domingo, 17 de agosto de 2025

Um ano da queda do avião da Voepass: Quais os desdobramentos da tragédia?


Há um ano, em 9 de agosto de 2024, o avião ATR-72 que realizava o voo 2283 da Voepass caiu em Vinhedo, no interior de São Paulo. Ao todo, 62 pessoas morreram diante de diversas câmeras que registravam a aeronave cair em um parafuso chato, movimento praticamente irrecuperável de um avião.

Desde então, muita coisa aconteceu: familiares das vítimas continuam lutando na justiça pelos seus direitos, e revelações sobre o funcionamento da empresa vieram à tona após investigações por órgãos federais.

Relembre a cronologia dessa tragédia e o que aconteceu durante este primeiro ano após a queda.

O último voo


Na tarde daquele 9 de agosto de 2024, o avião de matrícula PS-VPB da Voepass partiu do Aeroporto de Cascavel (PR) rumo a Guarulhos (SP). Era um voo regular, com 58 passageiros e quatro tripulantes, todos com habilitações em dia e experiência comprovada no modelo, incluindo treinamento para operações em condições de gelo.

A aeronave, fabricada em 2010 e incorporada à frota da Voepass em 2022, decolou às 11h58 (horário de Brasília). No início da subida, os sistemas de proteção contra gelo foram ativados, após alerta emitido pelo detector eletrônico instalado na asa esquerda.

Ao longo do cruzeiro, o alerta acendeu e apagou várias vezes. A tripulação comentou sobre "bastante gelo" e chegou a lidar com uma mensagem de falha no sistema de degelo.

Nos minutos finais do voo, começaram a surgir alertas críticos no painel: "Cruise Speed Low" (Velocidade de cruzeiro baixa), "Degraded Performance" (Desempenho degradado) e "Increase Speed" (Aumentar velocidade), o que revela que havia um problema sério para manter o avião voando como deveria.

A velocidade indicada nos instrumentos caiu, a aeronave começou a vibrar e entrou em atitude anormal de voo. Em segundos, passou para uma condição de perda de sustentação (stall) e entrou em "parafuso chato", uma rotação plana em torno do próprio eixo, cuja recuperação é praticamente impossível a baixa altitude.

Às 13h22, o avião caiu em uma área residencial de Vinhedo (SP), a cerca de 70 km de distância do aeroporto de Guarulhos. Não houve sobreviventes, e o impacto gerou um incêndio pós-colisão que destruiu boa parte da fuselagem.

Cronologia


O Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão da FAB (Força Aérea Brasileira) divulgou no mês seguinte à tragédia um relatório preliminar com as informações coletadas à época sobre a queda. Nela, os investigadores destacam a seguinte cronologia do evento:
  • 11h58 - Decolagem de Cascavel, com 58 passageiros e quatro tripulantes.
  • 12h12 - Sistemas de antigelo das hélices ligados.
  • 12h14 - Detector eletrônico de gelo indica acúmulo ao cruzar determinada altitude de voo.
  • 12h15 - Sistema de degelo da estrutura do avião é ligado e, em menos de 40 segundos, um alarme indica falha nesse sistema. Consequentemente, os sistema é desligado.
  • 12h16 a 13h12 - Alertas de gelo intermitentes são registrados na cabine.
  • 13h15 - Copiloto fala com o despachante da empresa em Guarulhos para coordenar informações sobre a chegada ao aeroporto na cidade.
  • 13h17 - Comandante informa passageiros sobre horário de pouso e o sistema de degelo é novamente ligado.
  • 13h18 - Aparece o alerta "Cruise Speed Low", ou seja, velocidade de cruzeiro baixa, de 353 km/h.
  • 13h19 - O alerta de "Degraded Performance" acende, indicando que o avião já não estava em seu melhor desempenho para o voo.
  • 13h20 - Um dos pilotos comenta "bastante gelo" e aciona o sistema de degelo pela terceira vez.
  • 13h20 - Aeronave inicia curva para uma posição no espaço aéreo de onde continuaria para o pouso.
  • 13h20 - Com velocidade de 313 km/h durante a curva, é emitido um alerta para que fosse aumentada a velocidade da aeronave ("Increase Speed").
  • 13h20 - Ruídos de vibração da aeronave começam a ser ouvidos, e o alarme de perda de sustentação ("Stall") é acionado.
  • 13h21 - O controle da aeronave foi perdido e ela, após virar algumas vezes, entra em parafuso chato, colidindo com o solo instantes depois.

Relatório preliminar


O Cenipa classificou a ocorrência como acidente, com dois fatores principais a serem ponderados: formação de gelo e perda de controle em voo. Entre as observações do documento, divulgado em setembro de 2024, destacam-se:
  • Ativação repetida dos sistemas de anti-gelo e de-gelo, com alertas intermitentes e falhas registradas;
  • Condições meteorológicas propícias a gelo severo no nível de voo da aeronave;
  • Mensagens de degradação de desempenho e baixa velocidade de cruzeiro emitidas pelo sistema de monitoramento;
  • Procedimentos previstos para evitar formação severa de gelo não evitaram a perda de sustentação da aeronave;
  • Impacto em área residencial, sem separação estrutural em voo e sem incêndio antes da colisão;
  • Tripulação qualificada e com experiência no tipo de operação;
  • Uma das unidades de ar-condicionado estava inoperante desde quatro dias antes, conforme previsto na lista de equipamentos mínimos.
O relatório final deve ser publicado na próxima quarta-feira (13) e poderá confirmar ou descartar hipóteses levantadas na fase preliminar. A investigação do Cenipa não busca descobrir culpados, mas elucidar as causas do acidente para evitar que novas tragédias ocorram, e ela acontece de maneira independente de outras apurações nas esferas criminal e cível.

A empresa


A Voepass Linhas Aéreas, fundada em 1995 como Passaredo, operava voos regionais no Brasil, principalmente com aeronaves turboélice ATR. Em setembro de 2022, recebeu o PS-VPB, fabricado em 2010, para reforçar a frota.

Após o acidente, a empresa enfrentou dificuldades financeiras crescentes. Em março de 2025, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) suspendeu suas operações por questões de segurança operacional e, posteriormente, cancelou o Certificado de Operador Aéreo da empresa.

No mês seguinte, a Voepass pediu recuperação judicial, declarando dívidas na casa das centenas de milhões de reais.

A companhia atribuiu parte da crise à interrupção de pagamentos e ao rompimento de um acordo de codeshare com a Latam, que representava mais de 90% de sua receita. O caso ainda está em disputa judicial.

Próximos passos


As indenizações às famílias estão sendo tratadas em processos separados da recuperação judicial. O setor aéreo acompanha atentamente, pois o caso pode levar a mudanças nos manuais de operação em gelo severo, no treinamento de tripulações e na confiabilidade dos sistemas antigelo dos ATR.

Um ano depois, a tragédia do PS-VPB continua a repercutir como alerta para a aviação regional no Brasil.

Via Alexandre Saconi (Todos a Bordo/UOL)

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