domingo, 1 de novembro de 2020

E se o combustível do avião acabar? Airbus voou 120 km até pousar

O C-GITS em voo em 2019 - Foto: Paul Link

O Airbus A330-243, prefixo C-GITS, da Air Transat, com 306 pessoas a bordo é o dono de um dos recordes mais impressionantes da aviação. O avião que fazia o voo Air Transat 236 detém o título do voo planado mais longo da história. 

Depois de ficar sem combustível enquanto sobrevoava o oceano Atlântico, o A330 voou com os dois motores desligados por 120 quilômetros até pousar em segurança no aeroporto da base aérea de Lajes, na Ilha Terceira, nos Açores (Portugal).

Base Aérea de Lages, Açores, Portugal - Foto: Reprodução

O avião decolou de Toronto (Canadá) às 20h20 do dia 23 de agosto de 2001 com destino a Lisboa (Portugal). Estavam a bordo 293 passageiros e 13 tripulantes. O A330 era pilotado pelo comandante Robert Piché, 48, e pelo primeiro-oficial Dirk de Jager, 28.

Logo após a decolagem, o voo da Air Transat foi desviado pelo controle de tráfego aéreo e seguia a rota 96 quilômetros ao sul, de forma paralela ao eixo da rota original. A mudança tinha o objetivo de evitar congestionamento no tráfego aéreo e acabou sendo fundamental para salvar o avião e todas as 306 pessoas a bordo.

Problemas começaram cinco horas depois

O voo da Air Transat ocorreu normalmente durante as primeiras cinco horas de voo. O primeiro sinal de que poderia haver algum problema veio com um sinal que indicava baixa temperatura e alta pressão de óleo no motor dois, o da direita. Os pilotos procuraram uma explicação nos manuais, mas não encontraram resposta. Pelo rádio, chegaram a falar com a equipe de manutenção da empresa. Foram orientados a apenas monitorar a situação.

Naquele momento, o comandante do voo considerava que aquele alerta era apenas uma falha dos computadores de bordo do Airbus A330. Momentos mais tarde, porém, surgiria mais um sinal de que havia um problema mais grave acontecendo durante o voo. As telas do avião mostraram um alerta de fuel imbalance, ou desbalanceamento de combustível.

Mais uma vez, os pilotos não conseguiram identificar o problema que causava aquele alerta. O desbalanceamento significava que havia uma quantidade de combustível muito superior em uma asa (onde ficam os tanques) em relação à outra. Durante todo o voo, os pilotos monitoravam o consumo de combustível a cada 30 minutos e até então não havia nenhum sinal de possível vazamento.

Para resolver o balanceamento, o comandante ordenou a abertura de uma válvula que permitia a transferência de combustível dos tanques da asa esquerda para os da direita. O querosene, no entanto, não chegava ao tanque e o nível total de combustível estava cada vez menor.

Emergência de combustível

Sem entender o que estava acontecendo, os pilotos ainda trabalhavam com a possibilidade de ser apenas uma falha nos computadores do avião. Às 5h41, a tripulação solicita ao controle de tráfego aéreo um desvio do voo para o aeroporto mais próximo. Com os níveis cada vez mais baixos nos tanques, o comandante declara emergência de combustível às 5h48.

Localização da Ilha Terceira, nos Açores (Portugal) - Imagem: Reprodução

O Airbus A330 segue em direção ao aeroporto da Ilha Terceira, mas às 6h13 a situação se agrava ainda mais. Sem combustível nos tanques da direita, o motor dois apaga. Dez minutos depois, o motor um, da esquerda, também para de funcionar. O A330 se torna um enorme planador a 33 mil pés (mais de 10 quilômetros) de altitude.

Sem os dois motores, diversos sistemas também deixam de funcionar e as luzes da cabine de passageiros se apagam. Uma pequena turbina eólica garante eletricidade para sistemas essenciais aos pilotos. No entanto, a aeronave perdeu seu sistema hidráulico principal, que opera os flaps, freios aerodinâmicos e spoilers. O avião também perde a pressurização da cabine e todos passam a usar as máscaras de oxigênio.

Descida e pouso em segurança

Quando o segundo motor deixou de funcionar, o Airbus A330 estava a 120 quilômetros de distância da base aérea de Lajes, na Ilha Terceira. Se o controle de tráfego aéreo não tivesse feito o desvio do Air Transat após a decolagem de Toronto, a situação poderia ser ainda mais dramática.

Operando um planador com 306 pessoas a bordo, o comandante Piché precisava controlar a razão de descida e a velocidade do avião para garantir que ele conseguisse chegar à pista de pouso.

O Airbus A330 descia a uma razão de 2.000 pés (600 metros) por minuto, o que garantia cerca de 15 minutos de voo. Foi tempo suficiente para o avião chegar à Ilha Terceira. Os pilotos ainda precisaram fazer uma volta de 360 graus e algumas outras manobras para reduzir a velocidade do avião.

O Airbus A330 tocou a pista às 6h45, a uma velocidade de 200 nós (370 km/h), acima da recomendada para essa situação. Sem o reverso dos motores, flapes e freios aerodinâmicos, o avião dependia totalmente do freio das rodas para parar. O excesso de pressão sobre as rodas causou o estouro de oito pneus, mas o A330 parou ainda na metade da pista com todos os 306 ocupantes em segurança.

Fotos via Twitter @TomPodolec

Investigação

A investigação revelou que a causa do acidente foi um vazamento de combustível no motor dois, causado por uma peça incorreta instalada no sistema hidráulico pela equipe de manutenção da Air Transat. O motor havia sido substituído por um motor reserva, emprestado pela Rolls-Royce, de um modelo mais antigo que não incluía bomba hidráulica.

Apesar das preocupações do mecânico líder, a Air Transat autorizou o uso de peça de motor semelhante, adaptação que não manteve folga adequada entre as linhas hidráulicas e de combustível. Essa falta de folga, da ordem de milímetros, fez com o atrito entre as peças rompesse a linha de combustível, causando o vazamento.

A Air Transat admitiu a responsabilidade pelo acidente e foi multada em 250 mil dólares canadenses pelo governo canadense, que em 2009 foi a maior multa da história do país.

O comandante Robert Piché - Foto: Reprodução

As ações dos pilotos também foram consideradas como fatores influenciadores para o incidente. Entre os erros apontados, estão não identificar o vazamento de combustível, negligenciar o desligamento da alimentação cruzada após o primeiro motor ter apagado, bem como por não seguir o procedimento operacional padrão em possivelmente mais de um caso.

Apesar dessas falhas, os pilotos foram recebidos como heróis no Canadá por terem conseguido pousar o avião mesmo com os dois motores desligados. Em 2002, o comandante Piché recebeu o Prêmio Superior de Aeronáutica da Associação de Pilotos de Linha Aérea. Até hoje, o voo da Air Transat mantém o título de mais longo voo planado em um avião comercial de passageiros.

Fonte: Vinícius Casagrande (UOL) - Edição de texto e imagens: Jorge Tadeu

Aconteceu em 1º de novembro de 1949: Voo 537 da Eastern Air Lines - Colisão Aérea sobre Washington DC

Em 1º de novembro de 1949, o Douglas C-54B-10-DO (DC-4), prefixo N88727, da Eastern Air Lines, partiu para realizar o voo 537, de Boston, Massachusetts para Washington, DC, com escalas intermediários, incluindo o Aeroporto La Guardia, em Nova Iorque, levando a bordo 51 passageiros e quatro tripulantes.

Um Douglas DC-4 similar ao que se envolveu no acidente

Outra aeronave, o caça Lockheed P-38 Lightning, prefixo NX-26927, que estava sendo testado para aceitação pelo Governo da Bolívia, por Erick Rios Bridoux, da Força Aérea Boliviana

Um Lockheed P-38 Lightning, semelhante ao do acidente - Foto: Força Aérea dos EUA

As duas aeronaves colidiram no ar a uma altitude de 300 pés, cerca de meia milha a sudoeste da cabeceira da pista 3 no Aeroporto Nacional de Washington, matando todos os 55 a bordo do DC-4 e ferindo gravemente o piloto do P-38. Na época, foi o incidente com avião comercial mais mortal da história dos Estados Unidos.

Os controladores da torre de serviço naquele dia no Aeroporto National testemunharam que o P-38 havia decolado na Pista 3, virado à esquerda ao norte do Pentágono, circulado sobre Arlington e retornado, solicitando permissão para pousar devido a problemas no motor. 

O controlador liberou a aeronave para se juntar ao padrão de tráfego esquerdo, mas em vez disso voou ao sul do aeroporto e entrou em uma aproximação longa ao mesmo tempo que o voo 537 estava virando para uma final mais curta. 

O controlador então ligou para o voo 537, ordenando que virasse à esquerda. O DC-4 começou a curva, mas então o P-38, sendo consideravelmente mais rápido que um DC-4 na final, ultrapassou a aeronave 1/2 milha a sudoeste da cabeceira da Pista 3.

O DC-4 foi cortado ao meio pela hélice esquerda do P-38, logo à frente do bordo de fuga da asa. A parte posterior do DC-4 caiu no solo na margem oeste do rio Potomac; outras peças estavam localizadas em Alexandria, em Virgínia, no pátio de Potomac da ferrovia Richmond, Fredericksburg & Potomac e em uma rodovia que passava perto do pátio. A parte dianteira da aeronave caiu no rio, assim como o P-38.

O DC-4 caido às margens do Rio Potomac - Foto: Reprodução

O sargento da Força Aérea Morris J. Flounlacker puxou o Bridoux, que pisava fracamente, para fora do Potomac, no momento em que o piloto ferido perdeu a consciência. No Hospital de Alexandria , os médicos descobriram que ele tinha fratura nas costas, costelas esmagadas e contusões graves.

Fotos via baaa-acro.com

Bridoux contradisse grande parte do testemunho dos controladores da torre quando falou com os investigadores do Civil Aeronautics Board (CAB). Ele afirmou que decolou da Pista 36, ​​esteve em contato constante com a torre e foi explicitamente autorizado a pousar na Pista 3 sob o indicativo de chamada "Bolivian 927".

No entanto, o testemunho do pessoal da torre e de um controlador militar ouvindo a frequência de sua posição na Base da Força Aérea de Bolling (bem como outras discrepâncias no testemunho do piloto do P-38) levou o CAB a desconsiderar a versão de Bridoux dos eventos. Como Bridoux falava e entendia bem o inglês, pensou-se que as dificuldades com o idioma não contribuíram para o acidente.

O CAB determinou que as causas prováveis ​​primárias do acidente eram a decisão do piloto do P-38 de pousar sem a devida autorização e sua falha em exercer vigilância normal ao procurar tráfego conflitante. O CAB também descobriu que os controladores da torre falharam em exercer a devida vigilância ao não notificar os pilotos do voo 537 antes da situação crítica de tráfego em desenvolvimento.

Torre de controle do Aeroporto Internacional de Washington nos anos 1940 - Foto: Domínio Público

No entanto, o relatório também afirma que, mesmo se o voo 537 tivesse recebido um aviso anterior com relação à localização do P-38, ainda poderia ser tarde demais para evitar o acidente, já que as ações de Bridoux deixaram o voo 537 com apenas alguns segundos para virar.

Entre os mortos no voo 537 estavam o congressista George J. Bates, a cartunista nova-iorquina Helen E. Hokinson e o ex-congressista Michael J. Kennedy.

Por Jorge Tadeu (Site Desastres Aéreos) com ASN / Wikipedia

Aéreas mais perigosas do mundo têm até pilotos com licenças falsas


As investigações do acidente da Pakistan International Airlines (PIA) no final de maio revelou uma rede de licenças falsas de pilotos no Paquistão. Dos 860 pilotos de aviões comerciais registrados no país, 262 deles não realizaram os exames necessários para ter o direito de pilotar aviões. A revelação colocou em dúvida a segurança da aviação no Paquistão e fez com que a União Europeia proibisse os voos de companhias aéreas do país no espaço aéreo europeu. Com isso, as empresas paquistanesas PIA e Airblue passaram a integrar a lista de companhias aéreas mais perigosas do mundo.

Empresa estava bem no ranking

Até recentemente, a Pakistan International Airlines contava com seis estrelas nos critérios da Airline Ratings. O acidente no final de maio e a revelação de que cerca de um terço dos pilotos paquistaneses utilizavam licenças falsas derrubou a nota da companhia aérea para apenas uma estrela. 

O Arline Ratings é um site especializado em avaliar a segurança das companhias aéreas. Para isso, os editores levam em consideração diversos critérios técnicos, como histórico de acidentes, auditorias realizadas por organismos internacionais, permissões para sobrevoar Europa e Estados Unido, entre outros.

As companhias aéreas mais seguras do mundo recebem até sete estrelas na classificação, enquanto as mais perigosas ficam com apenas uma ou duas estrelas. Das mais de 360 companhias aéreas avaliadas, quatro têm apenas uma estrela e outras quatro contam com duas estrelas. 

Maioria das aéreas é sete estrelas

A boa notícia para os passageiros de avião é que a grande maioria das companhias aéreas do mundo é avaliada com nota máxima nos critérios de classificação usados por sites especializados. 

Das 367 empresas listadas, 240 delas receberam sete estrelas. Além da classificação por estrelas, o Airline Ratings ainda faz uma avaliação mais detalhada levando em consideração outros critérios como capacidade operacional e incidentes leves ocorridos ao longo do ano. No ranking do último ano, a australiana Qantas foi eleita a companhia aérea mais segura do mundo. 

Veja as companhias aéreas mais perigosas do mundo:

Uma estrela

  • Air Algerie (Argélia)
  • Airblue (Paquistão)
  • Nepal Airlines (Nepal)
  • Pakistan International Airlines (Paquistão) 

Duas estrelas

  • Afriqiyah (Líbia) 
  • Blue Wing (Suriname) 
  • Iraqi Airways (Iraque) 
  • NOK Air (Tailândia)

Fonte: UOL - Foto: Divulgação

sábado, 31 de outubro de 2020

Notícias do Dia

Boeing da GOL é batizado ao estrear inédita rota regular entre Floripa e Rio/Santos Dumont

Presidente da Embraer pede paciência a investidores e não descarta novas demissões

Cenipa vai investigar causas da queda de avião em aeroporto particular em Minas

GOL fatura o prêmio Top of Mind 2020 da Folha pela terceira vez

Azul: conheça a terceira maior aérea brasileira

Aeroporto de Porto Alegre ganha câmera térmica de medição de temperatura

Cargueiro raro faz parada no Aeroporto de Viracopos

Viajar de avião fica mais caro com retomada da demanda e alta do dólar

5º Anuário Brasileiro de Aviação Civil está disponível para baixar

FAB e aéreas juntas no 2° Encontro de Confiabilidade na Aviação; inscrições abertas

Com investimento de R$ 45 milhões, obras do aeroporto de Passo Fundo começam na próxima semana

Aerolíneas terá voos diários para São Paulo a partir do dia 12

Nove anos atrasado, aeroporto de Berlim estreia com pousos simultâneos de dois A320neo

Divulgada premiação de aeroportos que primam pela experiência dos passageiros

Boeings 747 da Lufthansa poderão sair de aeroporto holandês

Delta adota gênero neutro e bane uso de “Senhoras e Senhores” nas chamadas de voo





Vídeo: Mayday! Desastres Aéreos - Tragédia em Taipei - Singapore Airlines Voo 006

Fonte: Cavok Vídeos

Aconteceu em 31 de outubro de 2000 - Singapore Airlines Voo 006 - Perdido na Noite

Na noite de terça-feira, 31 de outubro de 2000, as condições meteorológicas no aeroporto Chiang Kai Shek em Taipei, Taiwan (Formosa) eram típicas do período de Monções, quando chove torrencialmente no sudeste asiático. Na verdade, o tufão Xangsane aproxima-se da ilha de Taiwan vindo ao mar da China, deixando as condições cada vez piores: ventos em fortíssimas rajadas e chuvas torrenciais eram enfrentadas pelas aeronaves que operavam em Taiwan naquela noite.

O Boeing 747 envolvido no acidente - Foto: Michel Gilliand

Terça-feira é um dos dias de menor movimento na aviação comercial. Isso seria um fator atenuante para uma tragédia que começava a se desenhar. O protagonista era o Boeing 747-412 de prefixo 9V-SPK, orgulho máximo da frota da Singapore Airlines. (Adornado com um maravilhoso esquema promocional de pintura, o 9V-SPK era um dos dois únicos Boeing 747-400 da frota escolhidos para promover um novo padrão de serviço de bordo, nas três classes, que a empresa lançara meses antes. Vale lembrar que esta que é, talvez, a melhor companhia aérea do mundo. Entre outras razões, porque até aquela data, a Singapore era também uma das mais seguras companhias aéreas do planeta: até 31 de outubro de 2000, a Singapore Airlines nunca havia sofrido um acidente fatal.

Nada levaria a crer, nem mesmo as miseráveis condições de tempo reinantes em Taipei, que esse invejável recorde seria desafiado naquela noite de tempestade. Afinal, embora as condições fossem bastante adversas, muitas outras aeronaves partiam e chegavam, em segurança, ao aeroporto Chiang Kai Shek.

O desastre com o Voo 006 da Singapore Airlines

O voo 006 havia partido de Cingapura com destino à Los Angeles via Taipei. O horário publicado de sua partida em Taipei era 22h55. O 747 deixou o portão B-5 e iniciou seu táxi pela pista de taxi NP, paralela às pistas 05R e 05L. Ao chegar ao final da taxiway NP, o 747 ingressou na taxiway N1 e deveria ter prosseguido nela até a pista 05L (esquerda). Ao invés disso, o Boeing virou à direita numa curva de180º, imediatamente adentrando na pista 05R (direita). Agora você vai entrar dentro da cabine do 747 e ver as consequências desse trágico engano.

Cap - Comandante (assento da esquerda)

F/O - Primeiro oficial (assento da direita)

RDO - Comunicação de rádio do primeiro oficial aos controles (solo e torre)

F/O-PA- Comunicação interna do Primeiro oficial aos passageiros e tripulantes

PNF - Piloto extra / Observador (Pilot Not Flying)

TWR - Frequência da Torre de Controle de Taipei

GND - Frequência de solo de Taipei

CAM - Sons gravados pelos microfones instalados na cabine de comando

23h08:27 - Cap: Hong Kong está fechado. É por isso que não aceitam ninguém.

23h08:29 - F/O: Ah, entendo.

23h08:30 - Cap: Por isso muita gente poderia ter alternado lá.

23h08:40 - F/O: Sim.

23h08:47 - Cap: O RVR da pista 05 esquerda já estava em 200 (metros) já checamos há pouco.

23h08:50 - PNF: RVR é, duzentos.

23h08:50 - Cap: Correto, duzentos metros, ah, ok.

23h08:55 - Cap: Ok homem, before takeoff checklist.

23h08:56 - F/O: Sim senhor.

23h08:58 - F/O: Before takeoff check: flaps.

23h09:02 - Cap: Vinte, verdes.

23h09:03 - F/O: Vinte, verdes.

23h09:06 - F/O: Controles de voo.

23h09:07 - Cap: Cheque.

23h09:07 - F/O: Cheque.

23h09:08 - F/O: EPR e velocidades.

23h09:09 - Cap: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.

23:09:15 - F/O: Ok, EPR um ponto cinco dois. Ah, V-1, uno quatro dois, V-R uno cinco meia e V-2 uno meia nove, selecionadas.

23:09:22 - F/O: velocidades selecionadas.

23:09:24 - F/O: Navegação.

23:09:25 - Cap: Ok, ah, Taipei pista zero seis esquerda.

23:09:27 - F/O: Zero cinco esquerda.

23:09:29 - Cap: Zero cinco esquerda.

23:09:29 - PNF: Zero cinco esquerda.

23:09:31 - Cap: E nós temos a saída por instrumentos ANPU Três, transição Kikit.

23:09:38 - Cap: Parece que chegou a nossa vez.

23:09:40 - F/O: Os próximos somos nós.

23:09:41 - Cap: É, vire a direita aqui, até cruzar a oeste e... Vire à direita aqui.

23:09:46 - F/O: Pista em uso zero cinco esquerda, transição Kikit, inicialmente duzentos ah, para nivelar.

Transponder 2657, estaremos no nível 290 no fixo Bulan.

23:09:58 - Cap: Vai precisar de muito leme aqui, homem. O vento de través...

23:10:01 - PNF: Vento cruzado forte, hem?

23:10:02 - Cap: Muito.

23:10:03 - F/O: Transponder set, checks ok.

23:10:06 - Cap: Ok, obrigado.

23:10:14 - Cap: Todo mundo esperando para decolar, hem.

23:10:18 - Cap: Todo mundo e mais aquele chato ali.

23:10:21 - PNF: Quanto mais nos seguram, mais o pessoal parece querer atrasar.

23:10:23 - Cap: Pior ainda para quem decola. Olha, vou bem devagar aqui, que está muito escorregadio aí fora.

23:10:24 - F/O: Ok, nove nós. (de velocidade de taxiamento)

23:10:33 - PNF: Ok, até alinhar no vento.

23:10:35 - F/O: É muita umidade no ar.

23:10:41 - F/O: Virando a esquerda eu derrapo. Virando a direita eu também derrapo.

23:10:42 - PNF: O radar meteorológico deve estar todo vermelhinho.

O 747 prossegue taxiando em meio às rajadas de vento, que desestabilizam a aeronave. O tráfego é intenso e as condições, longe de serem ideais, provocam comentários que mostram mais do que simples cautela por parte dos pilotos da Singapore: mostram mesmo preocupação.

23h11:12 - Cap: Para a decolagem, é melhor usar o piloto automático, ok?

23h11:22 - Cap: É o tufão. Amanhã, o pessoal chagando aqui vai todo mundo sentir o terror.

23:11:28 - PNF: É, todo mundo, inclusive o Singapore 005.

23:11:49 - Cap: O cinco já partiu... me... melho... melhorou a visibilidade para 500 metros.

23h11:55 - PNF: Na cinco esquerda. ah, melhorou.

23:11:56 - Cap: É, o (controle de) solo disse que ia melhorar.

23:11:59 - PNF: Está 450 agora. (450 metros de visibilidade)

23:12:07 - Cap: Ok, até o final e curva à esquerda.

23:12:10 - F/O: Esquerda, ah.

23:12:10 - Cap: Sim.

23:12:17 - F/O: Frequência uno dois cinco uno para a saída.

23:12:22 - Cap: Ok, primeira à esquerda.

23:12:23 - F/O: Afirmativo, primeira à esquerda.

23:12:24 - Cap: Esquerda.

23:12:25 - F/O: Esquerda.

23:12:26 - PNF: O último QNH é uno zero zero uno.

23:12:58 - GND: Singapore 6 contate torre uno dois nove ponto três, tenha um bom dia.

23:13:02 - RDO: Uno dois nove ponto três, Singapore 6, um bom dia para você.

23:13:13 - F/O: Uno zero zero uno, uno dois nove ponto três e ah... ok.

23:13:25 - RDO: Torre Taipei bom dia, Singapore 6.

23:13:28 - TWR: Singapore 6, boa noite, Torre Taipei, aguarde antes da pista zero cinco esquerda.

23:13:33 - RDO: Aguardará antes da pista zero cinco esquerda, Singapore 6.

23:13:38 - TWR: Singapore 6, para sua informação, vento de superfície 020 (direção) com 24 (intensidade), rajadas de 43 nós, confirme sua intenção.

23:13:44 - Cap: Rajadas de 43 nós, ah.

23:13:46 - RDO: Obrigado senhor, Singapore 6.

23:13:47 - Cap: Ok, ok, melhor menos, hem.

23:13:48 - PNF: Menos, menos fortes.

23:13:54 - Cap: Zero dois zero pela esquerda.

23:13:56 - PNF: Vinte e quatro com rajadas de 43.

Mapa da trilha do tufão Xangsane da temporada de tufões de 2000 no Pacífico
Imagem: Wikimedia Commons

23:14:05 - F/O: Zero dois zero.

23:14:08 - Cap: Ok este vai ser por aqui.

23:14:18 - Cap: Zero dois zero.

23:14:20 - PNF: Sim, pela esquerda.

23:14:21 - Cap: Vá à direita para o final da pista, à direita no final da pista e então vire, ok?

23:14:31 - PNF: Vai usar bastante aileron na decolagem.

23:14:35 - F/O: OK.

23:14:40 - F/O: Na próxima.

23:14:41 - F/O: A próxima é a (taxiway) November One.

23:14:42 - Cap: Ok, na segunda direita.

23:14:44 - F/O: Segunda à direita, é essa.

23:14:53 - Cap: O melhor é dizer segunda direita ah, segunda direita e primeira direita.

23:14:55 - F/O: Livrando aquela antena de Satvoice.

23:14:58 - Cap: Pode avisar que estamos prontos.

23:15:02 - RDO: Singapore 6 pronto.

23:15:04 - TWR: Singapore 6, pista zero cinco esquerda, taxi para a posição e aguarde.

23:15:08 - RDO: Taxi para a posição e aguarde, Singapore 6.

Nesse momento, o Boeing deixa a taxiway NP e ingressa na taxiway N1. No entanto, ao invés de executar uma curva de 90º e ingressar na N1, que deveria levar o 747 à cabeceira da pista 05L, o comandante do 747 executa uma curva de 180º e começa a alinhar na pista 05R (direita). 

Diagrama, lado norte e pista 05 Aeroporto Internacional Chiang Kai-shek
Imagem: Wikimedia Commons

Nenhum dos dois tripulantes na cabine, nem o piloto observador nem o primeiro oficial, questionam a curva de 180º. A aeronave também não pode ser vista pela torre de controle, pois a visibilidade, de menos de 500m naquele momento, impedia que o Boeing fosse visto pelos controladores - e fosse salvo do que enfrentaria a seguir.

23:15:12 - F/O: Eu aviso a tripulação para sentar.

23:15:12 - Cap: Ok, pode avisar.

23:15:15 - F/O-PA: Tripulação de cabine aos seus lugares, prontos para decolagem.

23:15:22 - TWR: Singapore 6, pista 05 esquerda, vento 020 (direção) com 28 (intensidade), rajadas de 50 nós, livre decolagem.

23:15:30 - RDO: Livre para decolagem, pista 05 esquerda, Singapore 6.

23:15:31 - Cap: OK, homem.

23:15:34 - F/O: OK, cheques de cabine anunciados.

23:15:37 - F/O: Packs. (desligamento do ar condicionado)

23:15:38 - Cap: Ok, normal, eh.

23:15:39 - F/O: Normal.

23:15:40 - F/O: Luzes estroboscópicas ligadas, luzes de pouso ligadas.

23:15:44 - F/O: Autorização de subida.

23:15:45 - Cap: Obtida.

23:15:46 - F/O: Obtida, senhor.

23:15:47 - Cap: OK, obrigado.

23:15:48 - F/O: Before takeoff checklist completado.

23:15:50 - F/O: OK, luzes verdes.

23:15:52 - Cap: Está muito escorregadio, vou devagar agora aqui, hem.

23:15:53 - F/O: Girando agora.

23:16:07 - F/O: E pelo PVD (Para-Visual Display - painel de visualização) ainda não alinhou.

23:16:10 - Cap: Temos que alinhar primeiro.

23:16:12 - PNF: Temos que girar 45 graus.

23:16:15 - F/O: Ah, sim, excelente, homem.

23:16:16 - Cap: Ok.

23:16:23 - Cap: Não tenho o PVD, eh. Ok, não está tão ruim assim, consigo ver a pista, não tão mal. Ok, vou ligar os limpadores (de para-brisa) ao máximo. Eh, prontos, Ok.

O microfone de cabine capta o som dos limpadores de para-brisa acionados na máxima velocidade. Preocupados com as difíceis condições de pilotagem, os três pilotos não verificam se estão alinhados na pista correta. Eles simplesmente acreditam que estão, mas não verificam sua posição.

23:16:27 - F/O: Ok.

23:16:31 - F/O: Pronto, senhor, zero dois zero é o vento, ok.

23:16:33 - Cap: Asa esquerda o aileron, aileron esquerdo no vento. Uh, OK, Cabine avisada?

23:16:37 - PNF: Cabine avisada, ok.

23:16:37 - Cap: Ok obrigado.

23:16:37 - F/O: Obrigado.

23:16:43 - PNF: Ok - potência TOGA (Take-Off / Go-Around, a máxima potência disponível).

23:16:43 - F/O: Potência TOGA, TOGA.

23:16:44 - Cap: Ok - Potência TOGA, TOGA.

23:16:44 - O microfone de cabine capta o som dos quatro motores acelerando ao máximo. O Boeing começa a correr na pista molhada de Taipei, sacudido por rajadas de ventos de quase 50 nós. A concentração necessária para manter o gigantesco Boeing alinhado com a pista é total. A visibilidade externa é de pouco mais de 450 metros e a chuva e os ventos estão cada vez mais fortes, com a iminente chegada do tufão.

23:16:54 - PNF: Segure (as manetes de potência na posição TOGA).

23:16:54 - F/O: Segurando.

23:16:54 - Cap: Ok.

23:16:55 - PNF: Oitenta nós.

23:16:55 - F/O: Oitenta nós.

23:16:56 - Cap: Ok, tenho o controle.

23:17:13 - F/O: V-1.

23:17:13 - PNF: V-1.

Nesse exato instante, o Boeing atinge a V-1 (Vee-One), ponto a partir do qual a decolagem deve prosseguir, mesmo em caso de perda de um ou mais motores. Até atingir a V-1, uma aeronave tem condições de parar com segurança na pista, caso surja alguma pane instantânea. Ao atingir e depois de ultrapassar a V-1, a aeronave tem de prosseguir na decolagem, mesmo que sofra uma pane, pois já não tem mais condições de abortar a decolagem com segurança na pista. Por isso mesmo a V-1 também é conhecida como "Point of No Return". A V-1 é calculada antes de cada decolagem, e sofre influência de fatores como peso, balanceamento, configuração de flaps e slats, temperatura externa, etc.

Menos de três segundos depois de ultrapassada a V-1, o comandante do Boeing da Singapore vê, em meio à forte chuva que desaba sobre Taipei, uma visão tão inesperada quanto assustadora. 

As fortes luzes de decolagem iluminam algo à frente do 747. Havia algo bem à frente do Boeing, ao invés de uma pista aberta e desimpedida: barreiras de concreto, máquinas retro-escavadeiras e outros equipamentos de construção. 

Sem saber, o 747 da Singapore havia alinhado na pista 05 Direita e não esquerda. Desde 31 de agosto de 2000, circulava o NOTAM A0606 (NOTice to Air Men), um comunicado amplamente divulgado e de circulação irrestrita para aeronautas, que informava que essa pista encontraria-se fechada para obras entre 13 de setembro e 22 de Novembro. Apesar de ter sido apresentado à tripulação da Singapore no briefing de operação feito ainda em solo, o NOTAM A0606 não é discutido em nenhum momento na cabine.

O fato é que esse descuido sairia muito caro. Voltamos agora ao cockpit do 747, que está à alguns segundos de atingir a V-R de 288 km/h, velocidade suficiente para que o manche seja puxado e a aeronave erga-se do solo. Mas tempo é algo que não resta mais para os infelizes ocupantes do Singapore 006. Numa fração de segundo, um Boeing 747-400 de quase 400 toneladas vai perder o confronto contra máquinas que estavam em seu caminho.

23h17:16 - Cap: (assustado) Merda, tem alguma coisa aí!

No segundo seguinte, o microfone de cabine capta o som do impacto inicial do 747 contra as máquinas. Com mais um segundo, um grito curto e alto é captado pelos microfones. Entre 23h17:18 e 23h17:22, uma série de sons captados mostram a sequência de impactos que o Boeing sofreu após colidir com as máquinas. 

Nesse exato instante, a fuselagem rompeu-se e a caixa-preta do 747 parou de gravar. Nos segundos seguintes, o portentoso jato despedaçou-se em várias partes, muitas das quais pegaram fogo imediatamente. A fuselagem partiu-se ao meio, e continuou desgovernada arrastando-se por mais de 700 metros até parar e ser envolta em chamas, originárias do rompimento dos tanques cheios do 747, que tem capacidade para 216.847 litros de JET A-1.

No meio da tempestade, agora rugia o fogo incontrolável, a princípio, do inferno provocado pelo impacto do 747 contra as máquinas. Os bombeiros não demoraram muito a chegar ao inferno, mas o desastre já estava consumado: dos 179 ocupantes, 20 tripulantes e 159 passageiros, 83 deles (sendo 4 tripulantes) perderam a vida nos segundos seguintes ao impacto ou, em alguns casos, em leitos de hospitais de Taipei, depois de lutar contra terríveis queimaduras e poli-traumatismos por semanas.

Gráfico de assentos e diagrama de ferimentos / morte para o voo 006 da Singapore Airlines: 
0: Fatalidade (local desconhecido), 1: Sem ferimentos, 2: Ferimentos leves, 3: Ferimentos graves, 4: Fatalidade, 5: Criança no colo (fatalidade), 6: Quebra de fuselagem

Os três pilotos sobreviveram ao desastre e ajudaram nas investigações, que foram iniciadas no dias seguinte à tragédia. A investigação oficial levou meses e chegou à conclusão que houve imperícia e negligência por parte dos pilotos da Singapore. O Ministério de Transportes de Cingapura (MOT, Singapore Ministry of Transport) questionou o resultado oficial da investigação, abrindo uma investigação própria em paralelo. Segundo o MOT, o acidente não teria ocorrido se a pista em obras tivesse sido visualmente interditada como, segundo afirma o MOT, é de praxe e segundo padrões oficiais. Seja como for, o fato é que o Singapore 006 entrou para a história da melhor empresa aérea do mundo justamente como o seu pior momento.

Este relato foi extraído do extinto site Jetsite.

Fontes: acidentesdesastresaereos.blogspot.com / ASN / baaa-acro.com / Wikipedia

Vídeo: Mayday! Desastres Aéreos - Voo EgyptAir 990 - Mergulho no oceano

Aconteceu em 31 de outubro de 1999: O mergulho no mar do voo EgyptAir 990


Em 31 de outubro de 1999, um Boeing 767 da EgyptAir em uma viagem transatlântica de Nova York ao Cairo, de repente entrou em um mergulho na costa de Massachusetts. Como uma montanha-russa, o avião mergulhou abruptamente, subiu de volta e mergulhou novamente, finalmente batendo no oceano perto da Ilha de Nantucket e matando todas as 217 pessoas a bordo. 

Mas assim que as caixas pretas foram recuperadas, ficou claro que não foi um mero acidente. As evidências mostraram, sem sombra de dúvida, que o primeiro oficial Gameel Al-Batouti havia derrubado o avião de propósito - mas admitir isso seria um torpedo nas relações EUA-Egito. 

Em meio a uma crise internacional crescente, um piloto da EgyptAir desertou para o Reino Unido, trazendo com ele conhecimento das motivações sinistras de Batouti em um momento em que o National Transportation Safety Board estava sendo forçado a caminhar no fio da navalha entre a verdade e o interesse nacional.

O voo e o acidente

Na madrugada de 30 de outubro, o Boeing 767-366ER, prefixo SU-GAP, operando o voo 990 da EgyptAir chegou ao Aeroporto Internacional JFK de Nova York após a primeira etapa de sua viagem de Los Angeles ao Cairo, no Egito. 

Em Nova York, a tripulação anterior foi trocada por uma nova. No final das contas, 203 passageiros e 14 tripulantes embarcaram no jato wide body, incluindo dois conjuntos de pilotos: o capitão Ahmed El-Habashi, 57, e o primeiro oficial Adel Anwar, 36, voariam no primeiro semestre; e no meio do caminho eles trocariam de lugar com o capitão de apoio Raouf Noureldin, 52, e o primeiro oficial de apoio Gameel Al-Batouti, de 59. Também a bordo estavam o piloto chefe do 767 da EgyptAir, capitão Hatem Rushdy; e dois outros primeiros oficiais cavalgando como passageiros.

Das 217 pessoas a bordo, 100 eram dos Estados Unidos, 89 eram do Egito (incluindo a tripulação), 21 eram canadenses e os sete restantes vinham de quatro países adicionais. Entre os passageiros egípcios estavam 33 oficiais da Força Aérea que voltaram do treinamento nos Estados Unidos, incluindo dois generais de brigadeiro e um coronel. 

Todos os pilotos tinham muita experiência: o capitão Habashi voava para a EgyptAir desde 1963, e o primeiro oficial de alívio Batouti estava a apenas três meses da aposentadoria. O primeiro oficial Anwar estava prestes a se casar logo após seu retorno ao Egito.

Fotos sem data de alguns dos membros da tripulação (Imagem: Getty Images)

O voo 990 decolou do JFK à 1h20 e prosseguiu para o leste sobre o Oceano Atlântico com Habashi e Anwar nos controles. Tudo estava normal nos primeiros 20 minutos. Então, às 13h40, o primeiro oficial de alívio Batouti entrou na cabine.

“Espere, deixe-me dizer uma coisa”, disse ele a Anwar. “Eu não vou dormir nada. Eu posso vir e sentar por duas horas, e então ...”

Batouti não deveria assumir o controle até a metade do voo. Anwar ficou perplexo. “Mas eu, eu dormi, eu dormi”, ele protestou.

"Quer dizer que você não vai se levantar?" disse Batouti. "Você vai se levantar, vai descansar um pouco e voltar."

“Você deveria ter me contado, deveria ter me contado isso, capitão Gameel”, disse Anwar. “Você deveria ter dito, 'Adel…'” 

Embora Batouti fosse um primeiro oficial, muitos de seus colegas pilotos o chamavam de capitão porque, em sua posição anterior como capitão de treinamento da Força Aérea egípcia, ele os havia instruído pessoalmente.

"Eu ao menos vi você?" disse Batouti.

Anwar continuou a protestar, pedindo ao “Capitão Gameel” que voltasse e dormisse antes de assumir o comando. Mas eventualmente ele cedeu, permitindo que Batouti pegasse seu jantar e depois voltasse para assumir o voo. 

Enquanto Batouti estava fora da cabine, Anwar reclamou com o capitão Habashi: "Está vendo como ele faz o que quer?"

O capitão Habashi hesitou. Ele não via sentido em provocar conflito. Mas Anwar insistiu no assunto. "Ele não quer trabalhar com Raouf ou o quê?"

“É possível, é possível, Deus sabe”, disse Habashi. “Olha, você não tem um camelo macho ou fêmea amarrado nessa situação, como dizem. Direito? Pelo Profeta, ele está apenas falando bobagem. ”

Pouco depois, o primeiro oficial de alívio Batouti voltou à cabine e o primeiro oficial Anwar cedeu seu lugar. Era 01h42

Pelos próximos minutos, Habashi e Batouti conversaram normalmente. Então, às 13h48, Habashi anunciou que queria ir ao banheiro antes que ficasse lotado. Ele saiu da cabine, deixando Batouti sozinho nos controles. Ele disse algo ininteligível para si mesmo e, em seguida, acrescentou suavemente a frase "Tawakkelt ala Allah" - "Eu confio em Deus".

Cerca de 30 segundos depois, Batouti desligou o piloto automático, assumindo o controle manual do avião. Por mais alguns segundos, ele não fez nada. Então ele sussurrou de novo: “Eu confio em Deus”, colocou a potência do motor em marcha lenta e abruptamente inclinou o nariz para baixo a quarenta graus. Com uma rapidez assustadora, o 767 começou a mergulhar em direção ao mar.

O capitão Habashi abortou imediatamente sua ida ao banheiro e conseguiu voltar para a cabine, apesar das condições de gravidade zero. Lá dentro, Batouti segurava a coluna de controle para frente, repetindo “Eu confio em Deus” sem parar. Mas ele não havia trancado a porta, e Habashi conseguiu entrar novamente na cabine de comando apenas 11 segundos após o início do mergulho.

"O que está acontecendo? O que está acontecendo?" Habashi gritou enquanto subia de volta em seu assento.

“Eu confio em Deus”, sussurrou Batouti.

O voo 990 acelerou cada vez mais rápido, excedendo sua velocidade máxima de operação e disparando o alarme mestre de cuidado.

“Eu confio em Deus”, disse Batouti.

"O que está acontecendo?" Capitão Habashi perguntou novamente. “O que está acontecendo Gameel? O que está acontecendo?" Mas Batouti não respondeu.

Habashi então percebeu que os motores estavam em ponto morto. "O que é isso? O que é isso? Você desligou os motores? ” ele gritou. 

Ao mesmo tempo, ele começou a puxar para trás sua coluna de controle para tirar o avião do mergulho, que havia aumentado para uma taxa de descida vertiginosa de 39.000 pés por minuto. Lentamente, mas com segurança, Habashi começou a dominar Batouti, que ainda estava tentando empurrar o nariz para baixo.

Mas quando Habashi tentou aumentar a potência do motor, ele descobriu que Batouti havia mudado o interruptor de fluxo de combustível para a posição “corte”, fazendo com que ambos os motores pegassem fogo. “Vá embora nos motores”, disse ele, sua gramática falhando. “Desligue os motores !?”

“Está fechado”, disse Batouti.

Várias vezes, Habashi gritou: "Puxe comigo!" enquanto ele tentava fazer com que Batouti o ajudasse a sair do mergulho. 

Mesmo assim, eles continuaram a trabalhar um contra o outro, fazendo com que os elevadores esquerdo e direito se movessem em direções opostas. 

Alguns segundos depois, os motores desligaram completamente e o avião perdeu toda a energia elétrica. As caixas pretas pararam de gravar e o transponder do avião desapareceu das telas de radar dos controladores. O que aconteceu dentro da cabine do voo 990 deste ponto em diante nunca será conhecido.

No entanto, várias instalações no nordeste dos Estados Unidos continuaram a rastrear o 767 no radar primário por dois minutos após a perda de energia. 

O avião parecia ter afundado a uma altitude de cerca de 16.000 pés, subiu de volta para 25.000 pés, então entrou em um segundo mergulho, mergulhando novamente em direção ao mar a uma taxa de 20.000 pés por minuto. Desta vez, ele não se recuperou. Estressada além de seus limites, a fuselagem começou a se desintegrar; o motor esquerdo se separou da asa e as superfícies de controle arrancaram de seus suportes. 

Finalmente, às 1h52, o voo 990 da EgyptAir atingiu o Oceano Atlântico a 96 quilômetros ao sul da Ilha de Nantucket, matando instantaneamente todas as 217 pessoas a bordo.

Animação CGI do mergulho final do voo 990 da EgyptAir (Fonte de vídeo: Mayday)

A investigação do acidente começou como qualquer outra. O avião caiu em águas internacionais, dando legalmente ao Egito jurisdição sobre o caso, mas como o Conselho Nacional de Segurança de Transporte dos Estados Unidos era muito mais experiente, o presidente egípcio Hosni Mubarak pediu que assumisse a investigação. 

Então, nove dias após o acidente, tudo mudou. Uma busca subaquática havia revelado os dois gravadores de voo da caixa preta do avião, que foram cuidadosamente levantados do fundo do mar e enviados a Washington DC para análise. 

Navios que participaram das buscas pelos corpos e destroços da aeronave - Foto: Matt York/AP

Em uma sala na sede do NTSB, investigadores americanos e egípcios ouviram a gravação de voz da cabine de comando pela primeira vez. O que ouviram foi impressionante. Não houve discussão sobre uma emergência, nenhum sinal de falha mecânica, apenas os sons do vento, os alarmes e o sussurro de Batouti.tawakkelt ala Allah repetidamente. 

Era quase certo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. Um representante da EgyptAir que ouviu a gravação deixou a sala com o rosto pálido e não foi ouvido novamente.

Os investigadores do NTSB documentam as caixas pretas antes do transporte para Washington. (Foto: Wikipedia)

Não demorou muito para que descrições de segunda mão do conteúdo do CVR vazassem para a imprensa. Os noticiários alegaram falsamente que Batouti havia dito “Eu tomei minha decisão. Coloco minha fé nas mãos de Deus”, e que ele havia recitado uma oração muçulmana enquanto o avião caía. 

Leitura do gravador de dados de voo (com partes da transcrição CVR) do voo 990 da EgyptAir pelo NTSB - Fonte: NTSB

Durante a noite, o voo 990 da EgyptAir passou de um acidente de avião a um grande incidente internacional. O Egito rapidamente acusou a mídia dos Estados Unidos de uma campanha de difamação, trazendo especialistas que observaram que a tradução correta do refrão de Batouti era “Eu confio em Deus”. 

Na verdade, as autoridades egípcias não apenas rejeitaram a má tradução, mas rejeitaram a possibilidade de Batouti ter derrubado o avião intencionalmente. O que os investigadores do NTSB esperavam que fosse um inquérito curto, de repente ficou muito mais longo.

Destroços de um dos motores do voo 990 - Foto: Getty Images

Investigadores egípcios e a mídia egípcia apresentam uma hipótese alternativa após a outra. Alguns deles eram completamente absurdos. 

No início, por exemplo, as autoridades egípcias pediram ao NTSB que declarasse que o avião havia sido derrubado por uma bomba no lavatório dianteiro (obviamente, eles se recusaram). 

O chefe do NTSB queria publicar o relatório com a conclusão de que Batouti derrubou o avião e deixou o resto para o FBI, mas o presidente do Egito, Mubarak, deixou claro para o presidente Clinton que isso levaria a uma aposta na aliança estratégica entre os EUA e Egito. 

O NTSB, portanto, não teve escolha a não ser olhar para qualquer coisa que os egípcios inventassem.

Por exemplo, investigadores egípcios apresentaram um possível cenário envolvendo uma falha de elevador. Cada elevador é movido por três atuadores, e se dois desses atuadores falharem no mesmo lado, isso pode causar um movimento de inclinação maciça para baixo, não muito diferente daquele experimentado pelo voo 990. 

Além disso, foram encontrados dois rebites no conjunto de caixa do atuador a ser cortada, possivelmente antes da queda. Mas rapidamente ficou claro que a teoria não se sustentava. Primeiro, nenhuma conexão pôde ser encontrada entre os rebites cortados e um potencial atolamento do atuador. 

Em segundo lugar, esse congestionamento deve ser facilmente recuperável usando o elevador sem falha, simplesmente puxando para trás a coluna de controle. 

E terceiro, tal falha produziria um passo para baixo mais acentuado do que o que realmente ocorreu. No entanto, a FAA levou os rebites cortados a sério, e uma inspeção revelou falhas semelhantes em mais de 100 Boeing 767s e 757s. Todos foram posteriormente corrigidos.

Restos da fuselagem do voo 990 - Foto: The Providence Journal

Repetidamente, o NTSB derrubou cenários de falha mecânica egípcia usando testes de matemática e simulador. Nenhuma falha concebível dos elevadores poderia produzir uma excursão de inclinação que não fosse facilmente recuperável, mesmo se o piloto esperasse 20 segundos antes de reagir. Nem nenhuma evidência física foi encontrada nos destroços para indicar que qualquer uma dessas falhas ocorreu. 

A imprensa egípcia acusou o governo dos EUA de um encobrimento - que na realidade o avião estava com defeito, e a alegação de que Batouti cometeu suicídio tinha como objetivo absolver a Boeing de responsabilidade. Eventualmente, não havia mais nada para o NTSB fingir que estava investigando. Em 2002, publicou seu relatório tão esperado, concluindo que a causa provável do acidente foram as entradas de controle do primeiro oficial de emergência. Por razões diplomáticas,

Enquanto isso, o FBI procurava um motivo. No papel, nada sugeria que Gameel Al-Batouti pudesse ter sido suicida. Ele tinha família, tinha um plano de aposentadoria e, mais cedo naquele dia, comprou um pneu de carro para levar para o filho (eles até conversaram sobre isso por telefone antes do voo). Ele também não era um fundamentalista religioso. Mas em fevereiro de 2000, novas acusações começaram a surgir. 

Entrevistas com funcionários do hotel em que Batouti costumava ficar enquanto estava em Nova York revelaram que ele havia sido repreendido repetidamente por assediar sexualmente as funcionárias e hóspedes, incluindo solicitações indesejadas, perseguição e exposição indecente. Supostamente, o piloto-chefe da EgyptAir, Hatem Rushdy, que morreu no voo 990, repreendeu Batouti por seu comportamento pouco antes do voo.

Foto sem data de Gameel Al-Batouti, provavelmente com sua esposa

Então, a busca por um motivo teve um grande choque quando o piloto da EgyptAir Hamdi Hanafi Taha desertou para o Reino Unido, alegando que tinha novas informações sobre o voo 990. Ele disse ao FBI que pouco antes do voo, Hatem Rushdy disse a Batouti que por causa de seu impropriedade sexual, seu privilégio de voar para os Estados Unidos seria revogado. Isso não foi apenas um golpe para o orgulho de Batouti, mas também representou um golpe financeiro, porque os voos transatlânticos pagaram mais do que os voos regulares. 

O orgulho de Batouti aparentemente já era frágil. Ele alcançou um alto posto na força aérea egípcia e treinou pessoalmente muitos dos melhores pilotos da EgyptAir. Mas como ele ingressou na companhia aérea aos 40 anos e suas habilidades em inglês eram fracas, ele nunca foi capaz de subir acima do posto de primeiro oficial, e muitos dos pilotos que treinou acabaram ultrapassando-o. 

Para esconder o fato de que não era capitão, sempre usava um suéter que cobria o número de barras de seu uniforme e nunca usava chapéu. A suposta revogação de seu direito de voar para os Estados Unidos teria sido suficiente para empurrá-lo para o abismo? Ele poderia ter sofrido um surto psicótico e derrubado o avião para se vingar de Hatem Rushdy? Taha parecia pensar assim. 

Ele também disse ao FBI que, imediatamente após o acidente, os pilotos da EgyptAir foram chamados para uma reunião onde receberam os fatos, e apenas os fatos. Segundo Taha, todos saíram daquela reunião sabendo que Batouti havia derrubado o avião de propósito. As teorias apresentadas pelas autoridades egípcias não passavam de uma fachada. 

Investigadores egípcios examinam as caixas pretas - Foto: The Atlantic

No final, a credibilidade de Taha é questionável, pois ele não testemunhou pessoalmente a suposta conversa entre Rushdy e Batouti. Mas de acordo com o famoso escritor de aviação William Langewiesche, que passou meses pesquisando a investigação do voo 990, ele estava certo sobre a fachada ter sido erguida pelas autoridades egípcias. L

angewiesche descobriu que, quando perguntou aos investigadores egípcios sobre o acidente, eles o bloquearam; ele interpretou isso como significando que eles não acreditavam realmente que uma falha mecânica causou o acidente, porque se acreditassem, eles teriam tentado mostrar a ele as evidências. A intelectualidade egípcia concordou amplamente. Em uma entrevista para o The Atlantic, Langewiesche disse:

“Pareceu-me que eles sabiam muito bem que o seu homem, Batouti, tinha feito isso. Eles estavam perseguindo uma agenda política que era impulsionada pela necessidade de responder aos seus superiores em uma estrutura política autocrática e piramidal. A palavra havia sido passada do alto, provavelmente do próprio Mubarak, de que não havia maneira de Batouti, o co-piloto, ter feito isso. Para os investigadores de acidentes no Egito, o jogo passou a não ser a busca pela verdade, mas sim a defesa da linha oficial”.

No entanto, o público egípcio realmente acreditava que Batouti havia sido incriminado. Na verdade, os egípcios comuns pareciam levar as acusações para o lado pessoal, chamando todo o caso de um esforço colonialista para jogar a culpa em um país do "terceiro mundo" e seus pilotos do "terceiro mundo". 

A crença popular, espalhada pelos parentes de Batouti, era que toda a base para a “teoria do suicídio” era uma linha mal traduzida do gravador de voz da cabine. Mas isso representou um desprezo deliberado pelas evidências. Muito disso se resumia à crença comum de que os muçulmanos não cometem suicídio.

Os defensores de Batouti também notam que seria muito estranho repetir a frase “Eu confio em Deus” antes de bater um avião. Tawakkelt ala Allahé um ditado egípcio comum usado para solicitar a ajuda de Deus antes de alguma tarefa diária. Talvez, eles argumentam, ele estivesse pedindo a ajuda de Deus para salvar seu avião. Nesse caso, ele teria ficado muito melhor ajudando a si mesmo, mas aparentemente nunca tentou fazer isso.

Nomes dos membros da tripulação no memorial às vítimas do voo 990 da EgyptAir - Foto Jeff Kowalsky

Em um movimento raro, o NTSB não fez nenhuma recomendação de segurança como resultado do acidente. Como poderia haver uma solução regulatória para um único piloto que enlouqueceu? Por mais que o NTSB se esforce para extrair todas as lições possíveis de cada travamento, com este pouco encontrou o que aprender. No entanto, como precaução, as companhias aéreas nos Estados Unidos agora exigem duas pessoas na cabine o tempo todo.

Talvez nunca saibamos exatamente por que Gameel Al-Batouti deliberadamente mergulhou o voo 990 da EgyptAir no mar, levando outras 216 pessoas com ele. Pode ter sido um ato de vingança contra seu chefe, ou pode ter sido algum outro motivo conhecido apenas por ele. Mas que ele de fato o fez de propósito é indiscutível. 

A sequência do acidente começou enquanto ele estava sozinho na cabine, após fazer um pedido incomum para começar seu trabalho mais cedo. Não havia razão aparente para ele desligar o piloto automático. 

Não havia razão aparente para ele empurrar o nariz para baixo e mantê-lo ali. Quando o capitão Habashi voltou ao seu lugar, Batouti não fez menção de informá-lo de um problema. Não havia razão aparente para ele desligar os motores. Quando Habashi pediu que ele subisse, ele continuou empurrando para baixo.

Os últimos dois minutos do voo 990 guardam segredos que nos perseguirão para sempre. Como foi a bordo daquele avião enquanto ele subia ao seu último zênite desesperado, suspenso na escuridão total? Que palavras finais Habashi disse ao perceber que seu copiloto havia matado todos eles? O que aquelas 217 pessoas sentiram quando as tremendas forças G do mergulho final destruíram o avião? E, à medida que o mar subia por baixo dele, Gameel Al-Batouti lamentou o que tinha feito?

Fontes: admiralcloudberg / ASN - Edição de texto e imagens: Jorge Tadeu (site Desastres Aéreos)