Mas, dois anos depois, o projeto foi cancelado porque o Japão se viu lutando uma guerra defensiva.
O crescimento da superioridade aérea dos Estados Unidos fez com que ficasse muito perigoso lançar essas armas com aeronaves lentas e vulneráveis. O projeto nunca saiu do estágio de protótipo e o tanque propriamente dito nunca voou.
Os projetos britânicos
O Reino Unido também fez algumas tentativas de criar um tanque voador durante a guerra, com um projeto mais simples, mas igualmente extravagante - que chegou a voar.
O Baynes Bat ("Morcego de Baynes", em homenagem ao seu projetista, L. E. Baynes) foi um conceito de planador criado para explorar um projeto maior que pudesse ser usado com um tanque. Mas, ao contrário, do A-40, ele tinha apenas um conjunto de asas e não dois.
Versão em escala reduzida do 'Morcego de Baynes'. Ele chegou a voar, mas o projeto foi cancelado antes que um protótipo em tamanho real pudesse decolar (Imagem: Domínio Público)
Se o Baynes Bat tivesse entrado em linha de produção, ele teria uma envergadura muito grande, de mais de 30 metros.
A asa também era projetada para trás - um salto aerodinâmico raramente observado durante a Segunda Guerra Mundial, que se tornaria uma característica comum nos jatos supersônicos de combate introduzidos uma década depois.
O Baynes Bat não tinha cauda e, no seu lugar, havia um estabilizador vertical, parecido com barbatanas de cauda, montado na ponta de cada asa. Na verdade, o protótipo de Baynes não incluía um tanque - o piloto se sentava em uma fuselagem minúscula, minimizada pela asa gigante.
Seu piloto, Robert Kronfeld, observaria posteriormente: "Apesar do seu projeto não ortodoxo, a aeronave é pilotada de forma similar a outros planadores leves, com controles muito leves e ágeis e manejo seguro pelos pilotos de serviço em todos os comportamentos normais de voo".
Mas, poucos anos depois, Eric "Winkle" Brown, o piloto de testes britânico que voou com mais aeronaves na história, ficou menos impressionado. Ele disse que o controle era ruim e que sua "sensibilidade específica para frente e para trás, aliada à visão indiferente da cabine de comando, torna o planador uma proposta delicada para aterrissagem em espaços confinados. A ideia de um tanque médio preso a ele faz a mente ficar confusa. Parecia uma boa ideia na época, mas..."
Nunca foi construída uma versão do Baynes Bat em tamanho real. Para Winchester, "o Bat foi uma forma de levar algo para o campo de batalha, mas o problema foi que, na verdade, esse 'algo' nunca existiu".
O Reino Unido descartou a ideia de um tanque voador. No seu lugar, foi construído um planador suficientemente grande para carregar um tanque - o Hamilcar.
A ordem de produzir um planador grande o suficiente para carregar um tanque havia vindo do próprio primeiro-ministro britânico Winston Churchill em 1940. O incômodo planador Hamilcar tinha tamanho suficiente para carregar um tanque Tetrarch, com capacidade para dois homens, que poderia ser dirigido através das portas frontais do planador, abertas depois do pouso.
Ele foi usado nos desembarques do Dia D, mas enfrentou os mesmos problemas do T-60. O Tetrarch tinha o tamanho máximo que poderia ser ocupado no planador sem impedir sua decolagem, mas era terrivelmente mal equipado e desarmado para combater os tanques alemães.
O tanque similar construído pelos americanos, o Locust, também cabia dentro do Hamilcar e enfrentava as mesmas dificuldades.
O fim do projeto
O tanque Tetrarch, projetado pelos britânicos, era suficientemente pequeno para ser transportado por um planador Hamilcar (Foto: Getty Images)
Oitenta anos após seu único voo, Winchester afirma que o A-40 era um conceito interessante, mas acabou se tornando um beco sem saída.
"Havia os esforços envolvidos na construção dessas asas para voos únicos e sua vulnerabilidade - você conseguia vê-los a quilômetros de distância e eles não conseguiriam mover-se com muita rapidez se ficassem em perigo", explica ele.
A invenção dos grandes helicópteros e transportes militares dedicados após o fim da Segunda Guerra Mundial tornou redundante a ideia dos tanques voadores.
Durante a Guerra Fria, os soviéticos criaram diversos veículos que poderiam ser lançados de paraquedas com a tripulação no seu interior. Os veículos eram carregados em paletes com paraquedas e um sistema especial de foguetes era disparado quando o palete se aproximasse do chão.
Os foguetes reduziam significativamente a velocidade de descida, permitindo que os veículos entrassem em batalha imediatamente.
Já os Estados Unidos conseguiram fornecer um pequeno tanque que era ainda mais surpreendente.
O Sheridan M551 seria carregado sobre um palete de metal com paraquedas. O paraquedas abriria ainda no interior da aeronave.
A força da abertura do paraquedas arrasta o palete, que absorveria a maior parte da força da aterrissagem, para fora do avião. Mas a tripulação precisaria descer de paraquedas até o solo separadamente, de outra aeronave.
A dramática aterrissagem do Sheridan pode ser observada neste vídeo.
O conceito do tanque com asas pode ter se espatifado no solo, mas o sonho de ver tanques descendo do ar ainda não morreu.
O trem de pouso é uma das partes mais familiares — e ao mesmo tempo menos compreendidas — de um avião. No Boeing 737, essa estrutura esconde soluções de engenharia impressionantes, algumas tão criativas que parecem até contraintuitivas.
Na manhã de domingo, 22 de dezembro de 2024, a aeronave Piper PA-42-1000 Cheyenne 400, prefixo PR-NDN, caiu em Gramado, Rio Grande do Sul. O Corpo de Bombeiros, Brigada Militar e Polícia Civil foram no local e conformaram a morte de dez pessoas (todos os ocupantes do avião).
Ao menos 15 pessoas foram socorridas a hospitais da região. Meses depois, no dia 18 de março de 2025, morreu Lizabel de Moura Pereira, a camareira da pousada atingida pela queda do avião. Ela permaneceu internada desde o acidente no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, com 43% do corpo queimado.
Segundo a Brigada, o avião havia saído do aeroporto de Canela e caiu minutos depois da decolagem, por volta das 9h15, em Gramado. A informação inicial era de que ele seguiria viagem para Florianópolis.
Avião caiu na região central de Gramado (Foto: Reprodução)
No momento da queda, a aeronave atingiu a chaminé de um prédio, uma loja de móveis e uma pousada.
Segundo os bombeiros, no prédio uma pessoa conseguiu sair sem ferimentos. Na loja de móveis não havia ninguém no momento da queda. Já na pousada, 17 pessoas ficaram feridas e foram socorridas para o hospital.
Avião cai em Gramado, no Rio Grande do Sul (Foto: Reprodução/Halder Ramos)
As informações são de que 10 pessoas estavam no avião no momento da queda. Todas as vítimas pertenciam à mesma família, do empresário Luiz Cláudio Salgueiro Galeazzi.
O empresário Luiz Claudio Salgueiro Galeazzi era dono do avião e pilotava no momento da queda. Luiz era CEO da Galeazzi & Associados, empresa referência em gestão de crise e reestruturação de negócios.
Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o empresário participou de diversos processos de recuperação judicial no Brasil e no exterior. A empresa foi fundada pelo pai dele, Cláudio Galeazzi, que morreu de câncer em março de 2023.
Vítimas fatais no avião:
Luiz Cláudio Salgueiro Galeazzi (dono e piloto do avião)
Tatiana Natucci Niro (esposa de Luiz e mãe das três adolescentes)
Maria Eduarda Niro Galeazzi (filha de Tatiana e Luiz)
Maria Elena Niro Galeazzi (filha de Tatiana e Luiz)
Maria Antônia Niro Galeazzi (filha de Tatiana e Luiz)
Lilian Natucci (sogra de Luiz)
Veridiana Natucci Niro (cunhada de Luiz, irmã de Tatiana)
Bruno Cardoso Munhoz de Guimarães Araújo (marido de Veridiana)
Giulia Guimarães Araújo (sobrinha de Luiz, filha de Veridiana e Bruno)
Mateo Guimarães Araújo (sobrinho de Luiz, filho de Veridiana e Bruno).
🚨Brasil: Acidente aéreo no Rio Grande do sul Avião cai no centro Gramado atingindo lojas e casas pic.twitter.com/5CR1n6qPF9
O Piper Cheyenne é um avião pequeno, com motor à hélice: tem comprimento de 13,2 metros, altura de 5,1 metros e uma envergadura (distância da ponta de uma asa até a ponta da outra) de 14,5 metros. Tem capacidade de transportar quase uma tonelada de peso útil.
Por se tratar de uma aeronave com capacidade para até nove pessoas, não tinha caixa-preta – informação confirmada pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).
(Foto via GZH)
O relatório preliminar elaborado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) informou que o avião perdeu o controle após bater na chaminé de um prédio.
"Após a decolagem, a aeronave efetuou uma curva à direita e veio a chocar-se contra a chaminé de um prédio na cidade de Gramado, RS. Posteriormente, ocorreu a perda de controle em voo e a mesma colidiu contra mais edificações até a parada total", diz o documento.
(Foto: RBS TV/Reprodução)
Em agosto de 2025, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) informou que parte da investigação sobre o acidente será executada nos Estados Unidos. Os motores da aeronave passarão por uma análise com o apoio técnico da empresa fabricante.
“Essas análises têm como objetivo confirmar ou descartar possíveis fatores contribuintes para a ocorrência”, informa o órgão.
Em 22 de dezembro de 2009, o Boeing 737-823 (WL), prefixo N977AN, da American Airlines (foto abaixo), operava o voo 331 de Washington, DC, com destino a Kingston, na Jamaica, com escala em Miami, na Flórida. A bordo estavam 148 passageiros e 6 tripulantes.
O capitão era Brian Cole, de 49 anos, que havia ingressado na American Airlines em 1986. Ele havia servido anteriormente como capitão/examinador de voo no Boeing 727, mas agora atuava como capitão do Boeing 737 quando a companhia aérea aposentou seus 727. O capitão Cole tinha 11.147 horas de voo, incluindo 2.727 horas no Boeing 737, e tinha experiência prévia em pousos na pista 12 em Kingston durante condições climáticas adversas.
O primeiro oficial era Daniel Billingsley, de 45 anos, que trabalhava na American Airlines desde 1998, inicialmente como primeiro oficial do Boeing 727. Ele se tornou primeiro oficial do Boeing 737 em 2002. Ele tinha 6.120 horas de voo, sendo 5.027 delas no Boeing 737. Ambos os pilotos já haviam voado juntos anteriormente. O primeiro oficial afirmou que se sentia "muito confortável voando" com o Capitão Cole.
O voo teve origem no Aeroporto Nacional Ronald Reagan de Washington, em Washington, DC, com escala no Aeroporto Internacional de Miami, em Miami, na Flórida.
Às 22h22, horário local (03h22, 23 de dezembro UTC ), o Boeing 737-823 derrapou durante o pouso na pista 12 do Aeroporto de Kingston, na Jamaica, e ultrapassou o pavimento, sofrendo danos graves. Chuvas fortes foram relatadas no momento do pouso. Após o acidente, um boletim meteorológico especial foi emitido.
Alguns passageiros indicaram que o serviço de bordo foi suspenso várias vezes durante o voo, antes de ser cancelado definitivamente devido à turbulência; outros relatam que o jato pode ter aterrissado muito além do ponto ideal na pista.
Também foi anunciado que algumas das luzes de aproximação do aeroporto não estavam funcionando no momento do acidente. Autoridades jamaicanas minimizaram o papel das luzes defeituosas no acidente, observando que as tripulações aéreas haviam sido notificadas e que a pista em si estava devidamente iluminada. Os auxílios de navegação terrestre foram avaliados por uma aeronave de verificação após o acidente e constatou-se que estavam funcionando normalmente.
A aeronave sofreu danos substanciais durante o acidente, com toda a fuselagem fraturando-se à frente e atrás da asa, uma asa perdendo um motor e a outra a ponta da winglet, e a seção do nariz sendo esmagada.
O trem de pouso falhou e fez com que a aeronave capotasse. Seu impulso a levou através da cerca perimetral em velocidades de rodovia, e através da Norman Manley Highway antes de finalmente parar na posição vertical, a poucos metros do porto externo de Kingston e do mar aberto do Caribe.
O 737 sofreu danos irreparáveis economicamente e foi considerado perda total. O acidente representou a sexta perda total de um Boeing 737-800.
Embora o aeroporto tenha sido fechado após o acidente, atrasando cerca de 400 viajantes, ele foi reaberto posteriormente com um comprimento de pista reduzido devido aos destroços da seção da cauda. Voos maiores foram desviados para o Aeroporto Internacional Sangster de Montego Bay por dois dias.
Uma investigação sobre o acidente foi iniciada pelo Conselho Nacional de Segurança nos Transportes. Eles enviaram uma equipe para auxiliar os funcionários da Autoridade de Aviação Civil da Jamaica na investigação. A American Airlines também enviou uma equipe de investigação de acidentes para auxiliar os outros investigadores.
Relatórios posteriores mostraram que a tripulação havia contatado o Controle de Tráfego Aéreo da Jamaica para solicitar a aproximação por Sistema de Pouso por Instrumentos (ILS) para a pista 12, a pista designada e divulgada pelo Serviço Automático de Informação Terminal (ATIS) para chegadas naquela noite.
No entanto, eles foram avisados sobre condições de vento de cauda na pista 12 e foi oferecida uma aproximação circular para pouso na pista 30. "A tripulação repetiu sua solicitação para a pista 12 e, posteriormente, foi autorizada a pousar nessa pista, com o controlador avisando ainda que a pista estava molhada."
O Coronel Oscar Derby, Diretor Geral da Aviação Civil da Jamaica, afirmou na semana seguinte ao acidente que o jato tocou o solo aproximadamente na metade da pista de 2.720 metros (8.910 pés). Ele também observou que o 737-800 está equipado com um visor de informações projetadas no para-brisa ("HUD").
Outros fatores que estavam sendo investigados incluíam "ventos de cauda e uma pista encharcada pela chuva"; a pista em questão não estava equipada com sulcos de dispersão de água da chuva, comuns em aeroportos maiores. A aeronave carregava uma carga de combustível relativamente alta no momento do pouso; havia combustível suficiente para um voo de ida e volta aos EUA.
O FDR revelou posteriormente que a aeronave tocou o solo a cerca de 1.200 metros (4.100 pés) da pista de 2.720 metros (8.910 pés) de comprimento. Normalmente, o toque no solo ocorreria entre 300 metros (1.000 pés) e 460 metros (1.500 pés). A aeronave ainda estava viajando a 116 km/h (72 milhas por hora; 63 nós) quando deixou o final da pista. A aeronave pousou com um vento de cauda de 26 km/h (16 milhas por hora; 14 nós), pouco abaixo do seu limite de 27 km/h (17 milhas por hora; 15 nós).
Após o acidente, foi anunciado que a American Airlines estava envolvida em uma revisão da FAA sobre os procedimentos de pouso da empresa, após três incidentes de pouso em duas semanas; nos outros dois casos, as pontas das asas da aeronave tocaram o solo durante o pouso.
Durante a investigação do NTSB, a tripulação informou ao NTSB, em entrevistas pós-acidente, que não havia recebido nenhum treinamento sobre como realizar pousos em condições de vento de cauda. Além disso, o NTSB foi informado por outros pilotos da American Airlines que eles não receberam treinamento em simulador sobre pousos com vento de cauda nem orientações sobre os riscos de ultrapassagem da pista associados a esses pousos.
Segundo o Departamento de Estado dos EUA, 76 dos passageiros a bordo eram americanos. Embora 92 pessoas tenham sido levadas para o hospital, não foram relatados ferimentos com risco de vida.
Relatórios da Jamaica indicam que, em 28 de dezembro de 2009, a maioria dos pertences dos passageiros e da tripulação ainda não havia sido devolvida devido à investigação; a American Airlines forneceu a cada passageiro US$ 5.000 para compensar a longa quarentena da bagagem.
Em 7 de dezembro de 2011, o NTSB emitiu uma recomendação de segurança com base nos resultados de sua investigação sobre o acidente do voo 331. O NTSB recomendou que a FAA tomasse medidas para garantir treinamento adequado de pilotos em programas de treinamento em simulador em aproximações e pousos com vento de cauda, particularmente em pistas molhadas ou contaminadas, e revisasse seus avisos sobre prevenção de ultrapassagem de pista para incluir uma discussão sobre os riscos associados a pousos com vento de cauda.
O NTSB também reiterou sua recomendação anterior, feita após o acidente com o voo 1248 da Southwest Airlines, de que a FAA exigisse que os pilotos de companhias aéreas comerciais realizassem avaliações de distância de pouso que incluíssem uma margem de segurança conservadora antes de cada pouso.
O NTSB observou que, embora a FAA tivesse proposto tal regra, as operadoras ainda não eram obrigadas a cumpri-la e muitas operadoras, incluindo a American Airlines, não a cumpriam na época do acidente com o voo 331. Como resultado, a recomendação de segurança do NTSB foi reiterada e reclassificada como "Aberta — Resposta Inaceitável".
Em 2 de maio de 2014, a JCAA divulgou seu relatório final. O relatório final da investigação identificou múltiplas causas e fatores contribuintes para o acidente, incluindo:
A tripulação do voo 331 não recebeu um relatório preciso e atualizado sobre as condições da pista em Kingston.
A tripulação não analisou as opções de aproximação e, consequentemente, não tinha conhecimento do aviso de água parada no aeroporto de Kingston e não selecionou a pista mais adequada para o pouso.
A tripulação decidiu pousar sob forte chuva, em uma pista molhada e com vento de cauda próximo ao limite de pouso permitido.
A tripulação não utilizou o nível máximo de freio automático ou flaps disponíveis.
A aeronave pousou a mais de 4.000 pés da cabeceira da pista.
Assim como o NTSB, a JCAA também recomendou que as tripulações de voo sejam obrigadas a realizar avaliações de distância de pouso que incluam uma margem de segurança conservadora antes de cada pouso, e que sejam tomadas medidas para exigir orientação e treinamento adequados da tripulação de voo em relação a pousos com vento de cauda.
A falha dos pilotos em abortar o pouso e subir para arremeter foi comparada ao posterior acidente fatal do voo 214 da Asiana Airlines. No incidente da Asiana Airlines, o piloto não abortou o pouso e iniciou uma arremetida até que fosse tarde demais para evitar o acidente. O capitão Cole voltou a voar com a American Airlines em 2013.
Em 22 de dezembro de 2001, ocorreu uma tentativa frustrada de atentado com bomba escondida em um sapato a bordo do voo 63 da American Airlines. A aeronave, o Boeing 767-323ER, prefixo N384AA (foto abaixo), com 197 passageiros e tripulantes a bordo, estava voando do Aeroporto Charles de Gaulle em Paris, França, para o Aeroporto Internacional de Miami, no estado americano da Flórida.
O autor do atentado, Richard Reid, foi subjugado pelos passageiros após uma tentativa frustrada de detonar explosivos plásticos escondidos em seus sapatos. O voo foi desviado para o Aeroporto Internacional Logan, em Boston, escoltado por caças americanos, e pousou sem maiores incidentes. Reid foi preso e posteriormente condenado a três penas de prisão perpétua mais 110 anos, sem direito a liberdade condicional.
***
Enquanto o voo 63 sobrevoava o Oceano Atlântico, Richard Reid, um fundamentalista islâmico do Reino Unido e autoproclamado operativo da Al-Qaeda, carregava sapatos recheados com dois tipos de explosivos. Ele havia tido a permissão de embarque negada no dia anterior.
Os passageiros do voo reclamaram de um cheiro de fumaça logo após o serviço de refeições. Uma comissária de bordo, Hermis Moutardier, percorreu os corredores do avião para localizar a origem do cheiro. Ela encontrou Reid sentado sozinho perto de uma janela, tentando acender um fósforo. Moutardier o advertiu de que fumar não era permitido a bordo da aeronave, e Reid prometeu parar.
Poucos minutos depois, Moutardier encontrou Reid debruçado sobre o assento e tentou, sem sucesso, chamar sua atenção. Depois que ela perguntou o que ele estava fazendo, Reid agarrou-a, revelando um sapato em seu colo, um pavio conectado ao sapato e um fósforo aceso. Ele não conseguiu detonar a bomba: a transpiração de seus pés umedeceu o triperóxido de triacetona (TATP) e impediu sua ignição.
Moutardier tentou agarrar Reid duas vezes, mas ele a empurrou para o chão em ambas as vezes, e ela gritou por socorro. Quando outra comissária de bordo, Cristina Jones, chegou para tentar conter Reid, ele lutou com ela e mordeu seu polegar.
Reid, de 1,93 m de altura e 98 kg, foi subjugado pelos comissários de bordo e outros passageiros e imobilizado pela tripulação com algemas de plástico, extensões de cinto de segurança e fios de fone de ouvido. Um médico administrou diazepam encontrado no kit de bordo da aeronave.
Muitos passageiros só tomaram conhecimento da situação quando o piloto anunciou que o voo seria desviado para o Aeroporto Internacional Logan, em Boston.
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Dois caças F-15 escoltaram o voo 63 até o Aeroporto Logan. O avião estacionou no meio da pista e Reid foi preso em solo, enquanto o restante dos passageiros foi levado de ônibus para o terminal principal.
As autoridades encontraram posteriormente mais de 280 gramas (10 onças) de TATP e tetranitrato de pentaeritritol (PETN) escondidos nas solas ocas dos sapatos de Reid, que, se detonados, teriam aberto um buraco significativo na aeronave e provavelmente causado sua queda.
Os calçados de Richard Ried (Foto: FBI)
Ele se declarou culpado e foi condenado a três penas de prisão perpétua mais 110 anos sem direito a liberdade condicional e encarcerado na ADX Florence, uma prisão federal de segurança máxima no Colorado.
Richard Ried, também conhecido como o "terrorista do sapato"
Seis meses após a queda do voo 587 da American Airlines no Queens, Nova York , em 12 de novembro de 2001, Mohammed Mansour Jabarah concordou em cooperar com as autoridades americanas em troca de uma redução de pena. Ele afirmou que o também canadense Abderraouf Jdey havia sido o responsável pela destruição do voo, usando uma bomba escondida em um sapato, semelhante à encontrada com Reid meses antes. No entanto, durante a investigação do acidente, foi revelado que o erro do piloto, e não o terrorismo, derrubou o avião. Jabarah era um conhecido colega de Khalid Sheikh Mohammed e disse que Reid e Jdey haviam sido recrutados pelo chefe da Al-Qaeda para participar de planos idênticos.
Em 2006, os procedimentos de segurança nos aeroportos americanos foram alterados em resposta a esse incidente, com os passageiros sendo obrigados a tirar os sapatos antes de passar pelos scanners. A exigência foi gradualmente eliminada para alguns viajantes, particularmente aqueles com o TSA PreCheck, em 2011.
Também em 2011, as regras foram flexibilizadas para permitir que crianças de até 12 anos e adultos com 75 anos ou mais mantivessem os sapatos durante as inspeções de segurança. Em 7 de julho de 2025, essas regras foram completamente abolidas em aeroportos selecionados, antes de serem totalmente revogadas em todos os aeroportos dos EUA no dia seguinte.
O relatório final deste incidente foi divulgado um ano e cinco meses após a ocorrência.
Por Jorge Tadeu da Silva (Site Desastres Aéreos) com Wikipédia e Agências de Notícias
Em 22 de dezembro de 1999, um Boeing 747 da Korean Air Cargo caiu em um campo na vila de Great Hallingbury, no Reino Unido. Seu breve voo terminou em um trágico acidente menos de um minuto após a decolagem do Aeroporto de Stansted, em Londres. A queda matou todos os quatro tripulantes e colocou a companhia aérea sul-coreana, já fragilizada por uma série de acidentes anteriores, sob ainda maior escrutínio.
Enquanto as autoridades avaliavam a possibilidade de impor novas restrições à companhia aérea em dificuldades, investigadores britânicos começaram a reconstituir a cadeia de falhas, tanto humanas quanto mecânicas, que fizeram o 747 cair diretamente no solo momentos após a decolagem. Encontraram evidências de um instrumento defeituoso, uma tentativa de reparo mal planejada e uma tripulação estranhamente passiva que pareceu não perceber que havia ocorrido uma falha. Erros de julgamento ocorreram tanto em solo quanto no ar, alguns deles inexplicáveis em sua falta de sentido. Mas não havia dúvida de que uma melhor comunicação entre os membros da tripulação poderia ter evitado o acidente, e aí residia o problema que afetava não apenas este voo, mas a Korean Air como um todo.
Portanto, esta não é apenas a história de um acidente com um avião de carga, mas também da luta de uma companhia aérea para superar seu histórico ruim de segurança — e das maneiras pelas quais essa luta, e o acidente do voo 8509 da Korean Air Cargo, foram severamente distorcidos pela lente imperfeita da psicologia popular.
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A maioria dos passageiros que chegam a Londres vindos de todo o mundo aterrissa em Heathrow, um dos aeroportos mais movimentados e famosos do mundo. Mas se você optar por voar com uma companhia aérea de baixo custo como a Ryanair, ou se for uma carga inanimada, é mais provável que passe pelo terceiro aeroporto mais movimentado da capital britânica, o Aeroporto de Stansted, localizado em uma área semirrural a cerca de 45 quilômetros a nordeste do centro da cidade.
Em 1999, a Korean Air Cargo, divisão de cargas da Korean Air, a companhia aérea de bandeira da Coreia do Sul, operava um voo de carga semanal de Seul para o Aeroporto de Stansted, utilizando um Boeing 747-200F especialmente projetado para esse fim. Essa rota normalmente envolvia diversas escalas antes e depois de Londres, e cada viagem era uma verdadeira maratona, com várias tripulações e duração de quase dois dias.
Uma dessas viagens foi o voo 8509 da Korean Air Cargo, que partiu de Seul em 22 de dezembro de 1999, para o que prometia ser a penúltima visita da companhia aérea a Stansted antes da virada do milênio.
O 747 partiu de Seul no início daquela manhã com a carga completa, antes de fazer uma escala em Tashkent, no Uzbequistão, para reabastecer e trocar a tripulação. A tripulação original desembarcou e foi para hotéis descansar, enquanto uma segunda tripulação, previamente posicionada em Tashkent, embarcou na aeronave para levá-la a Londres, onde uma terceira tripulação já estava a postos para prosseguir viagem.
Antes da segunda tripulação decolar de Tashkent, eles examinaram o diário de bordo deixado pela tripulação anterior e constataram que não havia nenhuma falha pendente — a aeronave estava em boas condições técnicas. Portanto, foi uma completa surpresa quando, momentos após a decolagem, o comandante inclinou a aeronave para a direita para cumprir uma autorização do controlador, e seu indicador de atitude não respondeu.
O indicador de atitude é, quase indiscutivelmente, o instrumento mais importante na cabine de qualquer aeronave. Familiar até mesmo para quem não é piloto, o indicador de atitude, também chamado de horizonte artificial ou ADI, representa a atitude de inclinação e o ângulo de inclinação lateral da aeronave usando uma tela móvel de duas cores, com o céu em azul claro e o solo em marrom escuro ou preto.
O termo “horizonte artificial” é especialmente apropriado porque a linha do horizonte entre as seções azul e marrom permanece horizontal enquanto a aeronave gira ao redor dela, fornecendo aos pilotos uma referência contínua que eles podem usar para manter o voo nivelado em meio a nuvens ou à noite.
Contudo, não é completamente imune a falhas, e por isso cada cabine de pilotagem vem equipada com três ADIs: um à frente de cada piloto e um terceiro, menor, de reserva, no centro. Quando um ADI falha, é possível compará-lo com os outros dois e, por votação majoritária, determinar a atitude real da aeronave.
Exemplo de um ADI funcionando corretamente durante uma curva à direita em subida
Enquanto o Boeing 747 da Korean Air Cargo fazia uma curva à direita durante a subida após a decolagem de Tashkent, o ADI do comandante inicialmente indicou uma inclinação para a direita, mas após atingir um ângulo de inclinação de 10 a 15 graus, parou abruptamente. Os pilotos continuaram a curva à direita, mas o ângulo de inclinação no ADI não se alterou, mesmo após a aeronave nivelar.
Nesse momento, detectando uma discrepância de mais de quatro graus entre os ângulos de inclinação indicados nos ADIs do comandante e do primeiro oficial, o sistema central de alerta acionou um aviso sonoro comparativo e uma luz vermelha intermitente de mau funcionamento do instrumento acendeu no painel de instrumentos.
Felizmente, o comandante percebeu, simplesmente olhando para fora, que seu ADI estava com defeito e confirmou isso observando o ADI do primeiro oficial e o indicador de reserva, que mostravam o ângulo de inclinação correto.
Seguindo o protocolo adequado, ele passou o controle para o primeiro oficial e eles continuaram a subida normalmente. Em seguida, seguindo o procedimento padrão para falhas anormais do ADI, ele mudou a chave de estabilização de atitude e bússola de “NORM” para “ALT”, e o ADI imediatamente destravou, exibindo o ângulo de inclinação correto dali em diante.
Ao mover a chave, o comandante alterou a fonte de dados usada pelo ADI para exibir a atitude da aeronave. Cada um dos três ADIs normalmente recebe seus dados de uma das três Unidades de Navegação Inercial (INUs) separadas, cada uma composta por três giroscópios que medem arfagem, inclinação lateral e guinada, os três eixos de movimento da aeronave.
No Boeing 747-200, que possuía ADIs analógicos, esses dados eram convertidos em sinais que acionavam as fitas azul e marrom móveis para indicar a arfagem e giravam todo o visor para indicar a inclinação lateral.
Normalmente, o ADI do comandante receberia esses dados da INU nº 1, mas ao mover a chave de estabilização de atitude e bússola de NORM para ALT, o comandante alterou a fonte de dados para a INU nº 3. O fato de isso ter resolvido o problema sugeria fortemente que a falha estava na INU nº 1, e não no próprio ADI.
Para obter mais informações, após atingir a altitude de cruzeiro, o comandante moveu a chave de volta para “NORM” para verificar se o problema persistiria. De fato, persistiu: a partir de então, sempre que o voo realizava uma correção de curso, seu ADI continuava a mostrar uma atitude de asas niveladas, mesmo durante a curva. Após confirmar o defeito, o comandante finalmente moveu a chave de volta para “ALT” e a deixou nessa posição pelo restante do voo, permitindo-lhe usar o instrumento sem problemas.
O Boeing 747-2B5F, HL7451, a aeronave envolvida no acidente
Após chegar em Stansted naquela tarde, o comandante retornou a chave para “NORM”, e o engenheiro de voo registrou a falha no livro de bordo técnico usando a terminologia padrão, que incluía um código de referência para a equipe de manutenção e a frase “ADI do comandante não confiável em rolagem”.
Nesse momento, a tripulação encontrou-se com o engenheiro de solo da Korean Air, Kim Il-suk, que havia sido enviado a Stansted para recepcionar o voo e realizar a manutenção de rotina antes da próxima partida. Kim normalmente trabalhava em Moscou, mas havia sido designado para um rodízio que o levaria a embarcar no 747 em Stansted antes de viajar com ele para sua próxima parada em Milão, Itália, outro aeroporto onde (assim como em Stansted) a Korean Air não tinha uma base de manutenção permanente. Seu trabalho seria coordenar com os mecânicos locais em ambos os aeroportos para solucionar quaisquer problemas que pudessem surgir durante o voo.
Ao desembarcarem, o engenheiro de voo que estava saindo informou o engenheiro de solo sobre o problema com o ADI do comandante e explicou que mover a chave de estabilização de atitude e bússola do comandante para a posição “ALT” havia resolvido o problema. Depois disso, os pilotos, tendo encerrado seu expediente, registraram a saída e foram embora. Kim, enquanto isso, embarcou na aeronave e começou a preparar o 747 para o próximo voo com a ajuda de um engenheiro local.
Diagrama de uma Unidade de Navegação Inercial
Após realizar verificações externas na aeronave e supervisionar o carregamento da carga, o engenheiro de solo Kim Il-suk chamou o engenheiro local até a cabine de comando para ajudá-lo a resolver o problema com o ADI (Dispositivo de Interceptação Automática) que havia sido registrado no livro de bordo. A essa altura, a tripulação do voo seguinte já havia chegado e o carregamento da carga estava praticamente concluído.
Normalmente, em tais circunstâncias, um engenheiro de solo examinaria o livro de bordo, anotaria o código de falha deixado pelo engenheiro de voo e, em seguida, consultaria esse código no manual de isolamento de falhas (FIM) para encontrar instruções de solução de problemas. Mas, como não havia uma base de manutenção permanente da Korean Air em Stansted, não havia um FIM específico para o Boeing 747-200 no local, e a cópia de Kim estava em Moscou.
Se tivesse podido consultar o FIM (Manual de Informações de Voo), Kim teria descoberto que, neste caso, a falha quase certamente residia na fonte de dados do ADI (Dispositivo de Informação de Voo), e não no próprio instrumento, e que a ação correta seria substituir a INU nº 1 ou, caso não houvesse nenhuma disponível, despachar a aeronave com a chave de estabilização de atitude e bússola do comandante ajustada para “ALT” (altitude).
Mas, apesar da descrição da falha feita pelo engenheiro de voo, que sugeria fortemente um problema na INU em vez de um problema no ADI, Kim disse ao engenheiro local que queria resolver o problema removendo o ADI e limpando suas conexões. Ao retornar à aeronave com as ferramentas necessárias, o engenheiro local ajudou Kim a desparafusar e remover o ADI do comandante.
Foi então que Kim viu o que aparentemente considerou a prova definitiva: um dos pinos que conectavam o ADI ao seu soquete elétrico estava afundado. Se o pino não estivesse fazendo contato corretamente, pensou ele, parte do sinal para o ADI poderia ser perdida intermitentemente. No entanto, consertar o pino exigiria ferramentas e treinamento especiais em aviônica. Por isso, o engenheiro local chamou seu colega, que possuía certificação em engenharia de aviônica e as ferramentas necessárias.
Esse segundo engenheiro chegou alguns minutos depois, puxou o pino de volta à sua extensão correta e reinseriu o ADI, conforme instruído. O único passo restante era verificar se o conserto havia funcionado, utilizando o equipamento de teste integrado da aeronave. Para realizar esse teste, foi necessário iniciar o sistema de navegação inercial, incluindo todas as INUs, o que foi feito com a ajuda do primeiro oficial Yoon Ki-sik, que havia acabado de chegar à cabine de comando. Assim que o sistema estava funcionando, o engenheiro pressionou o botão "teste" ao lado do ADI do comandante, e o ADI respondeu percorrendo todos os seus eixos de movimento, como deveria. O teste também confirmou que o aviso do comparador estava funcionando, então, com todas as verificações aprovadas, os engenheiros declararam o problema resolvido.
Infelizmente, o teste não provou absolutamente nada. O teste foi aprovado não porque o problema tivesse sido resolvido, mas porque nunca houve nada de errado com o ADI. Embora as INUs precisassem estar funcionando para o procedimento, o teste não dependia dos dados que elas produziam, então o fato de a INU nº 1 estar produzindo dados de rolagem incorretos passou despercebido. Mesmo assim, o engenheiro de solo Kim assinou o registro técnico e presumivelmente informou à tripulação do voo seguinte que a falha havia sido corrigida.
Essa tripulação seria composta pelo Capitão Park Duk-kyu, de 57 anos, um piloto experiente com mais de 8.000 horas de voo apenas no Boeing 747, bem como pelo Primeiro Oficial Yoon Ki-sik, de 33 anos, um recém-contratado com apenas 1.400 horas de voo, sendo apenas 73 no Boeing 747; e pelo Engenheiro de Voo Park Hoon-kyu, de 38 anos, cujo nível de experiência estava em algum lugar entre o dos outros dois pilotos. (Nota: como o comandante e o engenheiro de voo tinham o mesmo sobrenome, todas as menções isoladas do nome "Park" neste artigo devem ser consideradas como referentes ao comandante, enquanto o engenheiro de voo Park Hoon-Kyu será referido pelo seu nome completo ou simplesmente como "o engenheiro de voo").
Às 17h27 daquela noite, a tripulação havia concluído suas verificações e estava pronta para receber a autorização de rota. Mas quando o primeiro oficial Yoon tentou contatar a torre, acidentalmente usou uma frequência que não estava sendo operada à noite e não obteve resposta. Então, após tentar novamente na frequência correta de controle de solo, o controlador informou que não haviam recebido um plano de voo da companhia aérea e não podiam emitir a autorização. Os pilotos tiveram que contatar seus agentes de handling, que encaminharam o plano de voo para a torre; somente então, às 17h42, eles receberam a autorização de rota.
Mesmo assim, eles ainda ficaram parados no ponto de estacionamento, pois um reboque não poderia ser enviado para empurrá-los até as 18h13. Se naquele momento a tripulação pensou que finalmente estavam a caminho, a sua decepção deve ter sido imensurável quando o reboque avariou a meio da tentativa de empurrar o 747 para fora da posição de estacionamento. O reboque teve de ser desconectado e foi necessário enviar um sinalizador para guiar a tripulação até à pista de táxi. Quando finalmente receberam autorização para taxiar, eram 18h25 e o voo estava bastante atrasado.
Um exemplo de um indicador DME
Quando o voo 8509 recebeu autorização para taxiar, o Capitão Park já demonstrava visível frustração com os atrasos. Durante o intervalo entre a partida dos motores e o início do táxi, o gravador de voz da cabine captou-o repreendendo o Primeiro Oficial Yoon, a quem disse: “Certifique-se de entender o que o controle de solo está dizendo antes de falar!”. Aparentemente insatisfeito com a inexperiência do primeiro oficial, ele assumiu as comunicações, contrariando o protocolo da Korean Air, que determinava que o primeiro oficial deveria operar o rádio em solo.
Apesar disso, ele repreendeu Yoon por não responder a uma transmissão: “Responda a eles!”, disse, com raiva. “Eles estão perguntando quanto tempo vai demorar!”. Então, enquanto os pilotos revisavam o checklist de táxi, o capitão percebeu que o indicador DME mostrava um valor irrazoável. O DME, ou equipamento de medição de distância, é um sistema no aeroporto que informa às tripulações a distância até a pista. Por razões óbvias, a distância indicada pelo DME deve ser próxima de zero quando a aeronave está no aeroporto.
Nesse caso, porém, o DME exibia uma distância de 399 milhas náuticas, o que era obviamente incorreto. O Capitão Park questionou em voz alta como, se o DME não estava funcionando, ele conseguiria completar a sequência de decolagem, que exigia uma curva à esquerda a 1,5 milhas náuticas do DME. Se ele fizesse a curva tarde demais, sobrevoaria uma área sujeita a restrições de ruído e seria multado por infração.
Então, o que ele faria se não conseguisse saber quando havia atingido o ponto de 1,5 milhas náuticas do DME? Antes que qualquer discussão pudesse ocorrer, no entanto, a falha aparentemente se resolveu, pois o engenheiro de voo comentou: "Agora está funcionando corretamente".
A divergência entre as instruções de voo do comandante e do primeiro oficial tornou-se muito grande, muito rapidamente
Às 18h36, quase uma hora atrasado, o voo 8509 finalmente recebeu autorização para decolar. O comandante Park disse “potência de decolagem ajustada” e os pilotos empurraram as manetes de potência para frente, lançando o 747 pela pista. “Oitenta nós”, anunciou o primeiro oficial Yoon. “Roger”, disse Park. Alguns segundos depois, Yoon gritou: “V1. Rotacionar”.
O comandante Park puxou os comandos e o nariz da aeronave levantou da pista, seguido segundos depois pelo trem de pouso principal. “Subida positiva”, disse Yoon. “Trem de pouso recolhido”, disse Park. “Trem de pouso recolhido”, respondeu Yoon, recolhendo o trem de pouso. Em linha reta e na rota correta, o avião continuou a subir até que Yoon gritou: “Passando dos 900 pés”.
Ao fundo, o aviso do comparador soou brevemente, indicando que, por um instante, houve uma diferença de pelo menos quatro graus entre as indicações dos dois indicadores de direção principais. "Devemos virar a 1,5 DME", disse o Capitão Park. "Sim, senhor", respondeu Yoon. "O DME não está funcionando", acrescentou Park. Infelizmente, o contexto crucial se perdeu.
Park ainda estava vendo uma indicação errônea do DME ou simplesmente esperava vê-la, apesar do comentário anterior do engenheiro de voo de que o DME estava funcionando corretamente? Nunca saberemos, mas uma coisa era clara: Park estava preocupado com o DME e temia não conseguir fazer a curva a tempo.
"Um, cinco e oito", disse Yoon, lembrando-o da proa para a qual deveria virar. O aviso do comparador soou novamente por uma fração de segundo. "Hã?", questionou Park. "Proa em espera, senhor", disse Yoon. "Proa um, cinco e oito." Então Park começou a virar para a esquerda, de sua proa atual de 230 graus, ou sudoeste, em direção a 158 graus, ou sudeste.
No entanto, embora seu indicador de atitude mostrasse o ângulo de inclinação correto, não reagiu no eixo de rolamento. Os outros dois indicadores de atitude, enquanto isso, mostravam o avião virando para a esquerda em resposta aos comandos do comandante, então o alerta do comparador soou novamente e, desta vez, não parou.
Nesse momento, o controlador chamou a tripulação e disse: “Korean Air 8509, contate London 118082, boa noite”. Simultaneamente à transmissão, o engenheiro de voo Park Hoon-kyu percebeu que o indicador de atitude do comandante parecia estar com defeito. “A inclinação lateral não está funcionando”, apontou. Nenhum dos pilotos respondeu. Cada vez mais preocupado, ele repetiu seu alerta: “Inclinação lateral, inclinação lateral…” Ninguém reagiu aos seus comentários, mas alguém silenciou o alerta do comparador, como se fosse um mero incômodo.
Acionando seu microfone, o primeiro oficial Yoon finalmente respondeu ao controle de tráfego aéreo. “Um um oito oito dois, Korean Air oito cinco zero nove”, disse ele, confirmando a transferência. Mas o controle de Londres nunca mais ouviria falar do 747, nem ninguém mais.
Na verdade, a situação estava rapidamente se transformando em uma completa perda de controle. O Capitão Park ainda segurava a coluna de controle para a esquerda, muito depois de já ter soltado, e o indicador de instrumentos alternativos (ADI) continuava sem se mover. O engenheiro de voo parecia ser o único ciente do problema e tentou chamar a atenção do capitão para os instrumentos alternativos, perguntando: "Indicador de espera (também?) não está funcionando?". Mas ninguém respondeu.
O avião estava inclinando-se além de 45 graus, depois 50, depois 60. Finalmente, aproximando-se de 80 graus de inclinação, as asas do 747 mostraram-se incapazes de manter a sustentação e a aeronave começou a descer rapidamente de uma altitude máxima de 2.500 pés acima do solo. O nariz afundou e até mesmo o ADI do Capitão Park começou a mostrar uma alarmante inclinação para baixo, mas nenhum dos pilotos reagiu.
Surpreendentemente, Park parecia ainda estar concentrado no momento certo da curva, pois disse ao Primeiro Oficial Yoon: "Ei, solicite vetorização por radar". Mas Yoon nunca teria a chance de pedir ajuda ao controle de tráfego aéreo. A essa altura, o avião estava inclinado 90 graus para a esquerda e caindo rapidamente; o gravador de voz da cabine começou a captar o som do vento passando velozmente pela cabine enquanto despencava em direção ao solo. As últimas palavras vieram do engenheiro de voo Park Hoon-kyu, que disse, com a voz carregada de amarga resignação: "Ai, incline..." E então houve silêncio.
Cinquenta e seis segundos após a decolagem, o voo 8509 da Korean Air Cargo se chocou contra um aterro de terra ao lado de um lago artificial, despedaçando instantaneamente a aeronave e provocando uma enorme explosão que banhou a paisagem rural ao redor com um brilho cáustico e alaranjado. Detritos rolaram sem parar durante a noite, percorrendo centenas de metros pelo lago, um campo e uma floresta, antes que o fogo diminuísse e a escuridão tomasse conta novamente.
O acidente e a explosão foram testemunhados não apenas pelos controladores da torre de Stansted, que imediatamente acionaram o alarme de emergência, mas também pelos moradores atônitos da pequena vila de Great Hallingbury, cujas casas estiveram perigosamente perto de serem atingidas pelo avião enquanto ele sobrevoava o local.
Algumas dessas testemunhas correram para o local em busca de sobreviventes, apenas para encontrar uma cratera fumegante no chão, cercada por destroços em chamas, iluminada apenas pela luz das chamas. Seus esforços, e os das equipes de polícia e bombeiros que chegaram logo depois, foram em vão: todos os quatro ocupantes, os três pilotos e o engenheiro de solo, morreram instantaneamente com o impacto. Para os moradores locais, no entanto, o sofrimento não terminou quando as chamas foram extintas e o local do acidente foi isolado.
Somente após a chegada dos investigadores do Departamento de Investigação de Acidentes Aéreos (AAIB) no dia seguinte, foram detectados vestígios de radiação, o que levou à evacuação de todo o pessoal do local do acidente, para grande alarme dos moradores da região. Apenas mais tarde a Korean Air confirmou que o avião transportava iodo radioativo para uso em equipamentos médicos, o qual se espalhou por toda a área do acidente. Felizmente para os que ali trabalhavam, o iodo estava tão disperso que não representava mais perigo para a saúde humana.
A arquitetura de saída de dados da INU. Não se preocupe, você não precisa entender isso
Enquanto isso, os investigadores do AAIB começaram a examinar o conteúdo dos gravadores de voo da aeronave em sua sede em Farnborough. Desde o início, ficou óbvio que havia algo errado com o parâmetro de inclinação lateral do gravador de dados de voo, que mostrava a aeronave permanecendo dentro de 2,5 graus de inclinação lateral durante todo o voo, embora o parâmetro de direção mostrasse que a aeronave havia se desviado significativamente da rota antes de cair.
Os exames dos destroços confirmaram que a aeronave atingiu o solo com uma inclinação de 40 graus para baixo e uma inclinação lateral de 90 graus para a esquerda, mas o ADI do comandante, congelado no momento do impacto, mostrava uma inclinação de 40 graus para baixo com as asas niveladas. Havia uma semelhança óbvia entre essas discrepâncias: tanto o FDR quanto o ADI do comandante obtinham suas informações de inclinação lateral da mesma fonte, a Unidade de Navegação Inercial nº 1.
Embora a unidade tenha sido destruída no acidente, impedindo uma determinação precisa da causa da falha, os investigadores conseguiram chegar a uma série de deduções que restringiram a natureza da falha, senão a causa. Notavelmente, os dados de inclinação lateral são distribuídos da Unidade de Navegação Inercial (INU) através de cinco canais separados, dos quais o instrutor de voo (ADI) do comandante recebia dados do canal um e o gravador de dados de voo (FDR) do canal três.
O fato de dois canais estarem enviando dados defeituosos sugeria que, muito provavelmente, o mesmo ocorria nos outros três, e que a falha havia ocorrido a montante da distribuição de dados, durante a própria geração dos dados. Testes posteriores mostraram que um curto-circuito entre dois dos três fios que transportam os sinais de inclinação lateral do giroscópio poderia fazer com que o valor de saída permanecesse dentro de dois graus do nível das asas, independentemente do ângulo de inclinação real.
No entanto, embora esse cenário correspondesse bem aos dados registrados, o AAIB (Aircraft Accountability Investigation Branch) não conseguiu provar conclusivamente que foi isso que aconteceu.
Entrevistas com a tripulação anterior, que voou de Tashkent para Stansted, revelaram que não só haviam experimentado essa falha, como também a resolveram facilmente e registraram a ocorrência no diário de bordo, em total conformidade com os procedimentos padrão. A questão, então, era por que o problema não foi corrigido antes do próximo voo. Infelizmente, o engenheiro de solo da Korean Air, Kim Il-suk, estava a bordo do voo fatídico, portanto, a pessoa mais qualificada para responder a essa pergunta já havia falecido.
Para piorar a situação, a tripulação aparentemente não cumpriu a exigência legal de deixar uma cópia do diário de bordo, e o documento foi destruído no acidente, levando consigo a melhor evidência concreta de como o problema foi comunicado à tripulação seguinte. No entanto, entrevistas com os dois engenheiros de manutenção locais corroboraram a alegação de que o defeito foi registrado no diário de bordo e que a tripulação seguinte o havia constatado.
Essas entrevistas também revelaram que Kim aplicou uma técnica de reparo inadequada, que não solucionou a falha subjacente da Unidade de Navegação Inercial nº 1. Aparentemente, o engenheiro de voo que estava de saída lhe disse que mover a chave de estabilização de atitude do comandante para “ALT” resolveria o problema. Foi estranho que Kim, com 20 anos de experiência como mecânico de aeronaves, tenha reagido daquela forma. Seu conhecimento prévio de sistemas deveria tê-lo levado a crer que um problema no ADI, resolvido dessa maneira, era, na verdade, um problema no INU.
A ausência de um Manual de Isolamento de Falhas a bordo da aeronave ou no aeroporto certamente contribuiu para o diagnóstico incorreto, mas os investigadores observaram que outros fatores também podem ter influenciado. O mais importante é que, na Coreia, os engenheiros de manutenção recebiam uma única certificação que os autorizava a realizar todas as atividades de manutenção de linha, ao contrário dos engenheiros nos EUA e no Reino Unido, que precisavam obter certificações específicas para trabalhos envolvendo aviônica.
Embora os engenheiros de manutenção do Reino Unido responsáveis pela manutenção em estações remotas, como a realizada no Boeing 747 coreano em Stansted, pudessem receber uma "extensão em aviônica" que lhes permitia realizar certos tipos de reparos em aviônica, a falha no voo 8509 estava fora do escopo dessa extensão e sua correção exigiria um engenheiro de aviônica com qualificação específica.
Apesar disso, as autoridades coreanas informaram ao AAIB (Aircraft Aircraft Investigation Branch) que o treinamento para sua certificação de engenheiro geral era mais semelhante ao de uma certificação regular de "estrutura e motor" com extensão em aviônica do que ao de uma certificação completa de engenheiro de aviônica. Portanto, era perfeitamente possível que Kim não estivesse familiarizado com o funcionamento interno da aviônica da aeronave, apesar de ser qualificado na Coreia para trabalhar nesses sistemas.
Quando Kim contatou o primeiro engenheiro local, que, para maior clareza, será chamado de Engenheiro A, ele pode não ter tido plena consciência de que se tratava de um engenheiro de estrutura e motor de aeronaves, não certificado para trabalhar com aviônicos. Portanto, ao explicar a natureza do problema ao Engenheiro A, que o ajudou a remover o ADI, Kim pode ter tido a impressão de que a concordância do engenheiro representava uma aprovação de sua metodologia de solução de problemas, que, na verdade, o Engenheiro A não estava qualificado para avaliar.
Após realizar essa tarefa, a linha de raciocínio de Kim pareceu ser confirmada quando ele descobriu um pino conector recuado na parte traseira do ADI. Em retrospectiva, porém, isso era uma pista falsa. Os investigadores acreditavam que o pino provavelmente havia sido recuado quando o ADI foi instalado pela primeira vez naquele ano, e que o instrumento estava funcionando normalmente apesar desse defeito até a falha da INU durante o voo de Tashkent.
Nesse ponto, Kim e o Engenheiro A solicitaram a assistência de um engenheiro de aviônica, que chamaremos de Engenheiro B. Mas, convencidos de que sabiam a causa do problema, não pediram a opinião do Engenheiro B sobre a estratégia de solução de problemas, e ele também não ofereceu nenhuma, já que desconhecia a natureza do problema que estavam tentando resolver. Em entrevistas após o acidente, o Engenheiro B disse aos investigadores que teria facilmente determinado que a Unidade de Nuvens de Injeção (INU) era a origem do problema se tivesse visto o registro no livro de bordo técnico, mas, como não o viu, não perguntou.
Em vez disso, fez algo que sabidamente aumenta o risco de erros de manutenção: concluiu uma tarefa que não havia começado e, ao fazê-lo, inadvertidamente adicionou o peso de sua experiência à decisão errônea de tentar realizar a tarefa. Os investigadores observaram que, se Kim não tivesse certeza sobre qual estratégia de solução de problemas adotar, ele poderia simplesmente ter ligado para a sede de manutenção da Korean Air em Seul e perguntado. Ele também poderia ter solicitado ajuda da FLS Aerospace, a empresa de manutenção em Stansted que fornecia os Engenheiros A e B e com a qual a Korean Air tinha um contrato de assistência técnica. Infelizmente, ele não fez nenhuma dessas coisas.
O AAIB não pôde afirmar com certeza por que ele não pediu ajuda, mas observou que, em sua base habitual em Moscou, os contratados locais da Korean Air não estavam muito familiarizados com aeronaves de fabricação ocidental e podem ter sido de pouca ajuda, fazendo com que ele se acostumasse a resolver as coisas sozinho. Se esse fosse o caso, a possibilidade de pedir uma segunda opinião a pessoal qualificado da FLS Aerospace talvez nunca lhe tivesse ocorrido.
Após o "reparo" do ADI ter sido concluído e o instrumento ter passado nos testes, os pilotos teriam acreditado que o problema estava resolvido e não pareciam preocupados com a possibilidade de recorrência. De fato, em nenhum momento após o início da gravação da caixa-preta, alguém mencionou o problema com o ADI. Se estivesse preocupado com o funcionamento do seu ADI, o Capitão Park teria instruído os outros tripulantes a verificá-lo durante o voo, mas não há evidências de que o tenha feito.
Em vez disso, a tripulação parecia estar ocupada com vários outros problemas que a distraíam, desde o plano de voo desaparecido até o reboque quebrado e os problemas com o DME. Este último problema era especialmente significativo para o Capitão Park, que o mencionou repetidamente, mesmo quando o avião estava em processo de capotamento.
Com o objetivo de esclarecer a questão, o AAIB verificou o funcionamento do equipamento de medição de distância no Aeroporto de Stansted e não encontrou problemas; no entanto, observaram que obstruções interpostas bloqueavam o sinal em vários pontos do aeródromo, incluindo a pista.
Se Park desconhecia esse fato, poderia ter acreditado que o DME continuaria instável após a decolagem, levando-o a se concentrar no momento da curva de 1,5 DME em detrimento de outras questões mais importantes. Preocupado em evitar uma infração de ruído, ele continuou inconscientemente aplicando um comando de inclinação para a esquerda, esperando algum feedback do seu instrutor de voo para parar, sem perceber que não estava recebendo nenhum, pois o sistema não estava funcionando.
Nenhuma outra indicação periférica óbvia estaria disponível, dada a noite escura e nublada e a natureza da curva de 1 G, que o pressionaria contra o solo independentemente do ângulo de inclinação. Portanto, seu cérebro nunca recebeu o sinal para interromper a inclinação. Embora alguns observadores presumam que Park continuou tentando inclinar para a esquerda acreditando que o avião não estava respondendo aos seus comandos, isso é improvável. Com toda a probabilidade, ele não percebeu que algo estava errado até o avião atingir o solo.
Pedaços do voo 8509 espalhados pela Floresta Hatfield, perto do local do acidente
É evidente que havia muitos indícios de que uma falha havia ocorrido. Além do fato de ele estar virando para a esquerda, mas o indicador de inclinação (ADI) não estar funcionando corretamente, o ADI também mostrava uma acentuada inclinação para baixo quando o avião começou a descer, o que, de alguma forma, não gerou nenhuma reação. Além disso, durante a breve subida, o alarme do comparador soou três vezes, produzindo um sinal sonoro repetitivo e luzes de advertência piscando, numa tentativa de informar a tripulação de que seus instrumentos estavam em desacordo.
As luzes piscantes teriam permanecido acesas por 22 segundos, desde a primeira ativação do comparador até que o alarme fosse finalmente cancelado pela tripulação ou, caso contrário, um dos tripulantes deve ter cancelado o alarme três vezes durante a subida. Não se sabe quem cancelou o alarme, nem quantas vezes o fez, mas quem quer que tenha sido, claramente não percebeu sua importância e não tomou nenhuma providência.
Também não se sabe se o primeiro oficial Yoon chegou a perceber o que estava acontecendo, já que ele não fez nenhum comentário a respeito. Se ele soubesse que algo estava errado, poderia ter hesitado em se manifestar, dada a sua inexperiência com o modelo — apenas 73 horas de voo — e as críticas gratuitas e injustificadas do Capitão Park às suas habilidades antes da decolagem.
Contudo, é difícil acreditar que ele tenha compreendido plenamente o perigo, visto que, se o tivesse feito, teria assistido passivamente ao capitão conduzi-los a um desastre certo. Por outro lado, ele estava distraído com uma chamada de rádio no momento em que a situação se tornou crítica, e é perfeitamente possível que só tenha retornado à leitura dos instrumentos quando já fosse tarde demais.
De fato, é preciso lembrar que apenas cerca de 13 segundos se passaram entre o momento em que o avião começou a perder altitude e o momento em que atingiu o solo. Isso é, ao mesmo tempo, muito tempo e muito pouco. Simulações posteriores mostraram que esses 13 segundos foram mais do que suficientes para nivelar as asas e retomar o controle, mas para um primeiro oficial inexperiente perceber que algo está errado, constatar que o capitão não está tomando nenhuma providência e decidir intervir, é um tempo muito curto.
É claro que aqueles 13 segundos devem ter sido extremamente dolorosos para o engenheiro de voo, que estava ciente do que estava acontecendo desde o início. Podemos apenas imaginar o pânico crescente à medida que seus avisos aos pilotos eram repetidamente abafados pelas transmissões do controle de tráfego aéreo ou ignorados por seus colegas distraídos e confusos. Infelizmente, além de tentar em vão chamar a atenção dos pilotos, não havia nada que ele pudesse fazer, e ele passou os momentos finais do voo sozinho, sabendo que estava prestes a morrer.
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A queda do voo 8509 da Korean Air Cargo talvez não tivesse recebido tanta atenção internacional se a Korean Air não tivesse sofrido uma série de acidentes, alguns fatais, ao longo da década de 1990.
Nesse período, além de perder quatro aeronaves em acidentes graves, porém não fatais, durante o pouso, a companhia aérea também sofreu um grande desastre em 1997, quando o voo 801, um Boeing 747, caiu em uma colina durante o pouso em Guam, matando 228 pessoas. O acidente foi atribuído à descida prematura do comandante e à falha dos outros tripulantes em questioná-la.
As consequências do voo 801 da Korean Air, em 1997
Em abril de 1999, um MD-11 da Korean Air Cargo caiu em uma área industrial em Xangai, na China, matando os três tripulantes e cinco pessoas em solo, depois que os pilotos perderam o controle durante uma discussão sobre se a altitude autorizada havia sido informada em pés ou metros.
Em dezembro, outro 747 caiu, resultando na morte de todos os quatro tripulantes. Este último acidente acrescentou mais uma mancha negra ao histórico conturbado da companhia aérea. Na época da queda em Stansted, o governo da Coreia do Sul já havia colocado a Korean Air em uma espécie de regime de observação corporativa, proibindo-a de abrir novas rotas internacionais até que melhorasse seu histórico de segurança.
As autoridades do Reino Unido estavam sob pressão para revisar a permissão da Korean Air para operar no país, e autoridades coreanas prometeram que, se a queda do voo 8509 fosse considerada culpa da companhia aérea, medidas punitivas adicionais seriam tomadas.
No fim, o acidente foi parcialmente atribuído à companhia aérea. Ela não havia capacitado seus pilotos com as habilidades necessárias para manter a consciência situacional e reagir a situações incomuns. Além disso, dependia excessivamente de contratos de "assistência técnica" pontuais e de engenheiros de bordo para atender às suas necessidades de manutenção de linha, em vez de estabelecer bases de manutenção permanentes ou firmar contratos em tempo integral com empresas de manutenção qualificadas.
Na época do acidente, a Korean Air já estava envolvida em um processo de revisão de um ano com uma grande companhia aérea americana, com o objetivo de identificar áreas de melhoria, e as deficiências mencionadas estavam entre as que a empresa se mobilizou para corrigir após a conclusão da auditoria.
A companhia também modernizou seu programa de treinamento em gerenciamento de recursos da tripulação, estabeleceu bases de manutenção permanentes em quase todos os seus destinos internacionais e introduziu cenários de treinamento mais frequentes para atitudes incomuns e falhas de instrumentos. O resultado final dessas reformas — centenas delas no total — foi uma mudança transformadora na cultura da empresa Korean Air, cujos efeitos foram profundos, já que o voo 8509 acabou sendo não apenas o último acidente fatal da companhia aérea, mas também a última vez que ela perdeu uma aeronave, com ou sem vítimas fatais.
Dito isto, é impossível escrever sobre o voo 8509 da Korean Air Cargo sem abordar o elefante na sala. Entre o público em geral, grande parte do discurso sobre o acidente foi definido anos depois pelo jornalista Malcolm Gladwell em seu best-seller de 2008, Outliers: A História do Sucesso. O livro tentou abordar as razões pelas quais algumas pessoas têm sucesso e outras fracassam, e foi lido por milhões, principalmente nos Estados Unidos.
Talvez seu capítulo mais famoso tenha sido intitulado "A Teoria Étnica dos Acidentes Aéreos", e foi responsável por popularizar a ideia de que o histórico ruim de segurança da Korean Air se devia a um conflito entre as realidades de uma cabine de comando com vários tripulantes e as expectativas da cultura coreana.
Essa ideia se tornou tão difundida nos Estados Unidos que muitas vezes é aceita acriticamente como um fato. Para aqueles que não estão familiarizados com ela, a teoria de Gladwell continha dois argumentos principais.
O primeiro era que a cultura coreana valorizava mais as hierarquias do que outras culturas; Em outras palavras, o argumento era que a orientação era mais vertical do que horizontal, o que dificultava que os membros da tripulação subordinados se manifestassem caso o comandante cometesse um erro.
O segundo argumento era que o idioma coreano faz muito mais uso de atenuantes e declarações contextuais do que o inglês, o que deixa mais espaço para interpretação e confunde a comunicação em situações de emergência. Para sustentar seu argumento, Gladwell se baseou principalmente na queda do voo 801 da Korean Air, mas também mencionou o voo 8509 da Korean Air Cargo, apresentando ambos como exemplos de acidentes causados por membros da tripulação subordinados que não alertaram seus comandantes e usaram uma linguagem hesitante ou pouco clara que não transmitia a urgência necessária.
Por fim, ele concluiu reconhecendo a melhora na segurança da Korean Air, que atribuiu à decisão da companhia aérea de tornar obrigatória a comunicação dos pilotos em inglês.
Gladwell não foi o primeiro a apresentar essa teoria, que parece já circular na indústria há algum tempo, dada a existência de uma recomendação de segurança da AAIB incentivando a Korean Air a reformular seu programa de treinamento de gerenciamento de recursos da tripulação para "melhor se adequar à cultura coreana". Gladwell, no entanto, desempenhou um papel fundamental em popularizar a ideia. A teoria tornou-se popular em parte por sua simplicidade, não exigindo nenhum conhecimento específico de aviação por parte do leitor.
Ela também se baseia em uma verdade autoevidente: que a segurança de voo depende da comunicação e que, como a cultura influencia a maneira como nos comunicamos, ela também deve ter algum impacto na maneira como pilotamos aviões. Mas isso levanta outra questão: o que exatamente é "cultura" e como podemos detectar sua influência em um acidente aéreo?
Cultura é, em seu nível mais básico, um conjunto de normas e práticas comuns a um determinado grupo de pessoas. Um país pode ter uma cultura, assim como uma cidade, um bairro, uma empresa ou um grupo de amigos. Cada pessoa é influenciada por múltiplas culturas sobrepostas pertencentes aos vários grupos dos quais faz parte.
Se considerarmos os pilotos da Korean Air envolvidos nos acidentes dos voos 8509 e 801, podemos especular que eles foram influenciados pela cultura coreana, pela cultura da companhia aérea Korean Air, pela cultura profissional dos pilotos e, no caso de alguns (mas não todos), pela cultura militar, bem como por quaisquer outras identidades regionais e grupos espirituais ou cívicos dos quais pudessem fazer parte.
Existem vários métodos que podemos usar para determinar quais ações foram influenciadas por uma cultura em detrimento de outra. Por exemplo, a proposta de que as falhas humanas que levaram ao histórico de segurança ruim da Korean Air foram resultado específico da cultura coreana é melhor sustentada excluindo-se a proposição de que a cultura da empresa foi a culpada ou comprovando-se que outras companhias aéreas coreanas tiveram históricos de segurança igualmente ruins pelos mesmos motivos.
O documentário Mayday sobre o voo 8509 da Korean Air Cargo baseou-se amplamente e acriticamente nas ideias de Gladwell
O maior problema com o argumento de Gladwell é que ele não fez nenhuma dessas coisas e cometeu vários erros básicos ao fazê-lo. Gladwell inflou suas estatísticas incluindo vários acidentes graves causados por terrorismo, sem os quais fica claro que o histórico de segurança da Korean Air, embora ruim, não era tão pior do que o de outras companhias aéreas a ponto de exigir uma explicação extraordinária.
Por exemplo, a companhia aérea de bandeira de Taiwan, a China Airlines, teve um desempenho muito pior durante o mesmo período, e a Korean Air era apenas um pouco menos segura do que a companhia aérea americana mais perigosa da década de 1990, a USAir.
No entanto, se aceitarmos a noção duvidosa de que o histórico de segurança da Korean Air exigia uma explicação cultural mais ampla, enquanto o da China Airlines e da USAir não, Gladwell ainda cometeu inúmeros erros factuais e jornalísticos.
Para começar, ele não entrevistou um único coreano ao escrever "A Teoria Étnica dos Acidentes Aéreos", apesar de não falar coreano e nunca ter passado um tempo significativo na Coreia. Embora não estivesse completamente errado em algumas de suas generalizações, ele as aplicou aos estudos de caso sem compreender as nuances da cultura coreana ou dos acidentes aéreos em questão.
Por exemplo, apesar de concluir que características atenuantes da língua coreana contribuíram para a falha de comunicação na cabine do voo 801 em Guam, ele omite o fato de que praticamente todas as conversas na cabine nos minutos finais daquele voo foram conduzidas em inglês. Gladwell não apenas selecionou trechos das transcrições da gravação da caixa-preta, como as conexões que estabeleceu entre essas citações e a cultura coreana basearam-se em suposições especulativas sobre o que os pilotos "realmente" estavam pensando, permitindo-lhe, na prática, criar a interpretação que bem entendesse.
No caso do voo 8509, por exemplo, simplesmente não sabemos se o primeiro oficial estava ciente do que estava acontecendo, mas, devido às ideias de Gladwell, muitas pessoas acreditam que sim, e que ele não se manifestou por causa da expectativa cultural de que não repreenderia seu comandante mais graduado, apesar da falta de evidências de que isso tenha ocorrido.
Em segundo lugar, Gladwell não explicou adequadamente por que a Asiana Airlines, rival da Korean Air, embora certamente não perfeita, tinha um histórico de segurança muito melhor do que a Korean Air, quando, em teoria, deveria estar sujeita às mesmas forças culturais de hierarquia rígida e linguagem atenuante. Ele deixou, portanto, em aberto a explicação talvez preferível de que foi a falha específica da Korean Air em treinar seus pilotos para se comunicarem adequadamente, e não alguma incomunicabilidade inerente à língua coreana, que levou aos acidentes.
Finalmente, em sua declaração final, Gladwell revelou sua falta de compreensão sobre segurança da aviação ao afirmar que foi a adoção do inglês na cabine de comando da Korean Air que resolveu seus problemas de segurança. Qualquer pessoa familiarizada com segurança da aviação provavelmente já está revirando os olhos. Na verdade, o inglês já era o idioma padrão nas cabines de comando da Korean Air, visto que a companhia aérea operava aeronaves de fabricação ocidental cujos procedimentos eram escritos em inglês.
Seu uso foi ampliado após os acidentes, mas seu impacto na segurança é insignificante em comparação com as inúmeras outras reformas iniciadas após a auditoria de 1999, especialmente a modernização de seu programa de treinamento em CRM (Gestão de Recursos da Tripulação), que não havia sido atualizado de forma significativa desde 1986. Mas atribuir o mérito a uma única reforma é impossível — a segurança é alcançada em nível sistêmico, por meio de muitas pequenas mudanças que se reforçam mutuamente, e não pela descoberta de uma solução mágica que resolve todos os problemas.
A lição aqui é que atribuir as ações de um piloto ao caráter de uma cultura nacional é difícil, especialmente quando se consideram outros fatores potenciais que são mais diretamente observáveis. E, ainda mais importante, esse tipo de generalização pode levar a consequências comprovadamente negativas se o autor não for suficientemente cauteloso. De fato, em algum momento, a interpretação popular da teoria étnica dos acidentes aéreos começou a se transformar da provável intenção de Gladwell, que era a de que a cultura coreana explicava a maneira particular como os pilotos coreanos sofriam acidentes, para a noção muito menos matizada de que, quando pilotos coreanos sofrem acidentes, é porque são coreanos.
As consequências do acidente com o voo 214 da Asiana Airlines em 2013
Essa caracterização insidiosa mostrou sua face nefasta quando o voo 214 da Asiana Airlines fez um pouso forçado em São Francisco em 2013, provocando uma onda de reportagens na mídia que remetiam a Malcolm Gladwell. Até mesmo jornais respeitáveis publicaram artigos de análise levantando a possibilidade de que as características da cultura coreana identificadas por Gladwell pudessem ter contribuído para o acidente, apesar de quase nada se saber na época sobre a causa da queda.
O acidente da Asiana Airlines ocorreu 14 anos após o último acidente analisado por Gladwell, não envolveu a companhia aérea sobre a qual Gladwell escreveu e aconteceu em circunstâncias visivelmente diferentes. Também não havia nenhum motivo específico para apontar a Coreia, visto que as companhias aéreas do país agora têm um histórico de segurança muito acima da média, no qual o voo 214 da Asiana é a única mancha recente. Na verdade, a única razão para aplicar a teoria étnica dos acidentes aéreos foi o fato de os pilotos serem coreanos. E assim, sem a menor reflexão crítica, a teoria étnica dos acidentes aéreos foi inadvertidamente transformada de discurso em racismo.
No fim das contas, é inegável o valor de examinar as influências culturais em nível nacional sobre o comportamento dos pilotos, pelas razões já expostas. Há, por exemplo, argumentos interessantes a serem feitos sobre a interseção entre segurança da aviação e indiferença burocrática na Rússia, ou sobre as noções de responsabilidade individual nos Estados Unidos.
Pode até haver uma conexão entre a cultura coreana e os acidentes aéreos coreanos, afinal, algo que ainda precisa ser devidamente articulado. Mas a história da Korean Air e sua representação por Malcolm Gladwell é um estudo de caso de como não se deve escrever uma análise cultural de um acidente aéreo.
Qualquer análise desse tipo deve ser embasada em evidências de que uma tendência seja mais profunda do que os indivíduos ou empresas envolvidos, o que não ocorreu com Gladwell. Seu argumento foi pouco convincente, sua pesquisa superficial e seus dados incompletos. E talvez o pior de tudo, ele desencadeou um monstro ao condensar sua análise em um slogan que poderia facilmente ser usado, e foi usado, para justificar discriminação. Então, qual era o verdadeiro problema com a Korean Air?
Na opinião deste autor, o aumento da taxa de acidentes foi provavelmente resultado de uma confluência de fatores. Uma pesquisa de 1999 revelou que os pilotos da Korean Air eram, de fato, mais propensos do que a média a acreditar que o comandante era um deus, o que pode ter alguma relação com a dinâmica de rotatividade de pessoal que existia na época entre a companhia aérea e as forças armadas, onde hierarquias rígidas eram uma realidade.
A companhia aérea também passou por um rápido crescimento ao longo da década de 1990, um fator de risco conhecido que teria reduzido a qualidade média tanto do treinamento de seus pilotos quanto de seus próprios pilotos. A combinação desses dois fatores teria levado a mais erros de pilotagem em um ambiente onde os pilotos subordinados não eram incentivados a detectar e gerenciar esses erros.
As consequências dessa tempestade perfeita são evidentes. Elas se manifestaram em uma bola de fogo sobre Great Hallingbury e nas palavras finais assombrosas de uma tripulação que nunca conseguiu compreender o que havia dado errado.
Edição de texto e imagens por Jorge Tadeu da Silva (Site Desastres Aéreos) com Admiral Cloudberg - As imagens são provenientes do Bureau of Aircraft Accidents Archives, Aeroporto de Stansted, Google, Ryan Anderson, Michel Gilliand, AAIB, Mayday, BBC, Mike Forster, Richard Baker, Stefan Rousseau, John Stillwell, Los Angeles Times e Brandon Farris.